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OPINIÃO

Saudosas tardes de maio

No mês de maio, quase ao fim da tarde, após as brincadeiras pelo quintal eu me deixava ficar sob o sol, sentado sobre a pequena cerca que ficava próxima à casa simples da Fazenda Nova América, ao lado de um frondoso pé de açucena.

Ali eu me deixava enlevar, observando o ir e ver das aves em sua algazarra, os pontos brancos das cabeças de gado do meu avô ao longe, contrastando com o verde do capim que cobria o pasto.

Perto de mim, em um lugar que parecia ser bem aconchegante, ficava o gato Marujo a exercer plenamente seu direito ao ócio e à preguiça, em uma soneca que durava horas e só era interrompida pela presença dos cachorros Guamá e Rompe-ferro, que vinham claramente com a intenção de perturbá-lo. Talvez quisessem trazê-lo para brincar, mas ele preferia mostrar que não gostara daquilo e voltava a ficar imerso em seu longo e demorado sono.

O barulho das aves e dos cachorros confundia-se com o som do radio, que vinha de dentro da casa, sintonizado em um programa que trazia canções da época, noticias e recados. E o rádio era àquele tempo o único meio de comunicação rápido e eficiente.

Os atentados cachorros pareciam querer agradar a mim e se metiam em correrias pelo terreiro, indo e vindo, apesar da indiferença do gato marujo. E assim a tarde ia caindo poética e calmamente.

Era hora meu pai voltar da roça. Tentava adivinhar ao longe sua silhueta, e quanto percebia que ele deixava o trabalho no eito da roça e se encaminhava para casa, a alegria tomava conta de mim. Ansiosamente esperava que fosse se aproximando, acompanhando com os olhos seus movimentos e seu trajeto, do meu ponto de observação.

Quando via que se aproximava do pequeno córrego, eu corria para lá, seguido pelos alegres Guamá e Rompe-ferro e ia para perto da pequena ponte, ou “pinguela” como era chamada, que servia de passagem para atravessar o córrego.

Ali papai me pegava nos braços e me colocava sobre seu pescoço e eu vinha todo alegre e feliz para casa. Depois, ele sentava no banco de madeira dentro de casa, tirava o chapéu buscando afastar-se do cansaço do dia. E carinhosamente perguntava à minha mãe se estava tudo bem. Após “esfriar o corpo” ia beber da água fresca do pote que ficava no canto da sala.

E eu ali do seu lado, a observá-lo em sua simplicidade e placidez. Então ele pegava uma toalha e íamos para o banho no riacho. Era outro momento de descontração, de alegria e brincadeiras. Papai se fazia menino, moleque arteiro.

Ao voltar para casa, o aroma que vinha da cozinha era inigualável. Após a oração, jantávamos. Apesar da casa simples, da mesa simples, eu me sentia em um palácio, dada a felicidade contida naquele momento de harmonia. E o radio vez em quando prendia a atenção de meu pai, quando eram lidos os recados, muitos para pessoas da nossa região. Era aquela responsabilidade de “quem ouvir, favor comunicar”.

Depois, íamos para a frente da casa na singela calçada de chão batido, contar estrelas, vê-las deslizando no céu,  e me encantar com os sons que meu pai tirava do violão, ao dedilhar canções, valsas, dobrados. Esperava o momento em que minha mãe se punha a declamar versos, como os do “pavão misterioso”...

E não demorava muito, adormecia no colo de minha mãe, que apesar do cansaço e da labuta diária, me acolhia carinhosamente.

São saudades de momentos únicos, de alegria incontida e felicidade plena. Saudades... Tão bem guardadas aqui: dentro do coração...

(Paulo Rolim, jornalista e produtor cênico. Twitter: @americorolim)

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