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OPINIÃO

A saudosa Folia do Divino Espírito Santo de Crixás

 O mês de junho é marcado por diversas comemorações no calendário católico. As cidades tradicionais de Goiás todas se preparam para as festividades juninas aos moldes tradicionais. Uma das que mais envolvem a fé, a devoção e agradecimentos é a Festa do Di

O mês de junho é marcado por diversas comemorações no calendário católico. As cidades tradicionais de Goiás todas se preparam para as festividades juninas aos moldes tradicionais. Uma das que mais envolvem a fé, a devoção e agradecimentos é a Festa do Divino Espírito Santo, circundada por uma maravilhosa história. Impossível não se emocionar com as cantorias e as danças típicas da Folia do Divino...

Para se falar sobre a Folia do Divino é preciso falar sobre a tradicional Festa do Divino Espírito Santo, a qual trago na memória desde os meus tempos de mocidade em Crixás. Uma festa onde o Imperador e a Imperatriz são os principais personagens responsáveis pelo funcionamento da festa. A escolha do Imperador é feita através do sorteio, após a missa do Divino, onde também são sorteados os alferes das folias, os violeiros, os caixeiros, o fogueteiro, o capitão do mastro, o capitão da fogueira e o alferes da Bandeira Grande. Para todos os encarregados, havia um ano para eles planejarem o seu trabalho. O Imperador já pensava em plantar a mandioca para fazer a farinha e tirar o polvilho, plantar o arroz que seria limpo no pilão e também para tirar o fubá. Engordar os capados, colocar galinhas no choco para ter mais frangos e aumentar as galinhas para ter mais ovos. Sem se esquecer da matutagem “vaca para engordar e matar” e não poderia ser menos de quatro. As tachadas de sabão não eram esquecidas pela Imperatriz, assim como o plantio do alho e da cebola. Meses antes da festa, a Imperatriz passava nas casas das comadres e vizinhas para orientá-las a juntar ovos para ela fazer os bolos.

Já estava na hora de o Imperador fazer a viagem para a Cidade de Goiás a fim de comprar sal, açúcar, café e querosene. Ele não podia esquecer também de comprar calçados e tecidos para vestir toda a família. Para trocar pelas mercadorias, ele levava carne de sol, toucinho, sabão e couro curtido. Os burros de carga já deveriam estar todos prontos com as arreatas, cangalha, bruaca e liga. Havia um condutor dos cargueiros. A Imperatriz não se esqueceu de encomendar ao marido para trazer pano de bater, “tecido simples”, e pano asseado, “tecido de seda”. Ele também não podia se esquecer dos condimentos cravo, canela, erva doce, bicarbonato e pimenta do reino. Às vésperas do mês de Junho, já deveria estar tudo pronto. O Imperador, sua família e a comitiva deixavam a fazenda rumo à Cidade de Crixás, onde o Imperador se hospedava na casa grande, a Casa de São Benedito.

O dia 1° de junho era o dia da saída das folias. Almoço pronto para ser servido. Alferes e foliões chegando, todos muito bem vestidos. Cada alferes com seus componentes. Após o agradecimento da mesa, dirigiram-se para igreja onde iam fazer os rituais da despedida. Eram três folias, cada qual seguia para sua região. A Folia de São Patrício seguia para o Sul de Crixás, a do Sertão para o Norte da cidade de Crixás e a de Santa Rita para o Oeste de Crixás, para o lado da cidade de Santa Rita.

Nos pousos das folias, aconteciam os mesmos rituais de preparativos, só que em menor proporção. Os fazendeiros roçavam as estradas próximas às fazendas, consertavam passagem de córregos, melhoravam as condições das casas para que tudo ficasse com melhor aparência. Nos pousos de folia, os fazendeiros ofereciam a janta, o café da manhã e o almoço, tendo sempre em todos os pousos os mesmos rituais: pedir o pouso, batuque da chegada, agradecimento da mesa, tirar as esmolas para depois de tudo ocorrer as danças: a catira e as veadeiras. Na hora de tirar as esmolas, entra em cena o fogueteiro: quando a esmola é um bezerro, solta-se um foguete. As esmolas são conferidas pelo alferes juntamente com um comandante da folia. Após esta obrigação, os foliões irão fazer as suas brincadeiras, que são a catira, o recorte e a veadeira. Antigamente, nos pousos de folia, tinha também o arrasta pé e mais tarde o café com bolo. No dia seguinte tomava-se o café e, se fosse necessário, ainda tirava esmola. Os animais já deveriam estar todos arreados para a saída logo após o almoço, tendo ainda o agradecimento da mesa e o canto da despedida que é muito bonito, apesar de triste.

O fazendeiro fica satisfeito com a visita do Divino Espírito Santo e pede a benção para toda a sua família, sua propriedade e para todos os que trabalham com ele. Com um mês de giro a folia está de volta. O Imperador e sua família na Casa Grande esperam pelas folias. A chegada é na igreja para os agradecimentos, para prestar contas de todo trabalho do mês e a soma de todas as esmolas tiradas. Só depois que as folias se dirigem à Casa Grande para o jantar, que não era só para as folias e sim para todo o povo.  Naquela noite, a dança das folias durava a noite toda, tendo mais tarde um farto café com bolo.

A entrada da folia é sempre em uma quinta-feira. A programação da festa era extensa: na sexta-feira ocorria a Festa do Capitão do Mastro em sua casa, com fartura de quitandas. No sábado, ocorria o Baile do Imperador na Casa Grande. Ainda no sábado havia a Folia de Rua da Bandeira Grande, onde iam o Alferes da Bandeira Grande e um grupo de moças bem trajadas com prato na mão, a fim de receber a esmola dos moradores da rua. No dia seguinte, dia de domingo, às 10 horas da manhã, era celebrada a missa em que o Imperador, a Imperatriz e sua família iam para a igreja dentro de um quadro de madeira conduzido por quatro homens. Na igreja, eram colocados em lugar de destaque.

A Festa do Divino era a festa mais importante da cidade de Crixás, pois era a única em que a população era beneficiada com a presença de um padre para a celebração da palavra de Deus. Os padres vinham da Cidade de Goiás uma vez por ano, a cavalo, realizando batizados e até casamento pela estrada afora. Após a missa, ocorria a grande Festa do Doce na Casa Grande. Imperador e Imperatriz tinham o grande prazer de oferecer para toda a população vários tipos de doces feitos com muito carinho e dedicação por um doceiro especialista, Antônio da Luz, que vinha para Crixás a chamado do Imperador para fazer os doces. As garrafas de vinhos e licores enfeitadas como flores de papel de seda davam um ar bonito e alegre, que demonstrava muito bom gosto. À noite, era comemorada a festa do Imperador Novo, na Casa Grande.

Ainda após a missa, fazia-se o sorteio, que ainda hoje também se faz, para a escolha dos novos membros para perpetuar a Festa do Divino Espírito Santo. A Festa continuava ainda na segunda e na terça-feira nas Cavalhadas, que hoje ocorre no sábado e no domingo. Como na segunda-feira não havia nenhuma programação, os jovens faziam por conta própria um baile que se chamava “Finta”. Na terça-feira pela noite fazia-se o encerramento da festa, com o Baile da Cavalhada.

Atualmente, a Folia do Divino continua sendo realizada na cidade e nas fazendas; o giro dura 14 dias. O ritual é o mesmo, com o café da manhã podendo ser no pouso ou não. Após o café, a Folia sai de porta em porta com a imagem do Divino Espírito Santo, pedindo a bênção para todos os moradores da cidade. É sua finalidade também ajudar a Igreja de Crixás. Até chegar ao local do almoço, ela continua de porta em porta dando a sua bênção e também pedindo esmolas. Mais ou menos às seis horas da tarde, a Folia chega à porta de uma casa para pedir o pouso, o que destoa de todos os rituais do giro de uma folia. A Festa e a Folia do Divino na atualidade sofreram uma grande mudança, pois é executada em menor proporção. Porém, os rituais são os mesmos. Que saudade dos tempos de outrora...

(Delmira Xavier Ferreira Machado é professora, servidora pública aposentada do Estado de Goiás, primeira normalista de Crixás-GO e ex-primeira dama de Crixás-GO no período de 1983 a 1988)