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OPINIÃO

Mais causos do misterioso diamante azul

A imaginação faz prodígios, leitores do Diário da Manhã. Quem leu A Guerra dos Mundos, de H.G Wells, sabe suficientemente bem disso. Wells diz alí da invasão da Terra por marcianos inteligentes, munidos de um poderoso raio carbonizador e veículos assassinos que fazem mais lembrar aquelas altas caixas d’água suspensas por longos tripés ou colunas. Pensem só naqueles nossos depósitos d’água a vagarem por aí, com as suas colunas à maneira de pernas, carbonizando pessoas e  animais a rodo. Que horror, leitores do Diário! Houve um momento em que a imaginação poderosa ou fértil de Wells se encontrou com a imaginação fértil e poderosa do jovem cineasta Orson Welles. E tal  encontro de Wells e Welles fez escola. Ribombou e incomodou gente demais. Beliscou os nervos até a gente mais serena e grave que existe. Aliás a diferença nos sobrenomes  Wells e Welles é de apenas um “e”, tal a similitude imaginativa deles entre si. Estamos a escrever sobre 30 de outubro de 1938, como já referido no texto “Santa Sé e Vida Extraterrestre”, levado às páginas deste Diário da Manhã, quando a rede Columbia Broadcasting System – CBS, uma das mairores redes de televisão e rádio dos E.U.A., interrompe repentinamente a sua programação musical a fim de anunciar uma suposta invasão alienígena. Suposta porque aquela transmissão lá era verdadeiramente uma dramatização de A Guerra dos Mundos, magistralmente realizada por Orson Welles em forma de reportagem jornalística. Ocorre ter aquela apresentação lá sido tão realista e convincente que muitos espíritos impressionáveis realmente acreditaram que o planeta estava sendo mesmo atacado por seres extraterrestres. Aí, o pânico se instalou de vez. Foi um alvoroço nos E.U.A inteiro! O jornal Daily News, de Nova York, resumiria assim, na manchete do dia seguinte, a reação ao programa radiofônico de então: Guerra Falsa no Rádio Espalha Terror Pelos Estados Unidos.

A imaginação criativa da atriz de comédias musicadas, May Yohé (1866 – 1938), fez igualmente prodígios nos princípios do século XX, se bem que num caso específico de rumorosa infidelidade conjugal dela. Não com a mesma intensidade daquela outra estranha criação radiofônica lá, de Orson Welles, mas fez certamente das suas peripécias. O que irá ressoar até mesmo em alguns órgãos de imprensa brasileiros. Seu casamento, em 1894, com o Lord Francis Hope, “significou”, conforme O Jornal, Rio de Janeiro, edição de terça-feira, a 20 de fevereiro de 1923, texto “O dom sinistro do Brilhante Azul”, ano V, num. 1260, página 3, “nada menos que a realização de uma legítima aspiração de mulher, a conquista da felicidade. May, filha de um obscuro alfaiate da Pennsylvania, tornava-se esposa de um nobre britânico, da mais refinada linhagem, que por uma fatalidade, agora explicada, chegou à maior miséria”. Cujos insucessos, segundo o aludido periódico carioca, começam precisamente “no dia em que May, a esposa adorada, fugiu com o jovem capitão Putman Bradlee Strong, filho do ex-prefeito de Nova York. Esse passo errado, May Yohé atribui exclusivamente à posse da Pedra Fatal, um diamante azul que vinha dos maiores de lord Hope, uma jóia que seu esposo lhe oferecera”. Diamante que, segundo os indivíduos mais supersticiosos, tem o condão de atrair desgraças aos seus sucessivos possuídores. Que asneira! Coitado do asno! As mulheres infiéis tem lá os seus engenhos e ardís. Ora, ora, fantasiemos, senhores leitores do Diário da Manhã, que, numa sensual e tépida noite de maio, o sr. fulano de tal, tomado de pruridos eróticos irresistíveis e de caso inteiramente pensado, foge com a mulher do sr. sicrano de tal, e de quem é a culpa? De nenhum dos amantes naturalmente, pobres vítimas aqueles coitadinhos lá! A culpa é da influência sinista e caipora das cuecas do amante, o sr. fulano de tal, melhor, das roupas íntimas do amante dela. Aí está: a culpa reside inteiramente nas ceroulas dele. Well, well, well, seu Miguel, tenha a santa paciência, sua Inocência!

Muito fácil!

Continua aquela edição d'O Jornal do Rio: “o capitão Strong”, o desinfeliz amante de Yohé, “foi excluído da herança materna, por sua mãe, quando morria, a qual, nos seus últimos momentos, declarara deserdado o seu filho, por ter tentado contra a moral social, fugindo com a esposa de nobre britânico”.

O Jornal participa mais aos leitores dele, sobre as malfadadas aventuras amorosas da senhora May Yohé: “May trazia consigo o diamante azul, no dia que em Londres foi apresentada ao capitão Strong.”

“A filha do alfaiate da Pennsylvania frequentava a mais alta sociedade londrina, pois era esposa de um nobre da mais remota linhagem e superiormente rico. Recebia em sua casa os pares do reino e príncipes.”

“Era o seu nome no ‘high-life’, lady Francis Hope, cunhada do duque de New-Castle, que não tinha filhos e, por isso, seu esposo, por morte deste, herdaria o título e riquezas. May seria mais tarde ou mais cedo, duqueza de New-Castle, uma das damas mais altamente colocadas na corte inglesa.”

O Jornal participa mais: “Em uma das memoráveis recepções de lord Francis, May conheceu o jovem capitão Strong, que lhe fez os galanteios sociais discretos dos salões, o flirt que envenena o edifício social nas altas rodas mundanas. Ninguém poderia supor que esse encontro um ano depois tivesse o seu desfecho singular.”

O flirt mundano já lá estava e a culpa é do brilhante azul. Sempre há um bode pra expiar ou purificar as nossas faltas.

O Jornal comparece ainda que “Lord Francis e May embarcaram para Nova York; pouco depois de chegar na grande cidade americana, Lord Francis partiu para uma caçada na Flórida e May Yohe adoeceu gravemente. Alguém telegrafou a Strong, que estava em Londres, relatando o caso: ‘Lady Francis gravemente enferma de pneumonia, em Nova York, e Lord Francis caçando na Flórida.’ Strong embarcou no primeiro paquete e chegou em plena crise da enfermidade. À noite, os médicos telegrafaram a Lord Francis: sua esposa em condições perigosas. Restabelecimento difícil. Ela solicita sua presença.”

Sabem o que Lord Francis respondeu, de acordo com O Jornal? Leiam:

“Estou confuso. Impossível regressar em meio de minha atual empresa. A volta fracassaria tudo. Avisem-me a marcha da doença.”

Conta May Yohé:

“Este telegrama estourou nos meus dedos; amarfanhei-o e atirei-o ao solo. Desde esse dia entreguei-me de corpo e alma ao amor de Strong.”

May conta depois que...

“Quando Strong leu o terrível telegrama, exclamou: pobre Maysinha, que coisa horrível. Não chores, quando ficares boa, irás comigo, deixando esse caçador de feras. E pela primeira vez estreitou-me nos braços.”

Pouco depois, o par feliz partiu para o Japão, levando a maior parte das jóias de Lord Francis.

“Originou-se daí o começo das desgraças da obscura filha do alfaiate. Strong gastou tudo o que possuía, numa viagem à volta do mundo feita com espantosa rapidez, sem parar, sem descansar, viajando sempre. Quando, no ano seguinte, regressou o casal a Nova York, Strong possuía somente 250 dólares, que perdeu jogando na Bolsa.”

“Nesse mesmo dia Strong escreveu a May: ‘Querida Maysie, ? quando receberes esta carta eu já me terei suicidado. Gastei tudo que possuia e que possuías. Vendi todas as tuas jóias.’ ? Bradlee.”

Era o começo da tragédia. Lady Francis Hope defronta a vida de miséria. Lord Francis Hope conseguiu o divórcio e May ficou abandonada em Nova York.

“O diamante azul continuou a sua obra misteriosa de destruição.”

Mas Lord Hope recuperou a sua pedra preciosa.

Que se há de fazer, se a fervorosa May, valeu-se desse pretexto tão débil, a inocente caçada de Lord Francis, a fim de fugir com aquele por quem caira perdidamente apaixonada, o jovem capitão americano, que em realidade era um estroina, um dissipador de coisas alheias. O jeito foi culpar a gema cintilante, que lhe ornava antes o colo de marfim, pelas suas próprias vicissitudes.

Como, após todos esses lances, mormente depois que Lord Hope conseguiu reaver o diamante dele, a vida não lhe corresse tão risonha assim, foi que, aquela que seria a duquesa de New-Castle, necessitando ardentemente de dinheiro, começou a inventar lendas e lendas em torno daquela gema preciosa, a ver se pegava. Inclusive escreveu e tentou vender um roteiro para cinema, The Hope Diamond Mistery. Como de fato conseguiu vendê-lo mais adiante. Estamos certamente em princípios do século XX, em torno mais ou menos de 1902/1903.

No texto “O Naufrágio do Titanic, O Mistério do Diamante Azul, na Imprensa Carioca de 1912”, dissemos “das maquinações da atriz americana May Yohé (1866 – 1938), a cuja imaginação fértil se deve, assim nos princípios do século XX, a invenção daquela engenhosa lenda em torno do diamante fatal ou diamante Hope”. Acrescentamos depois o fato da própria Yohé ter sido “uma das pretendentes a herdeira da pedra, por ter sido casada com Lord Francis Hope, de cujo sobrenome aquela gema preciosa herdou aquele Hope dela”. Com efeito, Francis Hope era neto de Henry Thomas Hope, o qual, por sua vez, era sobrinho de Lord Henry Phillip Hope, que foi quem a adquiriu em 1839 e lhe atribuiu o seu nome atual: diamante Hope. Com a morte de Henry Phillip Hope, em 1839, a pedra preciosa, depois de um severo litígio judicial, passou às mãos do sobrinho, Henry Thomas Hope, e por último, talvez em virtude de testamento, às mãos do neto deste sobrinho dele aí, o nosso Francis Hope. Ufa!

Pois bem, recuperado o brilhante azul das mãos de May Yohé, Lord Francis tratou de vendê-lo “a Simão Franckel, um dos mais ricos joalheiros de Nova York”. Continua O Jornal: “Apenas Franckel adquiriu o brilhante adoeceu gravemente e sobreveio a bancarrota.”

Vamos achar na cadeia sucessiva de possuídores dele, logo adiante de Simão Franckel, o milionário americano Mac Lean, que o deu a sua bela mulher, Evalyn Walsh Mac Lean, a qual teria morrido no naufrágio do vapor Titanic. Notem, leitores, o verbo no condicional “teria morrido”. Porque havia crenças nesse sentido. Edição mesma da revista humorística Careta, Rio de Janeiro, a 17 de agosto de 1912, ano XXVIII, n. 9.537, segunda-feira, página 8, fora, certamente por influência da atriz estadunidense de comédias musicadas, uma das que mais as difundiu. Leia: “Depois de ter infelicitado a outras pessoas, o diamante foi comprado pelo milionário americano Mac-Lean, que o deu a sua esposa, a qual pereceu no naufrágio do Titanic.” Entretanto, alguns websites informam ter Evalyn Walsh, na realidade, morrido em terra firme, parece que acometida de pneumonia.

Tais crendices e absurdos em torno da luminosa pedra azul foram abrindo clareiras em outros órgãos da imprensa brasileira, ainda antes do Titanic ter ido a pique, nas costas da Terra Nova, no Canadá. Vejam aí, caros amigos, o que divulga O Pharol, Juiz de Fora, Minas Gerais, a 14 de abril de 1911:

“Um amável americano, mr. Mac Lean, ofereceu a sua mulher o diamante Hope, adquirido por um milhão e quinhentos mil francos. Acreditam que é um lindo presente? Hum!... Se fôssemos a dama, preferiríamos outra coisa. O Hope não é precisamente um talismã; desde que chegou da India, em 1688, todos os que o possuíram acabaram mal.” (…) “A palavra Hope significa em inglês esperança.” (…) “Pergunta-se que catástrofe espera a mrs. Mac Lean, a quem seu marido fez o belo presente. Um colar de diamantes artificiais custaria menos caro e seria menos inquietante.”

Isto aí, essa inquietação toda ela extravagante, exatamente um ano antes do naufrágio do RMS Titanic.

Incluamos igualmente o jornal carioca O Século, sábado, 17 de agosto de 1912, num escrito denominado “O Conde Pavoroso”, que, a exemplo do humorístico Careta, refere ter o nefasto brilhante azul desaparecido com o Titanic, sem todavia fazer a menor alusão à socialite Evalyn Walsh Mac Lean. Aí está um trecho dele: “É fatal o Conde e se o célebre diamante azul, o diamante da desgraça, que dizem ter se perdido no trágico naufrágio do Titanic, não tem dado mais que falar de seus funestos efeitos é que, convencido de ser a pavorosa jetatura  do Conde incomparavelmente maior que a sua própria, resolveu desaparecer da face da Terra, corrido de vergonha.”

Temos o jornal Diário da Noite, Rio, ano XXVI, n. 5.679, terça-feira, 12 de janeiro de 1954, página 8, 1ª seção, em um artigo de fundo intitulado em letras gradonas assim “Roubado do Templo Sagrado da Birmânia, O Belo Diamante Azul Desgraça, Há Séculos, Os Seus Possuidores Sucessivos”.

E pra encerrar: o texto “Diamantes Famosos e Fatídicos” estampado no Correio da Manhã, Rio de Janeiro, Seção Ilustrada, Suplemento Intergráfico Singra, 1959, n. 355, 6 a 12 de fevereiro de 1959, página 13, todas as sexta-feiras. Diz lá que “durante a revolução francesa foi o ‘Hope’ roubado, e vendido ao inglês Henry Hope de quem tomou o nome. De hope, ele passou à atriz May Yohe, casada com um neto de Henry de quem se divorcia, acabando por morrer na miséria”. Por falar em morrer na miséria, A Noite do Rio, a 29 de agosto de 1938, ano XXVIII, n. 9.537, segunda-feira, página 8, faz o seguinte registro: “MAY YOHE – Desaparece aos 72 anos a famosa atriz – Boston (EE.UU.), 29 (U.P.) - Faleceu ontem, nesta cidade, em relativa pobreza, aos 72 anos, a antiga atriz de comédias musicadas, May Yohe. Vitimou-a um colapso cardíaco.”

A Noite, como visto aí acima, divulga claramente “relativa pobreza” de May Yohé.

Lemos logo aí atrás ter o brilhante azul sucumbido no bojo fatídico do Titanic. Tudo fantasia. Em realidade, a célebre joalheria Harry Winston, um de seus seguidos possuídores, doou-o em 1958 ao Instituto Smithsonian, Washington, D.C., onde permanece até hoje exposto, sem que qualquer sinistro ou maldição, ao que se saiba, tenha se dado lá. Como se explica isso?

“...crendices e absurdos em torno da luminosa pedra azul foram abrindo clareiras em outros órgãos da imprensa brasileira, ainda antes do Titanic ter ido a pique, nas costas da Terra Nova, no Canadá”

“...o jornal carioca O Século, sábado, 17 de agosto de 1912, num escrito denominado “O Conde Pavoroso”, que, a exemplo do humorístico Careta, refere ter o nefasto brilhante azul desaparecido com o Titanic, sem todavia fazer a menor alusão à socialite Evalyn Walsh Mac Lean”

(Pedro Nolasco de Araújo, advogado)

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