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Confissões de generais: a verdade sobre o Golpe de 64

O Conselho Estadual de Cultura aprovou recentemente o estipêndio da reedição de Confissões de Generais – livro que publiquei em 1989. Julgou-o na categoria “livro clássico de autor goiano”. Tinha o subtítulo A intervenção militar na política brasileira. Nessa reedição o substituí por A verdade sobre o Golpe de 64. A substituição se justifica pelo fato de que a tomada do poder naquele ano por militares e civis a eles historicamente ligados constitui o ponto nuclear do livro. Há nele narrativas pormenorizadas de várias outras intervenções castrenses, como a implantação da ditadura do Estado Novo em 1937, a derrubada de Getúlio Vargas em 1945, as pressões que resultaram no suicídio dele em 1954, as tentativas para impedir a candidatura, a eleição e a posse de Juscelino Kubistchek – que provocaram o contragolpe do general Teixeira Lott – em 1955, as chamadas rebeliões de Jacareacanga e Aragarças para derrubar JK em 1956, a deposição do governador Mauro Borges em 26 de novembro de 1964, os 41 atentados praticados por militares golpistas durante a ditadura pós-64 a fim  de impedir a redemocratização do País (dos quais o mais famoso foi o do Riocentro), a ação conspiratória do ministro do Exército Silvio Frota contra o próprio presidente Ernesto Geisel, que se viu obrigado a contragolpear demitindo-o energicamente. Mas alguns importantes fatos no plano de ações militares que se autodenominaram revoluções, ocorridas antes de 1930, não foram objeto de enfoque do livro. Daí o subtítulo genérico ter sido substituído. O golpe de 64 (que os seus autores denominaram Movimento e até mesmo Revolução de 31 de Março), como afirmei, é o núcleo de Confissões de Generais.

Fiz questão de fazer prova de tudo que o livro se propõe demonstrar.

A facilidade que os golpistas tiveram para conspirar constitui a primeira demonstração. É incrível a ingenuidade de um dos mais importantes membros do governo João Goulart – o secretário de Imprensa Raul Riff, muito influente e considerado inteligentíssimo. Ele viu no aeroporto do Galeão a sra. Laurita Mourão, residente em Montevideu e que mais tarde aqui no Brasil veio a se revelar boa escritora. Em face do sobrenome, perguntou-lhe: o que a sra. é do general Olímpio Mourão?  Ela respondeu: “Sou filha dele.” O prestigioso auxiliar de Jango então lhe diz: “Filha? Pois então, d. Laurita, é bom que a senhora saiba: seu pai está em franca conspiração contra o governo. Por isso vai ser afastado do comando da 2ª Região Militar.

Laurita contesta. Não podia ser verdade. Afinal, quem ignorava que seu pai tomara decidida posição a favor da posse de Jango na crise de agosto-setembro de 1961?

Na noite daquele mesmo dia ela voa para São Paulo. Conta ao pai general toda a conversa com Riff.

Eis o que registra o general Mourão no seu livro de memórias:

“Aí eu fiquei bambo. Não dormi a noite inteira. Pior coisa não podia me acontecer. Amanhã eu vou relatar isto ao meu Estado Maior Revolucionário e ao Mena Barreto. Meu Deus, que devo fazer?”

Mourão fica a arquitetar uma forma de demonstrar lealdade ao governo. A conversa de Riff com Laurita tirou-lhe o sossego.

Registra no seu diário:

“No dia 8 telefonei ao Pery dizendo-lhe que eu não estava com muita vontade de comparecer a qualquer solenidade, porque era certo haver algum orador indiscreto atacando João Goulart e eu não toleraria. Fiz isto de propósito porque imaginei se algum orador fizer isto retiro-me escandalosamente da solenidade para me limpar com o governo e não perder o comando.

No dia seguinte executei o plano com perfeição.”

De fato. De forma espetaculosa levantou-se quando um orador atacava violentamente João Goulart, em solenidade no Palácio 9 de Julho. Fez um protesto em voz alta, chamou para acompanhá-lo seus comandados que ali estavam.  Gritou para eles:

“Levantem-se, vamos nos retirar daqui. Não admito insultos contra o Chefe das Forças Armadas, o Presidente João Goulart.”

Deu certo para ele. Limpou a barra com o governo. E continuou a conspirar. E acabou sendo o detonador do golpe contra Jango, quando estava no comando da 4ª Região Militar de Minas Gerais.

No artigo de depois de amanhã relatarei vários outros episódios. A história do Golpe de 64 tem lances interessantíssimos.

(Eurico Barbosa, escritor, membro da AGL e da Associação Nacional de Escritores, advogado, jornalista e escreve neste jornal às quartas & sextas-feiras - E-mail: [email protected])

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