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OPINIÃO

Essa de pátria educadora é melancólica

O baiano mais americano do Brasil, Roberto Mangabeira Unger, atual ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos do Governo Federal participou meses atrás de uma audiência no Congresso Nacional, ocasião em que apresentou o documento Pátria Educadora, por ele elaborado. Segundo o ministro, a finalidade das ações propostas no texto é de revolucionar a educação brasileira, que ano a ano contabiliza resultados precários na formação de crianças e jovens. De fato, a educação fracassa há muito tempo na sua principal missão, mas não exatamente pelos motivos que o ministro arrolou.

Unger afirmou que a educação brasileira repete um modelo francês do século dezenove, calcado na repetição e no decoreba de conteúdo, sem compromisso com o desenvolvimento da competência analítica do educando. Além disso, emprenha-se na tarefa de promover um saber enciclopédico superficial. Em momentos como esse de sua exposição, temos a impressão de que Roberto Mangabeira Unger, renomado intelectual brasileiro, professor de Harvard, está desinformado ou supõe que a academia brasileira não conhece a história da educação do País. É verdade que a educação brasileira herdou, nos seus primórdios, o modelo jesuítico adaptado nas melhores escolas da França. Mas historicamente não há desdouro algum nisso. Afinal, aquele modelo ainda correspondia ao melhor ensino praticado na Europa. Só que isso ficou num passado distante do Brasil, do qual o ministro, pelo jeito, não se desligou ainda.

A desinformação ou omissão do ministro Unger está no fato de negligenciar que já nos anos de 1920, vários intelectuais como Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo, se atentavam para a necessidade humanista da expansão e democratização do acesso à escola e, na esteira das reflexões, constatavam o desacordo da concepção jesuítica de educação e mesmo sua ineficiência pedagógica diante dos valores da modernidade. Esses intelectuais engrossaram um movimento conhecido como Escola Nova, lançaram manifestos e fizeram experimentos educacionais em diversas regiões do Brasil.

O manifesto escolanovista, publicado em 1932, vai bem além do que disse Mangabeira Unger, já naquela época desarticulava todo um aparato de educação tradicional e elitista vigente no País. A prática de memorização e do decoreba a que alude Mangabeira Unger foi banida do ensino brasileiro faz muito tempo, não pela prática em si, mas em virtude da reformulação do modo de entender o conteúdo, a relação do educando com o conteúdo e do professor com o educando. Não precisa ler textos dos anos 1930, de Anísio Teixeira, para desqualificar a afirmação do ministro, basta ler os “Parâmetros Curriculares Nacionais”.

Se o projeto pátria educadora se destina à execução do Plano Nacional de Educação, como supõe Mangabeira, o que compete é arguir como efetivar um projeto se muitas de suas medidas não custam “um único centavo”. Se o projeto pátria educadora tem a ver com qualificação do ensino, conforme assevera o ministro Unger, como qualificar sem aplicação financeira? São ares de mais uma normativa da Unidade Federativa que levará mais uma vez a responsabilização aos estados e municípios. Se “precisamos ultrapassar os limites do paradigma empresarial”, se a situação do ensino básico no Brasil é calamitosa, como qualificar com normativas?

A qualidade da educação perpassa as condições de organização da sociedade. Como instituição, a escola acolhe essa sociedade com suas mazelas e da escola é cobrado o resultado de um trabalho que nele influem condições sociais, econômicas, psicológicas, de saúde, familiares, enfim, tudo desemboca na instituição escolar. Pensando nisso, não seria mais conveniente discutir a sobrecarga de impostos que impede as famílias das crianças que chegam à escola, de oferecer-lhes condições de alimentação digna, de saúde, de lazer? Como conseguir ler, interpretar, contar se muitas vezes a indigência cultural ou o estômago faminto desafiam a compreensão as letras?

Em lugar de querer atribuir às instituições colegiadas, formadas pela União, Estados e Municípios, o papel de “concertar” a escola, sobretudo os segmentos que a compõem, por que não concertar a infraestrutura, os salários dos professores, as condições precárias de bibliotecas, laboratórios de informática, laboratórios de ciências? Por que não criar condições materiais para que a educação funcione efetivamente? Afinal, não se “concertam” crianças, não se “concertam” adultos, não se “concertam” pessoas, mas é possível formá-los e prepará-los com as melhores habilidades e os melhores valores humanos.

Mangabeira Unger apresenta um leque de ideias ultrapassadas e o que se poderia colher como novidade em sua proposta, na verdade, já vem sendo defendido há vinte anos, com as PECs (Proposta de Ementa à Constituição), especialmente as apresentadas pelo Ex-ministro da Educação Cristovam Buarque. Seu “Pátria Educadora”, elaborado a pedido do governo Dilma, sequer foi encampado como política de educação pelo MEC e até certo tempo não era do conhecimento do ministro da Educação Renato Janine Ribeiro. Ao que parece, representa mais uma política destrambelhada de marqueting elaborada em seu gabinete refrigerado, sem ao menos conhecer o chão da escola pública brasileira.

(Alan Oliveira Machado e Núbia Cristina dos Santos Lemes, professores da UEG, Campus de Iporá, doutorandos em Educação pela UFG)

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