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OPINIÃO

A falta que o pensamento faz

É velho vício acadêmico a gravitação em torno de máximas teóricas de muita sonoridade, impressão e convencimento, mas de pouco alcance prático, histórico e objetivo. É muito estranho! São tempos e energias enormemente extensas e dispensadas para questões de pouca relação com a pletora de demandas, sobretudo, sociais e que nos arrebata em todos os instantes.

Nada contra "viagens teóricas" o que considero, em sua medida, até importante, mas, venhamos e convenhamos que o estabelecimento de limites é uma necessidade, sobretudo, na crise acadêmica em que nos encontramos e, definitivamente, nossa crise não é só econômico-financeira. Aliás, este tipo de crise em ambiente acadêmico, é o menor de nossos problemas.

Esta grita em torno de dinheiro e mais dinheiro vem, sobretudo, de sindicatos e associações acadêmicas, estas novas corporações do não-trabalho, operantes na inércia antipática de discursos previsíveis e desmobilizantes; incapazes de qualquer autocrítica; da atualização de pautas, estratégias e formas de inserção social e militante. Na verdade, o movimento sindical, sobretudo, docente, virou um "não-sei-quê" ensimesmado e estatal.

De outro modo, um bando de pelegos fechados no mundinho encantado da academia, avalizados por partidos do "campo popular e democrático" (?), protegidos por contratos de trabalho draconianos e, fundamentalmente, antissociais; por garantias de imunidade sindical e, por fim, por toda sorte de "mamatas e boquinhas" que a função aprouver. Caducamos!

Caducamos e nem percebemos e no estrito ambiente universitário, mais pela razão de ser afundada no exercício da função adormecida em burocracias de todos os tipos e que, de atividades intermediarias foram convertidas em finalidade, sentido e essência acadêmica e menos, bem menos, pelas ritualísticas e simbolismos que marcam o empavonado ambiente acadêmico.

Expressão de nossa senilidade são as formas de apreensão do mundo real e que estamos viciados. Useiros e vezeiros de um estruturalismo tosco e de um marxismo notadamente vulgar "tudo virou tudo" e expulsamos as especificidades do pensamento sistematizado e coerente.

É assustador! Os "noves fora" do que digo está, por exemplo, na percepção da atual crise econômica por parte, da boa gente da academia. A "bala de prata" da oposição ao atabalhoado governo de Dilma Roussef, esta maldita crise econômica, é tratada, mesmo aqui, na província onde vivo, nestas lonjuras goianas, com as mesmas categorias analíticas, com as mesmíssimas adjetivações e qualificantes utilizados por analistas do sul/sudeste do país.

Veja... É a mesma narrativa, a mesma sensibilidade e são as mesmas categorias. Sem ter o que pôr ou tirar. A diversidade e mesmo a beleza do pensamento sociológico ou econômico foram, finalmente, capadas e defenestradas das análises da conjuntura.

É como se tivesse havido um amplo serviço de terraplenagem social, política e econômica por todo o país, onde as diferenças regionais, todas elas houvessem sido extirpadas e nos convertido em um grandioso país continental de homogeneidades, equivalências e similitudes.

De fato, nem preciso dizer que isso não aconteceu e seguimos amplamente diversos em territórios, conflitos, níveis de desigualdade e pobrezas, enfim, o amplo, velho e complexo Brasil de sempre.

Mas... Por alguma razão, a crise nos unificou! Pelo menos os discursos estão bem aprumadinhos. Dia desses ouvi os reclames de um vendedor de caldo de cana sobre a alta do dólar e a necessidade de maior paridade cambial entre a moeda dos gringos e nosso real capenga. Me assustei!

O que quero dizer é que seria, de fato, importante, saber como essa crise impacta nesta cidade rural onde vivo; quais os específicos da crise, aqui, nesta província? Como o capital planetário com suas crises de reprodução e mobilidade chega às pequenas localidades? Como todo esse movimento crítico enquadra o cotidiano de feirantes advindos das sendas profundas do Cerrado? Estou falando de uma boa gente que não se utiliza de bancos, que ainda pratica escambos e que tem na boa política de vizinhança um dispositivo essencial para a garantia de seus processos de vida.

Não.... Não é a alta do dólar, não é a baixa nos lotes de ações de nossas principais empresas e muito menos são as novas alíquotas de exportação impostas pelo protetorado econômico dos Estados Unidos ou da União Europeia. É que esses atores, cenários e relações não são parte do cotidiano econômico de ampla maioria de produtores destes brasis de grotões, pindoramas e pinimbas.

Então, é justo indagar: o que é a nossa crise? O que é a crise para os que nunca foram parte do "andar de cima" como bem nos recorda o professor Milton Santos? O que é o cataclismo econômico para uma multidão de brasileiros do trabalho que estão historicamente fora dos circuitos e dinâmicas centrais do atual capitalismo monopolista, financista e trans-fronteiriço?

A crise acadêmica com seu monte de discursos e análises maçantes e enfadonhas dialoga perfeita e covardemente com o miasma midiático que insiste em nos fazer crer que a "crise nos une"; que atinge a todos e da mesma forma; que, de fato, é enfim, tema de "interesse nacional"; que ou nos "unimos" ou seremos devorados por esta malvada crise e que ameaça fundo a "sempre linda e intacta harmonia" da vida nacional brasileira.

Ou rompemos com essas lastimosas formas do pensar ou seremos enfileirados nos dramas patéticos forjados e concebidos pelos "de cima" em seus sempre previsíveis intentos: poder e mais poder.

(Ângelo Cavalcante, economista, cientista político, doutorando em Geografia Humana (USP) e professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), campus Itumbiara)

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