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OPINIÃO

A outra face da energia comprada para revenda

Nestes tempos em que se discute a “desdolarização” da dívida da Celg com a Usina Hidroelétrica de Itaipu, creio ser mais que oportuno colocar em discussão uma das fontes (sic!) deste mundo de irrealidades que a então estatal goiana efetuava em nome do discurso que a história mostrou ser hipócrita: do “desenvolvimento de Goiás” (resta saber se esse desenvolvimento enchia a panela do povo ou o bolso dos empreiteiros e de seus agentes). Falo da energia comprada para revenda, esta, sem dúvida, constituiu-se em uma das fontes desse “desenvolvimento” que o sábio e saudoso ex-ministro  Celso Furtado mostrou ser a face implícita do subdesenvolvimento conduzido por um processo de dominação política.

Dominação política que levou o maior orgulho de Goiás, literalmente, para onde está: na lona.  Posto isso, falemos da energia comprada para revenda. Quanto a isso, vou logo dizendo: por muitos e muitos anos, inúmeros governos decidiram não pagar a energia comprada para revenda. Tal ação política, léguas distantes da racionalidade, muito contribuiu para a exaustão da capacidade da empresa em financiar sua expansão.  Também pudera: colocar 30 vezes mais suporte elétrico do que o necessário, como foi o caso dos programas de eletrificação rural, ou 20 mais que o necessário em programas de irrigação, terceirizar a empresa para inúmeras outras “empresas” prestadoras de serviço, direcionar licitações ou, até mesmo, endividar-se com bancos de quinta categoria, com juros lá nas alturas, convenhamos: não há capacidade de financiamento que aguente! Não precisa ser nenhum gênio em economia para saber que a riqueza, para ser consumida, precisa necessariamente ser gerada.

O Plano Real, a moeda estabilizada e a Lei de Responsabilidade Fiscal colocaram um freio nesse mundo de faz de contas, assim, limitando a ação predatória de governos sem responsabilidade com o destino de seu povo. Daí veio a solução mágica: privatizar a Usina Hidroelétrica de Cachoeira Dourada, para tanto, impondo a compra de energia a uma tarifa de 37,63 reais por megawatt hora. Apenas um detalhe: com energia de sobra, na época, essa poderia ser adquirida no mercado, pela CELG, de outras fontes supridoras, como de Furnas, ao preço de 24,52 reais por megawatt hora. Não foi adquirida porque os chilenos amarraram um mercado cativo com a chancela de pseudo-engenheiros. Como a empresa comprava 50% da energia necessária para abastecer o mercado goiano, por favor: multiplique essa diferença de tarifa por milhões de megawatthora para chegar a um resultado de quase 500 milhões de reais! Mais que o dinheiro que a “desdolarização” da tarifa hipoteticamente trará hoje para a Celg!

“Negócio da China” para os espertos chilenos que fizeram o que todo capitalista privado faz: jogar o seu próprio jogo. Também pudera: com um baita mercado cativo desses, quem não compraria a usina? Até nós, que somos mais bobos.

E mais: a conta da energia comprada para a revenda é, bem verdade, transferiu renda de uma empresa pública para um agente privado, mas também contribuiu o fato de uma empresa estatal dar literalmente o “cano” ao governo federal, ante a conta não paga com as suas supridoras. Adivinhe por que não pagavam? Eis a resposta: para sobrar dinheiro para continuar a construir obras ineficientes que faziam a alegria dos eternos financiadores de campanhas políticas. Puxaram o cobertor da cabeça para cobrir os pés.

Moral da história: a conta da energia comprada para a revenda irrigou irracionalidades e incoerências no discurso político, como é o caso de manter politicamente em cargo de mando, na estatal, a face mais visível desse passado de desmandos com a coisa pública que diretamente ajudou a legitimar ações como o contrato criminoso da já privatizada Usina Hidroelétrica de Cachoeira. Incoerências e hipocrisias à parte, eis aí a outra face da conta da energia comprada para a revenda – aquela que jogou contra o Goiás de verdade e, hoje, joga contra o destino de milhares pais de família celgueanos que veem hoje rondar na sua porta o fantasma do desemprego. Quanto a isso nenhuma novidade nesta terra do Anhanguera.

(Salatiel Soares Correia, engenheiro, bacharel em Administração de Empresas, mestre em Planejamento Energético, autor, entre outras obras, do livro Tarifas e a Demanda de Energia Elétrica)

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