Home / Opinião

OPINIÃO

BRT Anápolis?

A propaganda é a alma do negócio, e o sucesso disto depende se o que propõe-se a vender seja condizente com a realidade do produto ofertado. Bem próximo à Câmara Municipal de Anápolis, no cruzamento da Avenida Brasil Norte com a Rua Barão do Rio Branco há um enorme outdoor que anuncia os investimentos de mobilidade urbana, porém um me chama a atenção: a Prefeitura lista as obras dos corredores de ônibus com o dizer “BRT Anápolis”. Discordo totalmente da nomenclatura dada a todo o projeto. Com estas obras no valor de R$ 74 milhões, afirmo com toda a certeza: Anápolis não terá BRT.

Segundo o Manual do BRT, do Ministério das Cidades, o BRT (Bus Rapid Transit/Trânsito Rápido por Ônibus) é um sistema de transporte de ônibus de alta qualidade que proporciona mobilidade urbana rápida, confortável e com custo eficiente através da provisão de infraestrutura segregada com prioridade de passagem, operação rápida e frequente, além de excelência em marketing e serviço do usuário. O principal atributo de um bom BRT reside na letra R (de Rápido) em que pressupõe baixos tempos de espera e rapidez nos deslocamentos dos usuários com velocidades operacionais elevadas com serviços frequentes e constantes. Essa definição faz com que o BRT se distinga do serviço de ônibus convencional. Frisa-se aqui que o BRT tem diferentes graus de definição entre eles o BRT Leve, BRT Padrão e o BRT Completo.

Basicamente, de forma rápida e simples para todos entenderem, um BRT faz uso de um corredor de piso concretado (mais resistente, durável e que comporta o peso dos ônibus) segregado dos demais, usado exclusivamente para a circulação de ônibus de grande porte (articulados/biarticulados) no canteiro central de uma avenida em que as faixas podem ser simples (uma faixa por sentido) ou duplas (duas faixas por sentido) e pode haver uma faixa adicional de ultrapassagem somente nas estações. Dependendo da configuração das faixas, podem ser criados serviços expressos e paradores; como por exemplo, o Expresso DF Sul no Distrito Federal, que liga Santa Maria e Gama à Rodoviária do Plano Piloto.

Outra característica do BRT é cobrança da tarifa fora do ônibus; ou seja, a cobrança antecipada na entrada às estações, aliada ao embarque por plataforma em nível, possibilita uma maior rapidez no acesso aos ônibus do BRT. Para evitar a evasão tarifária, muitos sistemas de BRT como o Move de Belo Horizonte e o Transoeste no Rio de Janeiro, o controle de acesso aos ônibus à partir das estações dar-se-á com portas que abrem somente com a chegada do veículo. Estas são as características mais básicas para que se entendam o que é um BRT, porém nenhum dos corredores anunciados pela Prefeitura de Anápolis tem sequer elas.

No sentido de priorizar o transporte coletivo, outro tipo de intervenção que vem sendo adotado são as faixas exclusivas para ônibus, que se convencionou chamar de BRS (Bus Rapid Service/Serviço Rápido por Ônibus). O BRS foi implantado com o objetivo de racionalizar o sistema de transporte público e, consequentemente, aumentar a velocidade das viagens do transporte coletivo e reduzir o tempo de viagem para os usuários. A prioridade ao transporte coletivo no sistema viário é garantida por meio de um conjunto de atributos, principalmente sinalização vertical e horizontal, comunicação com os usuários e fiscalização preferencialmente com a utilização de câmeras de monitoramento.

O sistema de corredores parece ser uma solução intermediária em cidades, ou em locais de determinada cidade onde não existe demanda para um BRT. São ideais, também, para áreas já ocupadas das cidades em que para se fazer um corredor do padrão de BRT seria preciso um processo de desapropriação e reconfiguração espacial do território. Sim, esta definição de BRS é a mais coerente, para não dizer a certa, sobre os corredores de ônibus de Anápolis.

Como referência quantitativa, qualquer via com carregamento acima de 50 ônibus/hora/sentido justifica algum tipo de tratamento viário específico para o transporte coletivo. Mas as faixas para ônibus perdem eficiência em volumes de tráfego maiores (mais de 100 ônibus/hora/sentido) ou quando a via possui elevado número de cruzamentos semaforizados ou volume expressivo de embarques nos pontos de parada; nestes casos, ou quando as frequências e o volume de passageiros são muito elevados, são exigidas soluções de maior impacto, como os modais de média capacidade como o BRT ou VLT.

Na medida em que a reserva de um espaço preferencial à circulação dos ônibus nas vias constitui um importante elemento para melhoria da qualidade e eficiência dos serviços, permitindo uma série de benefícios: redução do tempo de viagem dos usuários, decorrente da redução dos retardamentos causados pelos congestionamentos; redução do custo operacional, em função da redução e da adequação da frota em operação nos corredores veículos, devido à elevação da velocidade média; e melhor organização dos embarques e desembarques dos usuários, conferindo maior conforto e segurança aos usuários.

O projeto básico dos seis corredores de ônibus em Anápolis contempla a implantação de faixas de tráfego para os ônibus com prioridade absoluta (faixas exclusivas junto ao canteiro central) nas Avenidas Brasil Norte e Sul; e Universitária e com prioridade induzida (faixas preferenciais à direita da via) nas Avenidas Pedro Ludovico; Juscelino Kubitscheck / São Francisco e Presidente Kennedy / Fernando Costa com a construção de estações de embarque e desembarque de ônibus na forma convencional (semelhante aos abrigos dos pontos de ônibus utilizados na região central da cidade).

Conforme especifica o projeto, a concepção dessas estações “prevê a implantação das instalações, junto ao canteiro central e/ou lateral com a adequação geométrica, funcional e acessibilidade. A implantação da plataforma central atenderá a um novo padrão, terá 96,00 m de comprimento com largura de 2,50m. Esta plataforma receberá um módulo de abrigo com cobertura padrão, e cada módulo terá 10,00m de comprimento. Será implantada também nova travessia de pedestres em nível entre as plataformas do tipo lombofaixa [...] Quanto à forma do embarque e desembarque, não se propõe no projeto a alteração da tipologia da frota, permanecendo o acesso pelo lado direito dos ônibus”. Além disso, estas estações serão abertas como os pontos de ônibus comuns, mas com iluminação independente e placas de identificação de itinerário. A própria descrição operacional dos corredores já mostra que não é BRT como anunciado pela Administração Municipal, mas sim BRS.

Em específico, o caso da própria Avenida Brasil, principal corredor de transporte da cidade, o projeto diz que “num segundo momento, com uma inevitável reestruturação do transporte coletivo devido ao crescimento e a alterações na dinâmica da cidade, este corredor poderá abrigar uma linha troncal, alimentada por linhas mais curtas em terminais ou pontos específicos, mediante integração física ou eletrônica, conforme preconiza o modelo proposto no edital de licitação dos serviços”. Destaca-se aqui, que no próprio contrato de concessão entre a URBAN e a Prefeitura, diz que a evolução do BRS na Avenida Brasil para um BRT trata-se de uma medida de médio à longo prazo, que dependerão da evolução das necessidades dos usuários e do próprio sistema de transporte coletivo municipal.

Nos corredores das Avenidas Brasil e Universitária a configuração será semelhante ao corredor da Avenida Goiás no trecho entre a Praça Cívica e Praça do Trabalhador em Goiânia, junto ao canteiro central, com plataformas de embarque/desembarque à direita dos coletivos, em que nessas paradas o piso dos ônibus é concreto, enquanto utiliza-se o asfalto comum no restante da via do corredor. O mobiliário urbano de todos os corredores será como as estações do Corredor Universitário da capital, que liga o Terminal da Bíblia à Praça Cívica.

Na Avenida Brasil Sul há 42 linhas de ônibus com uma média de 25 mil passageiros/dia. Ao todo, são propostas 15 estações localizadas a uma distância média de 480 metros uma da outra. Destas, 14 serão implantadas no canteiro central, sendo 9 frontais e 5 alternadas; completa o número a Estação Prefeitura que será a única junto à faixa da direita; e não junto ao canteiro central como as demais. Justifica-se esta posição, uma vez que a Estação Prefeitura estará entre os dois elevados que serão construídos longitudinalmente à Av. Brasil Sul, passando sobre os cruzamentos das avenidas Amazílio Lino Souza e da Av. Goiás.

Ainda sobre o BRS da Av. Brasil Sul, segundo o projeto, na avenida principal do Daia serão 9 estações de parada com sua locação o mais próximo possível das rotatórias, de forma a reduzir a caminhada dos passageiros. A distância média entre as estações é de 670 metros. “A primeira estação proposta, Estação Trilhos, será construída junto à faixa lateral direita da via, de forma a poder abrigar instalações para controle operacional das linhas que ali retornam e, ainda, uma faixa para estacionamento de ônibus”.

Na Avenida Brasil Norte há 12 linhas de ônibus com uma demanda diária de 7 mil passageiros. Com o BRS da Avenida Brasil Norte será criada a terceira faixa ao logo dos dois sentidos da via, no qual foram propostas 9 estações com uma distância média de 500 metros entre elas. O projeto ainda destaca que “a Estação Rodoviária poderá ser frente a frente dada à disponibilidade de área no local, podendo se configurar, em médio prazo como um ponto especial para a integração física e eletrônica”.

Com 10 linhas de ônibus que transportam em média 7 mil passageiros/dia; o BRS da Avenida Universitária terá 9 estacoes de parada, mantendo uma distância média de 470 metros entre duas subsequentes. De acordo com o projeto “a opção viável e sua implantação alternando as plataformas nos dois sentidos, de forma que remanesçam duas faixas para o tráfego geral a altura das paradas. Mesmo assim, é necessária a proibição do estacionamento e parada dos veículos nestes pontos, o que implicará numa redução de cerca de 20% nas vagas atuais”.

O serviço de transporte coletivo que atende a Av. Presidente Kennedy e Av. Fernando Costa possui 21 linhas com uma demanda diária de 15 mil passageiros. Com o BRS Pres. Kennedy/Fernando Costa; são previstas 14 estações de paradas com distância média de 430 metros. “A implantação de faixa preferencial para os ônibus, com estações de embarque e desembarque localizadas nas calçadas laterais, preferencialmente mediante a construção de um avanço na guia em 2 metros, exatamente igual à largura da faixa de estacionamento de veículos particulares a ser preservada. Esta solução é conveniente porque não impõe aos ônibus a necessidade de adentrar e sair de baias que exigem uma fiscalização recorrente para garantir a regulamentação de proibição de parada, além da dificuldade de os mesmos retomarem a faixa de rolamento em regime de fluxo constante”, detalha o projeto.

O Corredor São Francisco/JK possui 18 linhas com uma média de 17 mil passageiros/dia. Com o BRS São Francisco/JK serão 8 estações sendo 3 na Av. São Francisco, localizadas a uma distância média de 430 metros e 5 estações na Av. JK com distância média entre duas subsequentes igual a 410 metros, sendo a última localizada próximo ao trevo da BR-060 e BR-153.

O último corredor, na Avenida Pedro Ludovico é também o de maior desafio para ser executado o projeto, uma vez que há um gargalo entre a Pecuária e o Residencial Porto Rico. Atualmente 18 linhas de ônibus transportam diariamente 14 mil passageiros. De acordo com o projeto BRS Pedro Ludovico, serão 19 estações para este corredor, à distância média de 450 metros uma da outra. São 13 frontais no trecho de pista dupla, e 6 necessariamente alternadas onde há pista única.

As vias da região central que têm a função de distribuição dos passageiros em mais de uma dezena de pontos de parada no Centro, também receberão obras de mobilidade semelhante ao dos demais corredores, resguardado suas particularidades, uma vez que possibilitam o acesso ao Terminal Urbano que se configura como o mais importante elemento da rede de transporte coletivo, já que praticamente todas as linhas ali se integram.

O ônibus não pode concorrer com os demais veículos no mesmo espaço viário. É preciso os coletivos terem exclusividade na via para haver a velocidade operacional, que significa eliminar a ociosidade do tempo do ônibus parado no trânsito disputando com carros o mesmo sistema viário. Isto irá resultar em menor tempo de espera nos terminais e pontos de ônibus, viagens mais rápidas, melhor aproveitamento da frota e menor lotação nos veículos.

O primeiro passo para isso, é descongestionar esses eixos de transporte com a criação de corredores exclusivos interligando os terminais entre eles e com os polos atratores de viagem. É preciso reservar um espaço só para o ônibus, retirar os estacionamentos nessas vias estruturais para fazer esses corredores do transporte coletivo e o trânsito fluir. É benéfico para o ônibus e para o carro, uma vez que os corredores exclusivos não representam diminuição de espaço para os demais veículos, mas sim uma reorganização espacial no trânsito em que a convivência de carros e ônibus seria harmoniosa, pois cada um teria seu espaço.

Os corredores para o transporte coletivo aperfeiçoam a operação no sistema, garantem regularidade nos horários e cumprimento das viagens programadas. Aliado às tecnologias de sincronização de semáforos, pontos de ultrapassagem intracorredores e/ou a redução de interseções transversais, entre outros, será otimizada a velocidade operacional dos ônibus. Com mais espaço para a circulação de ônibus nas faixas exclusivas, será possível aumentar o número de viagens. Isso vai reduzir o tempo de espera nos pontos e terminais, e aumentar o conforto para o usuário dentro dos coletivos.

(Rafael Martins, jornalista especializado em transportes urbanos)

Leia também:

  

edição
do dia

Capa do dia

últimas
notícias

+ notícias