Home / Opinião

OPINIÃO

O adeus ao Dr. César Baiocchi

Neste domingo, cerca de 7 horas, recebi um telefonema do sr. Rômulo Baiocchi, transmitindo-me notícia que me entristeceu sobremaneira:

– Dr. Hélio, meu pai faleceu há alguns minutos e, de imediato, tendo em conta a sua longa amizade com ele,  achei que deveria, antes de tudo,  comunicar-lhe o infausto.

Depois de desligar o telefone, lembrei-me que ainda ontem havia lido o poeta inglês, William Blake, e em um dos intervalos das suas poesias, ele escreveu:

“Estava no quarto do hospital visitando um amigo e a conversar sobre nossas vidas quando ele, inopinadamente, sofreu um enfarte e morreu; ainda aturdido pelo acontecimento”, perguntei-lhe:

– Por que você está fazendo isto comigo? Você sabia que era minha inspiração, minha fortaleza, você não tem o direito de partir!

Meu amigo de longa jornada, César Baiocchi, encantou e viajou para o Oriente Eterno!

Sei que não tenho direito de repetir as palavras de Blake: – César, você não tinha o direito de partir!

Seria uma manifestação de egoísmo de minha parte, pois o acompanhava há longo tempo no seu calvário provocado pela sua doença, porém, sem lamúria ou amargura, sem nenhum gesto de revolta para com o Grande Arquiteto do Universo, estava consciente de que combateu o bom combate.

Agora estou aqui, postado na cabeceira da sua câmara mortuária, cumprindo o compromisso que assumi com a presidente da Academia Goiana de Letras, poeta Lêda Selma, de proferir o discurso de despedida em nome de todos os confrades daquele sodalício.

Com a alma chorando de emoção, com o coração saindo pela boca, cumpro meu compromisso:

César Baiocchi nasceu na cidade de Goiás, no ano de 1928; depois de  cursar o ginasial naquela cidade, no Liceu de Goiás, aos 15 anos de idade, mudou-se para Goiânia, onde fez o curso científico, em 1946 mudou-se para Curitiba, onde cursou Medicina na Universidade Federal do Paraná. (1946-1952).

Médico recém-formado, foi para o noroeste do estado do Paraná, para a pequena cidade-povoado de São João do Caiuá onde, nem bem chegou, passou a trabalhar pela sua emancipação política; devido a este trabalho foi eleito vereador por duas vezes e finalmente prefeito, depois suplente de deputado estadual.

César tinha muitas lembranças destas suas andanças pelo noroeste do Paraná e deixou registrado suas impressões no livro, publicado aqui em Goiânia, Corriola – Paraná, Brasil (quase ficção e quase tudo realidade), ele gostava de me dizer em alguns de nossos momentos de tertúlias culturais, quer seja no recinto da nossa Academia Goiana de Letras ou, ultimamente no seu recanto, na sua casa. Nestas oportunidades César falava com entusiasmo da sua atuação como prefeito e da sua luta em prol do melhoramento sanitário da cidade.

César viveu em São João de Caiuá por onze anos, época em que se casou com Josephina Desounet Baiocchi, com quem teve os filhos Rômulo e Maura.

Durante toda a sua vida, César foi um homem inquieto com as lides culturais e políticas; no seu tempo de estudante de Medicina em Curitiba foi dirigente da União Paranaense dos Estudantes, fundou o grupo experimental de teatro amador do Paraná, tendo conquistado várias premiações nos festivais de teatro de Curitiba.

Em 1964 César se mudou para Brasília onde passou a exercer a especialidade de psiquiatria na Fundação Hospitalar do Distrito Federal, foi membro do Conselho de Cultura e secretário de Cultura do Distrito Federal  e ali recebeu a Medalha do Mérito Alvorada e o título da Ordem do Mérito Cultural do DF, devido a sua intensa movimentação cultural (Foi um dos fundadores do Centro Brasiliense de Arte e Cultura do DF).

Depois de 30 anos de profissão de médico, César se aposenta e muda-se para  Goiânia em 2008, onde passa a atuar na atividade empresarial. César era um frequentador entusiasta do Rio Araguaia  e na companhia do seu amigo, Dr. Othon Nascimento, lançou o arrojado projeto “Arroz irrigado” na cidade de Luiz Alves  aproveitando as águas do rio. Por esta época ele participou da criação da Fundação  César Baiocchi – Acqua Vitae, tornando-se, nos últimos tempos, seu presidente.

O desiderato desta Fundação é tentar diminuir o impacto negativo sobre o ecossistema da bacia hidrográfica do Rio Araguaia, causado  por alguns turistas ainda insensíveis aos danos da natureza.

Em 1972 César é eleito membro da Academia Goiana de Letras, tendo sido o primeiro ocupante da cadeira numero 30; depois passou, também, a ser membro do seleto clube de membros da União Brasileira de Escritores - seção de Goiás.

Recebeu da Câmara de Vereadores o título de Cidadão Goianiense, honraria, segundo ele,  que o envaidecia sobremaneira.

César publicou mais de uma dezena de livros no gênero contos, crônicas e poesias e, com um deles – Um ponto... Depois de outros contos – Ganhou o 1º Prêmio da Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos.

Quando o visitava na sua casa, ficava entusiasmado com a sua verve de contista, ele sabia conversar com seus personagens, variando o nível da conversação de acordo com a escolaridade de cada um deles e quando o questionava a este respeito, ele me dizia:

– Não se  esqueça de que fui roceiro e que, também, frequento o “alto clero” da literatura aqui na Academia, e nunca deixei a “peteca cair”.

Era (será que tenho de dizer, era?) um poeta de “mão cheia”, muitas vezes, dava-lhe o “mote de um possível verso” e ele, de improviso, fechava os olhos e me mandava escrever o que dizia com voz compassada e querida!

Hoje estamos aqui, esta multidão de amigos e parentes, com os corações partidos, dando-lhe o adeus final. César partiu para o Oriente Eterno, deixando um raio luminoso para facilitar nossa caminhada aqui na terra.

Tinha certeza, não precisava nem que seu filho Rômulo me dissesse isto naquele domingo, bem cedo, no telefone, tinha certeza que ele partiu com a tranquilidade daqueles que sabem que nossa vida aqui na terra é passageira; ele pegou nas mãos do Grande Arquiteto do Universo e subiu rumo às estrelas.

Hoje, na minha “coluna” no facebook, o amigo, meu e dele; o irmão, dele e meu, Aidenor Aires, grafou algumas palavras que gostaria de ecoar no epílogo destas minhas singelas palavras:

“Dr. César Baiocchi, ao partir, está levando parte da história goiana, parte de sua família pioneira e empreendedora, parte da inteligência e do humanismo, escasso em nossos dias. Leva também uma parte luminosa de nossa Academia.

Não lamentemos por sua partida.

Que ele teve uma viagem original e plena.

Lamentemos pelos que ainda vão pela estrada, privados da beleza e da poesia, olhando na distância luminosos viajantes como César Baiocchi.”

Nossa Academia Goiana de Letras sentirá muita falta da sua presença querida nas nossas tertúlias das quintas-feiras, iremos procurá-lo na poltrona que ele gostava de sentar, não muito na frente e nem muito atrás, porém no lugar de onde ele poderia “fiscalizar” o andamento das nossas sessões. Falava pouco e quando falava, murmurava, sorria pouco e quando isto fazia, o som era sonoro e audível.

Como iremos ficar sem a sua companhia Cesar? Quem irá cuidar do Rio Araguaia?

ARAGUAIA – CESAR BAIOCCHI

Araguaia, Araguaia.

Quero dormir nas tuas águas,

Gozar tuas ondas mansamente,

Amar em tuas praias sob a Lua.

(Hélio Moreira, membro da Academia Goiana de Letras, Academia Goiana de Medicina, Instituto Histórico e Geográfico de Goiás)

Leia também:

  

edição
do dia

Capa do dia

últimas
notícias

+ notícias