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OPINIÃO

Pensem só...

Leitores do Diário da Manhã, que faz parte do projeto de Deus, pra nós, criaturas humanas suas, mostrar certas coisas e esconder outras tantas da gente. Umas são claras, algumas nem tanto. Mesmo os dicionários dividem o mundo dos conhecimentos universais em “exotérico”, escrito com “x”, “doutrina ensinada publicamente pelos antigos filósofos”, acessível a quem interessar possa; de “esotérico”, escrito com “s”, “qualificativo dado àquela” doutrina “que só se revelava aos iniciados”. Prova de que certas realidades não podem ser facilmente apreendidas assim. Há, por conseguinte, coisas que só convém ser reveladas a pessoas muito particulares ou especiais, eleitas por Ele, a Suma Potestade, denomindas, como visto acima, de iniciados.

Uma das coisas que Deus, com inteira razão e particular sabedoria, oculta de nós, reles mortais,  não-iniciados, é o preciso momento da nossa morte. Nem podia ser diferente. Sabemos que vamos morrer um dia, mas não sabemos quando isso vai ocorrer. Uma hora há de acontecer certamente. Não por mero acaso é que se fala vulgarmente “que o futuro a Deus pertence”.

Deus certamente tem-na lá, anotada naquele seu grande Livro da Vida, a hora fatídica em que aquela mortal ceifeira há de vir com a sua foice, pra nos arrebatar definitivamente na viagem sem volta. Tem lá, anotados, em letras grandonas, o segundo, a hora, o dia, o mês e o ano, em que se dará o transporte fatal, na barca de Caronte, de cada um de nós aqui, para a outra margem do rio, sem que possamos, lá da margem oposta, acenar aos que ficam cá, ansiosos na margem de cá, seja mandar notícias aos entes queridos. Mesmo porque tal rio deve ter margens tão infinitamente afastadas uma da outra, a se sumirem ao longe na bruma, que parece impossível vislumbrar nitidamente qualquer coisa na distância.

Pensem só, leitores do Diário, se o indivíduo, além de arrostar com as vicissitudes da vida, tivesse ainda que se incomodar com o segundo, a hora, o dia, o mês e o ano de sua morte. Foi naturalmente vontade e imensa sapiência Dele, Criador de todas as coisas, ao ocultar isso de nós, que a criatura vivesse ilusoriamente despreocupada até que, catrapus! Até que venha o transporte dela para o grande enigma de além vida, para o enigma daquele grande “país”, como diz Daudet, “que coisa alguma fecha, campos e prados esplêndidos, mas tão longínquos e vastos, que nunca ninguém de lá voltou.”

E enquanto a morte não vem, vai a criatura humana se iludindo literariamente com pseudo-imortalidades: imortais da Académie Française, imortais disso e daquilo. Até imortais do futebol. Tudo isso pra exprimir aquele fundo anseio de perenizar o que não nasceu pra ser eterno não: a nossa humanidade!

Pensem só, leitores do Diário, se um anjo do Senhor tivesse antecipado, calma e decisivamente, à senhorita Maria do Carmo Miranda da Cunha, já na sua adolescência, que, no dia 5 de agosto de 1955, ela seria chamada às paragens luminosas da eternidade. A gente pode garantir tranquilamente que Maria do Carmo Miranda, tomada de fundo pavor, não faria outra coisa, ao longo da sua vida, senão contar os segundos, as horas, os dias, os meses, os anos, até o instante implacável. Nem teria a serenidade suficiente pra interpretar aqueles grandes sucessos que foram, Não vá sim'bora (1929), Ta-hí (1930), O que é que a baiana tem (1939) e outros mais.

Bem a propósito, a senhorita Maria do Carmo ficou mais conhecida com o nome artístico de Carmem Miranda: a Pequena Notável.

Pensem só se o zagueiro Serginho, do São Caetano Esporte Clube, de saudosa memória, soubesse, desde tenra idade, fôsse ele morrer subitamente, aos 14 minutos do segundo tempo, naquela fatídica partida com o São Paulo, a 27 de outubro de 2004. Nem teria a calma e serenidade pra jogar, brilhante e descuidadamente, como de fato o fez naquela data, os 76 minutos iniciais do jogo. Nem teria calma pra viver enfim.

Pensem só se os espíritos mais impressionáveis, marcadamente temerosos do desconhecido, soubessem de antemão, por exemplo, que fossem desencarnar amanhã de manhã, antes do café. Nem seria possível digerir o pão-de-queijo quentinho com leite e chocolate.

Taí a razão por que o Criador não antecipa o instante da morte a ninguém. Nem podia.

E, enquanto o momento fatal não vem, que sejamos eternos enquanto durarmos, como diz o poetinha Vinícius.

(Pedro Nolasco de Araujo, mestre, pela PUC-Goiás. Em Gestão do Patrimônio Cultural, advogado, membro da Associação Goiana de Imprensa - AGI)

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