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OPINIÃO

Requiem para César Baiocchi

No capítulo que escrevi para o livro “A Imagem da Academia Goiana de Letras no Perfil de seus Acadêmicos”, delineei os traços singelos de César Baiocchi, a quem denominei de “O Demiurgo de Corriola”, onde assim me expressei, com absoluta naturalidade: “Conheci-o numa das tardes litúrgicas da Academia, quando a ‘Casa de Colemar Natal e Silva’ se preparava para celebrar a Sessão da Saudade, em memória do saudoso acadêmico José Luiz Bittencourt, até há pouco titular da Cadeira número 35 daquele sodalício, que, hoje, tenho a honra de ocupar.”

Posteriormente, visitei-o na sede de sua Fundação, no ‘Parthenon Center’, onde conversamos por mais de uma hora, suas origens, sua passagem pelo Estado do Paraná, mais tarde sua fixação em Brasília (DF), e seu posterior retorno ao Estado natal, radicando-se em Goiânia.

César nasceu na Cidade de Goiás, então Capital do Estado, a 15 de abril de 1928, filho de Colombo Baiocchi e de Dona Isabel Asciocla Guimarães Baiocchi, oriundos da Itália, casal que criaria, nestes altiplanos, um clã de extraordinária notoriedade, em vários setores da atividade humana.

No ano de 1935, iniciou o Curso Primário, na legendária Villa Boa, passando, em 1939, para o Liceu de Goiás. Cinco anos após, em 1944, iniciou o Científico, concluindo-o em Curitiba, Capital do Paraná, onde, em 1947, ingressaria, mediante o Vestibular, na Faculdade de Medicina, concluindo o Curso em 1952. A essa altura, já era funcionário da Estrada de Ferro Paraná / Santa Catarina, o que lhe permitiu, enquanto estudante universitário, prover a própria subsistência, e constituir família logo após a conclusão dos estudos, consorciando-se , em 1953, com a Professora Josephine Jesounet, de ascendência francesa, de saudosa memória.

Três anos após, passou a exercer a Medicina, em São José de Caiuá, norte do Paraná, onde, acompanhando a abertura de uma nova fronteira agrícola, colheria subsídios para escrever os seus livros, de inspiração ecológica, a começar por ‘Corriola, Paraná, Brasil’, ensaio romanceado daquela vasta região fertilíssima, responsável pela produção de cafeeiros de primeiríssima qualidade.

Como seria de esperar, César daria seu precioso contributo à civilização daquelas vastas extensões da cafeicultura, elegendo-se Vereador, Deputado Estadual, e Prefeito Municipal

A convite de amigos transferiu seu domicílio, no ano de 1964, para Brasília (DF), onde seria designado Presidente do Conselho de Cultura, eleito , também, presidente da Associação dos Psiquiatras de Brasília (DF), e associar-se-ia à Sociedade Brasileira de Escritores Médicos, do Rio de Janeiro/RJ. No ano de 1971, participou do ‘I Congresso Mundial de Psiquiatria’, na Cidade do México, o que lhe valeria notável experiência e inter-relacionamento científico e cultural, no plano internacional

No ano de 1972, ingressou na Academia Goiana de Letras, Cadeira 30, agora vaga, de que é patrono Demóstenes Cristino, sendo saudado, na sua posse, pelo  inolvidável Bernardo Élis, mais tarde eleito para a Academia Brasileira de Letras, até agora o único goiano a tomar assento  na ‘Casa de Machado de Assis’.

Vocacionado para a preservação dos ecossistemas, criou, em 197s, a ‘Fundação César Baiocchi’, instituição destinada ‘a promover a pesquisa científica, a difusão cultural, educacional que visem à preservação e defesa da vida em qualquer de suas manifestações’, como o assinala, em seu ‘Dicionário do Escritor Goiano’, José Mendonça Teles, em verbete específico. E, mais adiante: ‘Dedica-se, com a sua Fundação, à consolidação do Polo de Desenvolvimento do Turismo Ecológico em Luiz Alves do Araguaia’, e se envolve ‘com as atividades da comunidade ribeirinha voltadas para a estruturação de entidades civis organizadas, e projetos de desenvolvimento da agricultura, piscicultura, silvicultura dentro dos preceitos da sustentabilidade econômica, social e ambiental’. E prossegue, no verbete em foco: “Participa de reuniões, seminários, audiências públicas”, e contribui, com publicações na imprensa voltadas para a defesa do meio ambiente. E, mais adiante, arremata: “No ano de 1975, realizou, com a Prefeitura de São Miguel do Araguaia (e com) a participação dos prefeitos dos municípios marginais do Araguaia, posteriormente organizando seus anais” (pág. 35, in op., 1a edição, 2006).

No ano de 1966, publicou ‘Corriola, Paraná, Brasil’, obra da qual a Editora Dom Bosco/DF, diria, na orelha: “Testenha de uma fase histórica que abrangeu o norte do Paraná e na qual tomou parte ativa, participando, diretamente, na formação e colonização  de uma  de suas cidades interioranas, quer como prefeito, médico ou incentivado e mesmo orientador de sua expansão cultural.” O autor registra, nas páginas de seu livro, uma época marcante no povoamento de uma das mais ricas áreas brasileiras, pintando de modo impressionista a mais variada gama de quadros humanos, dos quais participa o mais heterogêneo agrupamento de homens em êxodo, com sua farta bagagem de sonhos e desencantos.

César delineia, nas 186 páginas do livro, toda a evolução de um vilarejo: As primeiras construções, o primeiro médico, a primeira igreja, o primeiro sacerdote, os primeiros comerciantes, a primeira pensão, o primeiro bar, as primeiras conduções, tudo isso no meio do imenso cafezal.  As brigas, o assassinato do Francês e sua bela esposa pelo Nenzão por ela apaixonado (o motorista que tem com a patroa um caso, e a mata por não poder tê-la só para ele). A atração de Chico Pau de Arara por Lazinha, mas fica dividido entre ela e a Dinorá (que não é mulher de casar), segundo o próprio Chico Pau de Arara.

Fica nítida a impressão de que o médico é a mitificação do próprio César Baiocchi, o guru daquele contingente de homens e mulheres simples, valorosos, crédulos, valentes, empenhados em construir um novo Brasil, a partir do norte paranaense.

(Licínio Barbosa, advogado criminalista, professor emérito da UFG, professor titular da PUC-Goiás, membro titular do IAB-Instituto dos Advogados Brasileiros-Rio/RJ, e do IHGG-Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, membro efetivo da Academia Goiana de Letras, Cadeira 35 – E-mail [email protected])

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