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Agentes políticos no processo para desconstituição de um mandato

Na última quarta-feira (27), a população goiana foi surpreendida por mais um escândalo de corrupção política. A Câmara Municipal de Goiatuba instalou Comissão processante que pode resultar na cassação do mandato do prefeito Fernando Vasconcelos. A decisão foi tomada após denúncia formalizada por um dos vereadores, de que o prefeito teria cometido improbidade administrativa. O caso não é o único em nosso estado nos últimos meses. Em outubro de 2015, o prefeito de Rio Quente foi afastado do cargo após pedido de liminar apresentado pelo Ministério Público em ação civil cautelar. A ação principal do MP aponta irregularidades na contratação de um escritório de advocacia, que apesar de receber o valor contratado, não prestou qualquer serviço ao município de Rio Quente. Recentemente, a população goiana tem demonstrado cada vez mais interesse em acompanhar os processos que se seguem após a divulgação de escândalos políticos. O caso mais expressivo é a massiva participação popular nas manifestações pró-impeachment, impulsionada pelos desdobramentos da Operação Lava-Jato. O processo de destituição de mandato, no entanto, é complexo, pois pode incorrer em um julgamento político, e por isso apresento aqui alguns comentários sobre o caso específico da perda de mandato de prefeito.

O processo político-administrativo para desconstituição de um mandato é matéria extremamente polêmica, regida por um Decreto-lei editado em plena época da ditadura militar brasileira: o de número 201/1967. Contudo, com o advento da Constituição Federal de 1988, a interpretação, leitura e aplicação da referida norma deve ser coadunada com a exigível principiologia democrática, com especial foco na incidência do princípio do devido processo legal durante as etapas regentes da apuração e posterior julgamento.

O Decreto-lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967, dispõe sobre a responsabilidade de Prefeitos e Vereadores, elencando hipóteses em que esses agentes políticos podem sofrer punição pela prática de atos não condizentes com o exercício de sua função. Seus artigos 4º e 5º dispõem, especificamente, sobre as infrações político-administrativas, cabendo àquele relacionar hipóteses de infrações, de forma exemplificativa; e, a esse, determinar o procedimento que deve ser seguido pela Câmara dos Vereadores, quando do julgamento político do Prefeito.

O procedimento é formal, contudo se difere do processo judicial já que se trata na realidade de um julgamento ‘político’ assemelhando-se muito ao do impeachment de Presidente da República, previsto na Constituição Federal de 1988. Apesar de se tratar de julgamento com essa natureza, Vereadores são vinculados ao procedimento fixado pelo Decreto-lei nº 201/67, não podendo desrespeitar também os princípios constitucionais norteadores do ordenamento jurídico, sob pena de ser o julgamento anulado por meio de processo judicial. O Judiciário apenas não tem competência para (re) analisar o mérito da questão, mas tem plena aptidão para anular o processo, bem como o julgamento, por presença de vício formal.

Nunca é demais lembrar que o Judiciário tem o poder-dever de examinar os atos do Poder Legislativo no tocante aos aspectos da legalidade, já que trata-se de questões que envolvem erros, na forma e no rito de um processo administrativo, com grave consequência para a democracia: cassação do mandato público de um mandatário. Assim, para que o esforço da Câmara de Vereadores no sentido de averiguar a ocorrência de infrações político-administrativas por parte do Prefeito não sejam em vão ou, sequencialmente, arbitrários, devem os membros da Casa Legislativa se atentar a todos os detalhes procedimentais, previstos do Decreto-lei nº 201/67, em observância ao ‘Devido Processo Legal’.

Apontados indícios de prática de infração, cabe à Câmara de Vereadores processar e julgar o Prefeito, conforme as disposições do art. 5.º do Decreto-lei nº 201, de 1967. Trata-se, portanto, de julgamento eminentemente político, já que compete ao órgão Legislativo Municipal, através de seu plenário. Dessa forma, é inegável a importância do devido processo legal para que se possa haver julgamento correto e justo do acusado e, independente do procedimento ou do órgão julgador, ele deve ser observado, sob pena de ser anulado.

Como ocorrido em Goiatuba, o procedimento para julgamento de Prefeito é instaurado a partir de denúncia encaminhada ao Presidente da Câmara de Vereadores. De posse da denúncia, o Presidente determina sua leitura e consulta a Câmara sobre o seu recebimento. A denúncia é recebida caso a maioria dos presentes na sessão delibere nesse sentido. Havendo o recebimento da denúncia, é constituída, na mesma sessão, uma comissão processante composta por três Vereadores sorteados entre os desimpedidos, já que, caso a denúncia seja feita por Vereador, este fica impedido de compor a comissão.

O inciso III do art. 5º do Decreto-lei nº 201, de 1967 dispõe que o Presidente da Comissão, ao receber o processo, inicia os trabalhos em cinco dias. Decorrido o prazo de defesa, a Comissão processante emite parecer dentro de cinco dias, opinando pelo prosseguimento ou arquivamento da denúncia. Se entender pelo arquivamento, o parecer é submetido ao Plenário para deliberação. Mas, se a Comissão opinar pelo prosseguimento, o Presidente designa desde logo, o início da instrução, e determina os atos, diligências e audiências que se fizerem necessários, para o depoimento do denunciado e inquirição das testemunhas.

A Comissão processante emite parecer final, pela procedência ou improcedência da acusação, e solicita ao Presidente da Câmara a convocação de sessão para julgamento. Para cada infração relacionada na denúncia há o momento de defesa seguido por uma votação, devendo o resultado ser proclamado imediatamente pelo Presidente da Câmara. Caso haja a condenação, é expedido decreto legislativo de cassação de Prefeito. Mas, se houver absolvição o Presidente determina o arquivamento do processo, sendo que, em qualquer das hipóteses, o Presidente da Câmara deve comunicar o resultado à Justiça Eleitoral.

Tenho observado que a busca pela cassação de um Prefeito, pelas Câmaras Municipais, com fundamento no Decreto-lei nº 201/67, vem acentuando-se diuturnamente. Mesmo sendo editado no período de Ditadura Militar, com objetivo certo de concentração do poder, o referido Decreto-lei tem seus méritos, principalmente, se analisado à luz do atual ordenamento constitucional-democrático, para efetivar ampla defesa ao denunciado, que possui, durante o processo, vários momentos para apresentar e sustentar suas alegações, embora, ao final, seja mesmo política a decisão.

Feitas essas considerações, constata-se que o julgamento político por parte dos Vereadores, com muita frequência, mostra-se inútil, quando da sua necessária invalidação pelo Judiciário que, hoje, tem se mostrado como a “tábua de salvação” de prefeitos infratores, o agir dentro do preceito constitucionais de observância das garantias do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, em especial.

(José Divino Morais, advogado com pós-graduação em Direito Administrativo e Processo Administrativo)

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