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OPINIÃO

O gol de Wendell no país do futebol

Está pulverizado pelas redes sociais e mídias em geral a homenagem da Fifa pelo gol mais bonito de 2015 protagonizado pelo jogador brasileiro Wendell. Não assisti ao famigerado gol, não tenho o mínimo interesse em vê-lo. Nunca gostei de futebol e jamais entendi como é que se tem tanto prazer em presenciar dezenas de homens correndo atrás de uma bola, disputando entre si, para saber quem vai enfiá-la primeiro entre duas traves amarradas com redes.

Não discuto aqui o gosto pessoal de cada um, no entanto não posso me olvidar de levantar algumas questões sobre o país do futebol.

O Brasil sofre de um declínio moral e juntamente com ele uma imbecilização das consciências, o que oferece o aporte para um anteprojeto de desenvolvimento nacional, que trata o social e o político como universos separados não intercambiantes, não possuindo nenhuma afinidade e utilidade quando juntos, exceto em tempos eleitoreiros. É a famosa dicotomia entre público e privado tão discutida por Noberto Bobbio.

Isso quer dizer que nossa nação, plasticamente democrática, não possui um horizonte ético a ser seguido. Alguns autores da filosofia e até mesmo da teologia chamariam à busca por esse horizonte de "transcendência da democracia", isto é, o papel do Estado como guia da democracia, conduzindo-a para um horizonte moral mais alto do que aquele em que se encontra.

Tal papel é essencial para uma democracia como a nossa, recém-saída de um regime militar que perpetrava as maiores atrocidades contra os direitos humanos, ainda que vestindo a indumentária do conservadorismo, pela manutenção dos bons costumes.

Tal transcendência democrática, para ser lograda, necessita de vontade política, estratégia de governo e principalmente incentivo à participação popular. Obviamente que essa colaboração do povo deve estar assentada em uma promoção de educação que seja de qualidade, inclusiva e não discriminatória. Participativa e multicultural. O Estado Laico não precisa ser um Estado imoral, como é o caso do nosso.  Muitas das religiões e vários saberes acumulados pela humanidade podem servir de guia para conduzir esse Estado a um patamar nobre, caso contrário derraparemos constantemente com absurdos como os descritos acima.

No lugar de se valorizar o melhor projeto científico dos alunos do ensino médio, ou de premiar a melhor redação obtida no Enem, ou de se homenagear o aluno do ano nas faculdades pública e privada, presta-se honra ao gol mais bonito de 2015. A mídia expõe ad nauseam o famoso gol e sua pomposa premiação, reiteradas vezes, como se isso fosse sinônimo de prestígio para a nação.

É de se revoltar quando leio que os holofotes estavam voltados para as superestrelas. Fico me perguntando: - Se os jogadores de futebol são superestrelas, o que é Mozart, Beethoven, Lacan, Clovis de Barros, Rui Barbosa, Darcy Ribeiro, José Paulo Netto, Wagner, Drumond, Fernando Pessoa...?  Até os adjetivos usados para definir as pessoas são altamente desarrazoados. Desculpem-me os torcedores fanáticos, mas chamar um jogador de futebol de superestrela é um ultraje ao povo brasileiro. É de se consternar quando vejo meu país descendo desenfreadamente para o buraco do nada, chafurdando na lama da ignorância.

Se quisermos sair desse lamaçal precisaremos de uma reforma estrutural do Estado e de uma nova concepção do que seja política pública. Definir quais são nossas prioridades e homenagear realmente aqueles que fizeram algo de útil para o país. O crime que estamos cometendo contra as próximas gerações é um crime histórico, estamos entregando nossa nação desacreditada, com um Estado ineficiente e com uma moral inescrupulosa. A pujança com que se tratou o gol de Wendell só sinaliza pra nós que as coisas não vão nada bem por aqui.

(Diego Quixabeira e Souza, professor de Yoga na Cooperart, adm. de empresas, formando em Gestão de Relações Humanas pela Unipaz)

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