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Pactos de cooperação do Nordeste para Goiás

Em recente contato com o ilustre palestrante e advogado Cícero Pereira de Sousa, que foi secretário de governo dos estados de Pernambuco e Paraíba, e que se encontra atualmente na função de tutor do Sebrae em Goiás, pude colher informações úteis sobre os pactos de cooperação desenvolvidos no Nordeste que serviram de paradigma para projetos de políticas públicas que visem parcerias com a iniciativa privada, envolvendo principalmente os pequenos produtores de regiões em fase de desenvolvimento, como é o caso do nordeste goiano.

Os pactos de cooperação levados a efeito, inicialmente no Ceará sob a tutela de Cícero Sousa, ganharam fama, e em razão disso o Sebrae da Paraíba o convidou para fazer algo parecido naquele estado, especificamente na sua região carente do Cariri, considerada até então a mais pobre do Brasil, razão pela qual as populações locais viviam emigrando para o sul do país.

Cabe aqui explicitar que há dois Cariris no Nordeste. “Um que abrange 31 municípios do sertão da Paraíba, região mais seca do Brasil, e outro que integra 30 municípios, incrustados no sul do Ceará.” Com tal explicação, o doutor Cícero esclarece: “Esse nome vem de uma tribo indígena que, fugindo dos rigores da seca, migrou para o estado vizinho, com melhores condições climáticas, no século dezoito.” E acrescenta: “A música de Luiz Gonzaga Só deixo o meu Cariri, no último pau de arara, foi inspirada no primeiro Cariri.” O trabalho de Cícero Sousa foi planejado e realizado nos dois Cariris, do Ceará e da Paraíba.

A Pousada dos Poemas

Foi nesse Cariri paraibano que Cícero descobriu, por trás de uma aparente pobreza material, a riqueza espiritual de uma gente dotada de alta sensibilidade e criatividade poética. Ali visitara a pequena cidade de Monteiro, onde se hospedou na exótica Pousadas dos Poemas (todas as paredes revestidas com poemas de cordel), o que despertou em Cícero a seguinte indagação: “Como pode essa gente ser subdesenvolvida se até os analfabetos escrevem poesias tão lindas e arrancam da viola tão belos repentes?”

A partir dessa descoberta, o seu esforço resumiu-se em mostrar às populações locais que elas eram ricas e não sabiam. Essa seria a chave de sua dialética social a ser desenvolvida, com tecnologia própria, mas usando a sabedoria popular, do “ fazer aprendendo, somando-se à força das parcerias com espírito cooperativo que gera sinergias, assim criando um pacto de solidariedade”. Dessa forma surgiu o Pacto Novo Cariri – explica Cícero – “mais que um projeto, uma nova vida, um novo processo histórico instaurado naquela região, que se transformou contando com a contribuição de novos atores sociais e envolvendo órgãos como a Embrapa, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, universidades, além do governo estadual e de prefeituras municipais, criando-se assim uma nova forma de protagonismo político”.

Esse método criativo de Cícero Sousa, inspirado no painel da Pousada dos Poemas, ganhou fama e entrou para a literatura regional, sendo assim comentado no livro de Flávio Paiva, “Mobilização Social no Ceará”, p.125, in litteris: “O coordenador do Pacto de Cooperação no Cariri, Cícero Pereira de Sousa, descobriu o Pacto em 1992 ao cobrir, na condição de secretário de Estado, uma missão do então governador Joaquim Francisco, de Pernambuco. A intenção era adaptar no Recife as inovações do modelo cearense de gestão compartilhada. Não funcionou. Mas Cícero não deu a viagem perdida porque se juntou a outros filhos do Cariri e, em 1995, criaram um pacto para a região, com a participação da mais variada gama de lideranças. O Pacto do Cariri conseguiu inclusive o feito de conseguir sentar na mesma sala líderes de municípios historicamente divergentes.”

Destacando a brilhante atuação de Cícero, o autor acrescenta: “O sucesso do movimento no Cariri fez com que cidadãos de outras regiões solicitassem apoio a Cícero Pereira para o conhecimento dos princípios do Pacto e adaptação dessa ação de cidadania às peculiaridades do Interior. E nesse rumo aconteceram muitos encontros de sensibilização dos quais germinaram novas instâncias do movimento.”

Emílio Vieira 2

Emílio Vieira 3

Emílio Vieira 4

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As flores do Ceará

Na região do Cariri cearense, Cícero provou que é possível transformar um deserto em jardim. Onde antes o sertanejo cultivava apenas milho, feijão e mandioca, passou a cultivar flores. Detalhe, flores não precisam de chuva. Querem um pouco de água em sua raiz. Antes o sertanejo da Ibiapaba dependia das chuvas, sempre incertas. Esta, quando acontecia, era apenas por três meses. Flores e rosas, principalmente, não dependem de chuvas e podem ser cultivadas durante todo o ano.

Recortes de manchetes de jornais dão conta do sucesso do pacto de cooperação desenvolvido no Ceará, sob a tutela de Cícero Sousa, quando secretário municipal de Juazeiro do Norte, no Ceará.

Pacto do Cariri paraibano

Hoje o Cariri paraibano, que exporta até queijo de cabra para a França, teve também a contribuição de Cícero Sousa. Trata-se de uma região onde menos chove no Brasil e, exatamente por isso prosperou, explorando a caprinocultura, o turismo e o artesanato. “Considerando que turista e bode não gostam de chuva e que para fazer artesanato a chuva também é dispensável” – comenta Cícero – “a seca do Cariri paraibano tornou-se um fator positivo para a economia regional”.

Aqui transcrevo um depoimento de Cícero Sousa, via e-mail: “No ano 2000 a região não produzia sequer uma xícara de leite de cabra, quando as condições edafoclimáticas eram ideais para a caprinocultura. Em 2005 o Cariri paraibano já era o maior produtor do Brasil, inclusive exportando queijo de leite de cabra para a França, o consumidor mais exigente do Planeta. Umas das cidades da região – Cabaceiras, com 4.700 habitantes, famosa por ser palco de ‘O Auto da Compadecida’, de Ariano Suassuna – é o município onde menos chove no país, e que nunca tinha recebido um turista. Quatro anos depois de iniciarmos os nossos trabalhos passou a receber mais turistas estrangeiros do que João Pessoa, a capital, com 900 mil habitantes, praias belíssimas, teatros, orquestra sinfônica, próxima de Recife, etc. Com um detalhe, esses turistas são, na sua quase totalidade, da Escandinávia (Noruega, Suécia, Dinamarca, Finlândia ), onde mais chove no mundo.”

Instado a revelar mais sobre o segredo de sucesso do chamado Pacto paraibano, Cícero Sousa arremata: “A nossa lógica baseou-se em que o turista quer ver o que ele não tem. E aqueles povos nunca tinham visto o sol nascer, nem a lua cheia e nem as estrelas, que  em Cabaceiras existe de sobra. Aquele povo, que antes rezava para chover, hoje pede a Deus que não chova nada. O que se faz lá gerando dinheiro, não requer chuva. Turista, bode, artesanato, culinária, cultura em geral dispensam a chuva. Essa região, antes a sétima em IDH na Paraíba, hoje está em segunda classificação, perdendo apenas para a Região Metropolitana de João Pessoa.” Com relação aos pactos de cooperação de que é protagonista, assim conclui Cícero: “Mas a grande conquista desse esforço, mais importante do que os resultados econômicos, foi o estabelecimento de uma nova mentalidade. Uma nova cultura. A cultura das parcerias. De que todos somos responsáveis pela solução dos problemas sociais, não apenas o poder público. O Todo é Maior do que a Soma das Partes.”

Voltaremos ao assunto quanto ao pacto de cooperação em Goiás.

(Emílio Vieira, professor universitário, advogado e escritor, membro da Academia Goiana de Letras, da União Brasileira de Escritores de Goiás e da Associação Goiana de Imprensa - E-mail: [email protected])

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