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“Rumo dos indignados” – Parte I

O título epigrafado, autoria do notável articulista político, Fernando Rodrigues, publicado na página Opinião, do jornal Folha de São Paulo, em 19 de junho de 2013, assim como o seu rico conteúdo, chamou a minha atenção, por querer assimilá-lo, compreendê-lo e degustar a sua essência, certamente, por dois motivos: em primeiro lugar, por se encadear e ter profundas conexões com os fortes acontecimentos ocorrentes no país, tirando um pouco das minhas dúvidas; em segundo, por vir de encontro ao que penso e tento fazer na minha vida e práxis cotidiana, desde minhas raízes mais remotas. Notem que já nasci e cresci indignado nas durezas dos sertões de Poço da Pedra, em Casa Nova, Bahia, onde comecei a ouvir falar nos desmandos públicos, linchamentos inusitados, massacres e mais massacres, como os da Guerra de Canudos (1897) e de Pau-de-Colher (1938).

Esta última, próxima de Poço da Pedra, onde meu pai foi uma das vítimas, entre os mais de 20 mortos, me causando muita revolta. Só muitos anos depois, na idade madura, é que tomei conhecimento, através do consagrado Euclides da Cunha, de que o sertanejo, antes de tudo, é um forte e a indignação, além de um direito fundamental, subjetivo, indisponível, é também um sentimento de pertencimento e amor à terra, indelével, a ponto de nos ofertar um outro direito, o de poder nos indignarmos, como está acontecendo agora, de norte a sul, na sociedade brasileira, alcançando os mais diversos segmentos sociais, em particular a classe média, mostrando oportunas e interessantes manifestações de rua, nas quais a maioria dos ativistas rejeita os políticos e os partidos, com as raras exceções, é claro, sem definir, contudo, o ponto que quer chegar e o objetivo político-social que aspira alcançar, conforme manifesta no que fala e no que informa até o lado mais tradicional da mídia nacional.

Vejo, assim, que o “rumo dos indignados” e suas imparciais reivindicações, sem organizações sobretudo objetivas, no estado de direito democrático, como o do Brasil, tendo os Poderes Republicanos como causa pétrea da Constituição Federal, no próprio dizer do autor acima citado, correm o risco de serem esvaziados pela astúcia dos nossos políticos que, em momentos como o que presenciamos, ao assistir à vaca se atolando na lama da desmoralização pública, fazem concessões. E como se não fosse a intransigente pressão social a única responsável por isso, chegam apressadinhos aos meios de comunicação ali difundindo o fato como se fosse de sua iniciativa.  Contudo, pouco importando o que venha como resultado dessas justas manifestações públicas, o mais importante é cá o escriba poder afirmar, no mais íntimo e sincero de minhas convicções intelectuais, que se trata de um Movimento com “M” maiúsculo, imprescindível, legítimo, próprio e principalmente pedagógico, informando a gregos e troianos, com maior ênfase, aos nossos políticos, que aqui na Mãe terra do Brasil sempre houve e haverá um limite para todas as coisas, sabedoria da qual ninguém pode alegar ignorância, ensinando e advertindo, nesse particular, desde os desmandos romanos, o célebre poeta Orácio, em versos na língua latina: Est mudus in rebus (Há um limite para todas as coisas).

É óbvio que todos os que administram interesses públicos e privados, no Brasil, sabem dessa realidade incontroversa, onde estão as normas legais e espirituais, secularizadas, pari passu, ainda desrespeitadas e injuriadas, maculando a historiografia brasileira. No país do “faz de conta” e da absoluta “falta de vergonha na cara”, onde principalmente os moralistas são quem mais as defendem e anunciam e, ironicamente, os que mais as desacatam e desonram, fica também a impressão de que seríamos uma nação desprovida de normas. Imaginem que são desconsideradas por quem mais haveria de ser exemplo. Viveríamos, assim, em uma nação estranha, a bem dizer, “anômica”, assemelhada com aquele lugar imaginado e estudado pelo grande pensador francês  Émile Durkheim, justificando a edição do livro “O Suicídio: estudo de sociologia” (2000), no qual, além de fazer avançar a ciência sociológica em sua autonomia e objeto social de estudo, cria algumas modalidades de suicídio, cada qual com sua definição e seus motivos, sem esquecer, todavia, o mais esquisito e vazio deles, o tal suicídio anômico, decorrente de uma ausência de regulação normativa, ali estando a completa ausência de lei ou de regra, o desvio, inclusive das leis naturais e divinas, a anarquia, a desorganização e o imoralismo indecente, tudo podendo ser feito e esquecido, escritinho ao que ocorre no Brasil, onde a cúpula e elite política, econômica e cultural do país, em séculos e séculos, tem abusado, desdenhado, mentido e maltratado o povo, agora no máximo de sua rebeldia e indignação, paroxismo do seu sofrimento e de sua luta, exigindo e impondo o respeito que bem merece. O rumo a ser tomado pelos indignados, de que faço parte, é assunto de um próximo texto.

(Martiniano J. Silva, escritor, advogado, membro do Movimento Negro Unificado (MNU), da Academia Goiana de Letras e Mineirense de Letras e Artes, IHGGO, Ubego, mestre em História Social pela UFG, articulista do DM, professor universitário - [email protected])

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