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OPINIÃO

Tudo por algumas sacolas de dinheiro

Existem momentos que temos prazer em escrever, em outros sentimos necessidades, e, foi num destes raros momentos de grande necessidade que me peguei escrevendo esta crônica, nela procurei expressar todo o sentimento de uma cidade.

São Miguel do Araguaia, uma cidade pacata situada ao Noroeste do Estado de Goiás, região mais conhecida como Vale do Araguaia que raramente aparece na mídia, se viu envolvida de uma hora pra outra em rede nacional em todos os canais de TVs, jornais e rádios, e isso, não pela pecuária forte, nem tão pouco por um turismo exuberante que ali transita todos os anos, mas sim, por essa nova modalidade de crime, que assola as cidades pequenas de todas as regiões do Brasil, o chamado novo “Cangaço’, e  foi por um grupo desses cangaceiros, que a cidade, ainda muito cedo da noite, foi sacudida por bombas, rajadas de tiros de armas de todos os calibres.

Já passam das 11 horas da noite, meu telefone toca, do outro lado da linha, uma pessoa aflita me diz: meu amigo estão assaltando um banco aqui em nossa cidade; fiquei meio atordoado, afinal eu nem estava lá, e mesmo que estivesse que diferença poderia eu fazer? Nada, ninguém poderia ajudar em nada, aliás, ninguém pôde ajudar em quase nada. Talvez uma reza, uma oração, tenha sido o maior de todos os remédios para acalentar a alma daqueles que acreditam.

Passou um pouco, novas ligações, e assim foram várias, e eu impaciente inquieto, afinal nestes momentos de quem a gente mais lembra, são dos nossos parentes, dos nossos amigos, e depois sucessivamente daqueles que mais nos aproximamos, mesmo que seja sem nenhum grau de afetividade.

Fiz algumas ligações, certifiquei que essas pessoas que me eram afeitas estavam em casa, daí em diante, com o coração menos apertado, porém com o sentimento não menos aflito, passei a acompanhar aquilo com maior atenção. Era espantosa cada notícia que aparecia pelas redes sociais, só aí fui me situando, da dura realidade que aquilo tudo havia transformado, pois o que parecia um mero filme de terror era na verdade o cangaço de volta, depois de quase um século. Cada homem em frente de uma esquina, assemelhava um cangaceiro do bando de Virgulo o (Lampeão), poderia ser o (Quinta Feira, Luiz Pedro, Mergulhão, Elétrico, Caixa de Fósforo, Cajarana, Não Conhecido ou até mesmo o Diferente), todos entrincheirados numa forma só vista nos livros de história e, ou na verdadeira ação destes cangaceiros citados que pertenciam ao bando de Lampião, e hoje, apenas na literatura de Cordel.

Apesar de minha grande tristeza ao escrever, fui obrigado a buscar informar o leitor sobre a origem da palavra, “Cangaço”, uma palavra originada de canga, que nada mais é que uma peça de madeira colocada no pescoço dos bois, que puxavam os carros, instrumentos usados como meio de transporte, hoje substituídos por outros meios mais modernos.

A cidade está assustada, poucos podem entender o que se passa, ouvem-se ruídos de tiros, mais tiros, os pais estão aflitos e com toda razão, pois nada mais aperta um coração do que saber que sua cria ainda corre algum perigo, aliás, este é um instinto atribuído não somente a nós humanos, mas também aos irracionais. Proteger é um sentimento que acompanha o ser humano, mas como dar alguma proteção se todos precisam ser protegidos, se todos estão em perigo.

Quando o meu telefone toca pela última vez, isto já na madrugada era para ouvir o balanço final, tristeza e mais tristeza, vida ceifada, desolação e uma sensação de impotência em todos os cantos. E foi aí que me lembrei de outro movimento iniciado também no Nordeste brasileiro, e comandado por um beato chamado de Antônio Conselheiro (Canudos), que foi chamado de louco por alguns, fanáticos por outros, conseguiu formar uma vila sem a influência do dinheiro.

Depois de uma noite mal dormida, entre sonhos horríveis e pesadelos, abri meus olhos e me dei conta de que o mal profetizado pelo beato Antônio Conselheiro, depois de tanto tempo ainda estava presente em nossos tempos, homens e suas sacolas cheias de dinheiro, e um rastro de destruição deixado para trás. Vidas destroçadas, ceifadas, destruição, medo desolação, tudo isso por apenas algumas sacolas cheias de dinheiro.

(Luemir Santana, formado em Letras)

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