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OPINIÃO

A água, a merda e os outroras

“Lá vem ele com seus títulos apelativos”, entretanto, não inventaram a pólvora sem fazerem barulho e eu sei, quanto mais “barulho” eu fizer escrevendo, mais inimigos angariarei e, “confesso”, com fezes, estou tremendo de medo e até com diarreia, nem saio mais de casa e nem da “privada” e, por falar em privada, prometi a alguns amigos que transcreveria, novamente, o último parágrafo de um dos oito da série intitulada “A Água”, a primeira escrita para este matutino vanguardista, em 2011, quando passei a importunar o misericordioso leitor semanalmente. Experimente fazer o seguinte: num grupo de pessoas escolha qualquer uma delas e lhe diga: farei uma pergunta e você deverá responder rapidíssimo, sem pestanejar, quer experimentar? Espere que a pessoa concorde e olhe para as demais e certifique-se de que estão interessadas, entusiasmadas e peça-lhes para serem “testemunhas” de que o fulano ou fulana prometeu responder "de pronto", enfim, volte a perguntar mais uma vez: “Você promete que vai responder só “sim” ou “não” imediatamente à pergunta simples que eu vou te fazer, que qualquer criancinha sabe responder?”. Não encontrei ninguém, até hoje, que não quisesse brincar e aí é só perguntar: “Você caga na água?”. Utilize o verbo “cagar” – que o World “sugere”, com sublinho verde ondulado, substituir por “defecar”. Não! Seja brutal e ouvirás a resposta, um “Não” e não será um “não normal”, virá, certamente, acompanhado de um arregalo de olhos, muita, muita, muita risada. Atualmente eu falo o seguinte, depois da risaiada:

Escrevi um artigo sobre a água e afirmei o seguinte: Depois do advento da tal da privada, no meio do século passado, quando passamos a sentar ao invés de agachar para defecar, ou seja, cagar, com um simples aperto dum botãozinho ou o puxamento duma cordinha, podemos ver os nossos dejetos, ou seja, nossas merdas, outrora abrigadas em nossos interiores, centrifugando numa água outra límpida, que salvaria a vida de pelo menos meia dúzia de pessoas que morreram de sede hoje na face da Terra. Olha, para que o misericordioso leitor não termine este artigo contristado, vou contar o melhor elogio que recebi depois de quase três décadas covardemente afastado da imprensa. Foi esperando um semáforo – na minha terra farol – “abrir”, na Avenida Assis Chateaubriand, na Praça Tamandaré, quando ouvi o meu nome ser bradado. Era um senhor muito conhecido no setor por vestir-se indefectivelmente de preto, sempre, embora nonagenário, esbanjando vigor mental e memória impressionante. Balançava a bengala, também preta, por sobre a cabeça para atrair a minha atenção e, quando viu que eu o havia visto, provou que voz não tem idade bradando: “Senhor Gonçalves Dias depois que eu li o seu artigo sobre a água e a privada a minha cagada nunca mais foi a mesma”. Foi um dos melhores elogios que eu recebi na vida, o misericordioso leitor acredita? Até.

(Henrique Gonçalves Dias, jornalista)

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