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OPINIÃO

A formação de futebolistas em Portugal 

Gooooool da Alemanha! O vexatório 7 x 1 sofrido pela seleção brasileira na Copa de 2014 deveria ter provocado uma revolução nos padrões de gestão e treinamento do futebol brasileiro, mas isso não aconteceu. Algumas modificações conjunturais não alteraram a estrutura consolidada há décadas, o que diminui as chances de sucesso do nosso futebol nos futuros eventos internacionais. Enquanto outros países, notadamente na Europa, buscam a modernização esportiva, o futebol brasileiro pisa na bola, sobretudo no que se refere à formação de jovens atletas nas categorias de base. Existem honrosas ilhas de excelência em nosso país, é claro, mas tais exceções apenas confirmam a regra vigente fundamentada em modelos ultrapassados.

Em 2014 tive a oportunidade e o privilégio de realizar um estágio no Futebol Clube do Porto, em Portugal, junto à equipe sub-17 do clube. Fiquei impressionado com o que observei “in loco”: departamentos integrados, metodologias inovadoras e profissionais altamente qualificados para a formação do homem e do atleta. O Prof. Dr. José Guilherme Granja de Oliveira, professor da Universidade do Porto e Doutor em Futebol, era o treinador principal da equipe. Hoje ele é treinador da seleção portuguesa de futebol sub-18. Aprendi muito com este professor naqueles dias frios na cidade do Porto! Neste artigo compartilho com os leitores algumas situações que traduzem a diferença colossal entre a formação de jovens atletas na Europa e no Brasil.

Segundo o Prof. José Guilherme, a periodização tática fundamenta o planejamento e a execução dos treinamentos aplicados ao futebol em Portugal e na Europa. A teoria em questão, desenvolvida na Universidade do Porto pelo Prof. Vítor Frade, preconiza a organização e a distribuição temporal dos treinos de futebol de acordo com os princípios táticos do jogo, desde que tais princípios estejam integrados aos demais aspectos necessários à performance ideal, como os elementos técnicos, físicos, psicológicos, sociais e teóricos. A tese da periodização tática, aliás, faz parte do currículo dos cursos de formação de treinadores promovidos pela UEFA (União Europeia de Futebol) e desafia o obsoleto conceito do treinamento compartimentalizado. Este último pode ser facilmente visto na maior parte das equipes de base brasileiras. Trata-se do discurso que diz: “hoje teremos treino físico, amanhã treino tático e depois coletivo” Era em contraposição a esses velhos métodos que José Guilherme organizava e executava os treinos do FC Porto sub-17.

Permaneci quase um mês em Portugal e não presenciei nenhum coletivo, o tradicional treino de 11 x 11 com ocupação de todo o campo de jogo. O argumento do Prof. José Guilherme contra os coletivos foi convincente: “em um coletivo cada jogador ficará no máximo 1 minuto e meio com a bola nos pés; mas se eu dividir os atletas em três minijogos diferentes cada jogador terá um contato muito maior com a bola, o que lhe possibilitará desenvolver sua inteligência de jogo, sua capacidade de tomar decisões diante das situações propostas.” Alguns trabalhos se aproximavam do tradicional coletivo existente no Brasil, porém com a adoção de tarefas específicas dentro do treino.

A equipa (é assim que os portugueses dizem) do Porto sub-17 contava com 23 atletas, dos quais três eram guarda-redes (os nossos goleiros). No Brasil as equipes de base dificilmente contam com menos de 30 atletas! Mais uma vez acrescento as palavras do Prof. José Guilherme: “com 23 atletas ninguém fica parado. Todos participam simultaneamente. Com rodízios realizados na escalação da equipe e sobretudo no banco de reservas, todos são convocados com alguma frequência para os jogos. Todos se sentem importantes. Com um número maior eu teria uma legião de insatisfeitos!”.

O FC Porto sub-17 possuía um treinador principal e três treinadores adjuntos, dos quais um exercia a função de treinador de goleiros. Esse treinador de goleiros se transformava rapidamente em adjunto quando os goleiros realizavam trabalhos com os pés junto aos outros atletas, o que era muito frequente. A função de líbero exigia dos goleiros um bom trato com a bola nos pés. Não havia preparador físico convencional, como no Brasil. Os treinos elaborados pelo Prof. José Guilherme, no entanto, eram realizados com altíssimo grau de exigência física. As sessões não passavam jamais de uma hora e meia, tempo em que os atletas eram exigidos em intensidades máxima e submáxima.

O tradicional jogo de bobinho, que tantos clubes brasileiros realizam de modo recreativo, é chamado de “meinho” em Portugal. O meinho português é componente de treino submetido a normas específicas, que definem número de toques na bola por atleta, número de jogadores no centro e padrões de movimentação dos atletas. Já a pelada de véspera de jogo, o tradicional rachão, não foi visto sequer de passagem na cidade do Porto. Não ousei perguntar por ele...

Enfim...Os comentários expostos nesse artigo não explicam os gols da Alemanha, mas demonstram o atraso do futebol brasileiro no que diz respeito às categorias de base. Temos hoje Neymar... e só Neymar! É pouco. A fase da geração espontânea não existe mais. Ou renovamos nossos métodos de formação de atletas ou seremos apenas coadjuvantes no cenário do futebol mundial.

Guillermo Gonçalves, Doutor em Educação (UFG), Mestre em Ciências do Esporte (UFMG), professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG) e treinador de futebol. / [email protected]

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