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OPINIÃO

História de uma mulher

Dona Cleonice era uma mulher muito rica e muito bela. Gostava de gozar a vida em todos os seus lances de ventura. Enfeitava-se, vestia as melhores roupas, os mais lindos colares, e toda noite participava das reuniões mais elegantes da alta sociedade. Seu esposo, por muito amá-la, e para vê-la sempre feliz, atendia-lhe as mínimas exigências, inclusive uma, a que lhe parecia mais difícil: a de não terem filhos.

– Pois criança toma tanto tempo da gente, querido... Veja, por exemplo, a Romualda – irmã do esposo – fica aflita e perde noites seguidas de sono, quando adoece um de seus filhos. Ah, não! Você vai me perdoar, mas, filhos, eu não quero!

E dona Cleonice passava os dias passeando, cuidando de sua beleza nos salões mais caros, quando não dormia horas seguidas, enquanto o marido estava no trabalho.

Vocês sabem que quando estamos sozinhos, uma aflição inexplicável passa a nos inquietar o espírito, assim como se um espectro estivesse a devassar o nosso íntimo, acusando-nos pelas faltas cometidas ou pelo bem que deixamos de fazer. É a voz da consciência que, no seu mutismo sagrado, nos fala bem alto das responsabilidades que negligenciamos, e o remorso, que não conseguimos debelar, se transforma em angústias e estranhas inquietações; e para anestesiarmos essas tormentosas meditações, corremos para a companhia alegre dos outros, tentando evitar a solidão, que a solidão é habitada, sempre, pela voz silenciosa da consciência.

E isto se dava com a bela senhora em referência.

O tempo foi passando e um dia ela adoeceu profundamente. Seu esposo gastou toda a fortuna, procurando debelar o mal que a destruía, lenta, mas insistentemente.

Agora experimentando, também, os rigores da pobreza, dona Cleonice padeceu outro golpe cruel: seu esposo sofreu uma parada cardíaca, deixando-a viúva, e extremamente pobre e enferma.

Mais alguns anos e a enferma foi transferida para um local distante da cidade. Não podia permanecer próxima às outras pessoas: estava coberta de miomas nauseantes: foi internada numa casa de isolamento.

E lá, em meio àquela gente atormentada, ela implorava socorro e piedade aos raros visitantes cautelosos; estendida ao chão comprimia o ventre clamando dores intraduzíveis: pagava caro tributo por haver desonrado o Santuário da Vida. – O ventre materno que não se prestou à sublime tarefa a que estava destinado, e a deserção voluntária e criminosa à maternidade, acarreta fardo muito pesado ao espírito infrator – e a infeliz estendia as mãos ulceradas cujos dedos tinham sido decepados pelos rigores da doença, e implorava aos difíceis caminhoneiros que ousavam se aproximar dali:

– Tenham piedade, meus senhores! Será que não há alguém, entre vocês, que se disponha a levar-me para um hospital?

Alguns dos visitantes se comoviam até às lágrimas, no entanto, não podiam atendê-la: os hospitais não recebiam essa espécie de enfermos, e a sociedade – como ainda hoje, infelizmente – não desce ao ambiente dos infortunados para assisti-los e nem permite que eles a procurem: essas coisas perturbam terrivelmente o comodismo dos egoístas e lhes mordem a consciência adormecida pelo tóxico da impiedade.

Os raros viandantes atiravam-lhe algumas moedas e, silenciosamente, se retiravam, deixando-a retorcendo-se em dores ao rés do chão, e ela murmurava:

– Será que não tenho ao menos um parente?

E pensava nos filhos que deixou de ter.

– Ah, se eu tivesse um filho...

Pouco tempo após, era uma pessoa de menos naquele “cemitério de mortos-vivos”... E uma a mais, no cemitério de todos nós...

Alma querida:

Hoje a sua existência é uma festiva alvorada de luz. Mas amanhã pode transformar-se numa noite interminável de inauditos padecimentos. Aproveite bem o momento chamado agora, enquanto são robustas as suas forças e claros os seus dias, e cumpra, reta e nobremente, todos os deveres a que você foi chamado a realizar na terra, construindo, na celeridade da carne, a eternidade gloriosa do seu espírito.

A existência na terra é breve demais, e a vida depois da morte é a vitória do bem sobre o mal: renuncie ao sono letárgico do comodismo aqui na terra e, na premência da existência física, conquiste, com laborioso cumprimento dos seus deveres sagrados, o gozo da felicidade eterna.

Por mais intensa seja a felicidade aqui na terra, é utopia, é ilusão, é mentira, pois tudo o que é mal, dura pouco; não dizem até que o “mal tem vida curta”?  Pois se a felicidade do homem na terra é breve demais, certamente não é verdadeira, mas enganosa, porém altamente evolutiva.

O que é certo, bom, lógico, sempre é duradouro, eterno; e a ventura que aguarda o homem de bem, na Espiritualidade, não tem a celeridade das nossas ilusões.

É TÃO BOM TER MUITOS FILHOS,

MAS TÃO BOM, AMIGOS MEUS – QUE AFINAL, NÃO HÁ NINGUÉM

COM MAIS FILHOS DO QUE DEUS!

(Iron Junqueira é escritor)

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