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OPINIÃO

Os dinossauros estão indo...

Se você é roqueiro ou se pelo menos já passeou pelos grandes clássicos do rock, com certeza já ouviu essa frase: o rock n’ roll morreu. Essa é uma das frases mais icônicas da história do rock, pois muitos artistas e bandas já gravaram em suas músicas a tal “morte do rock”. Mas até que ponto isso é verdade? O rock realmente morreu ou irá morrer algum dia? O gênero foi dado como morto incontáveis vezes em sua história de mais de cinco décadas. Esse assunto é tão complexo e com tantas variantes, que podemos ficar o dia inteiro discutindo-o sem chegar a uma conclusão final. Em minha opinião o rock não morreu e acredito que nem irá. Mas num futuro próximo podemos dizer que ele irá sobreviver em nichos cada vez menores e mais seletos.

Mas se o rock se recusa a “passar desta para melhor”, podemos dizer que atualmente ele está agonizando numa cama de UTI. Ao contrário do vinho, que quando mais velho melhor, o tempo não tem feito nada bem ao rock. A falta de renovação no gênero é uma das principais causas dessa fatiga. Ainda mais num Mundo moderno, dinâmico e globalizado que vivemos, quem não se renova acaba esquecido. Hoje são as músicas “perecíveis” quem comandam as paradas. O rock perde cada vez mais espaço para o pop, hip-hop e o funk, gêneros que se renovam a cada verão, onde seus bordões fáceis e letras simples fazem o deleite dos jovens de hoje, que tem sua atenção voltada para o consumismo, à ostentação e às selfies.

E isso de certa forma é um acontecimento natural, já que outros gêneros passaram pela mesma situação. A música erudita, o blues e o jazz já viveram seu auge, foram dominantes por muitos anos e hoje só se sobrevive em grupos que realmente curtem esse estilo. Gênios da música clássica como Bach, Mozart, Chopin e Beethoven continuam “vivos” até hoje e suas obras são reconhecidas e executadas mundialmente mesmo depois de muitos anos de suas mortes. O problema é: surgiu algum compositor clássico moderno que pudesse fazer frente a esses gênios? A resposta é simples: não.

E com o rock está acontecendo à mesma coisa. O gênero teve seu auge entre as décadas de 50 e 80 e desde então são dominados pelos chamados “Dinossauros do Rock”. São essas turmas de “velhos” roqueiros que fazem o rock existir até os dias atuais. Há pelo menos duas décadas que não surge uma banda/artista que desse uma cara nova ao rock, que dominasse as paradas de sucesso criando seus seguidores e fãs mundo afora e fizesse realmente uma revolução na música, como os Dinossauros fizeram em sua época. A última grande banda foi o Nirvana, nada mais relevante apareceu depois. O Foo Fighters bateu na trave e o Coldplay, apesar do seu início animador, se perdeu no meio do caminho.

Portanto, são os Dinossauros que continuam ditando e mandando no rock mundial. Para exemplificar isso, basta vermos os Line Ups dos últimos grandes festivais de rock (Line up é a lista dos artistas que irão se apresentar). Alguns exemplos: o Monsters of Rock teve o sexagenário Ozzy Osbourne. O Coachella trouxe o AC/DC. O Bonnaroo foi de Billy Joel, já chegando aos 70 anos de idade. O Download Festival foi de Kiss. O Lollapalooza teve Robert Plant e até o nosso Rock in Rio trouxeram os sessentões Rod Stewart, A-Ha e Elton John. Recentemente no Brasil tivemos David Gilmour do Pink Floyd, Paul McCartney, Aerosmith, Lionel Richie, Pearl Jam, UFO, Scorpions, Deep Purple, Bruce Springsteen, Cindy Louper, Iggy Pop, Rush, U2, Iron Maiden entre vários outros. Ou seja, fica alguma dúvida que são esses velhos que comandam o rock?

No Brasil, a situação do rock nacional é ainda pior. Pensa comigo quais são as bandas que estão na ativa: Capital Inicial, Titãs, Engenheiros do Hawaii, Paralamas do Sucesso, Lulu Santos, Skank, Jota Quest, Ultraje a Rigor, Barão Vermelho, Plebe Rude, Raimundos, Camisa de Vênus, Nenhum de Nós, Biquini Cavadão e algumas outras. Ainda hoje escutamos os clássicos da Legião Urbana, Rita Lee, Raul Seixas, RPM, Secos e Molhados, Blitz e Lobão. Mas nada se renova, nenhuma banda nova consegue atingir o ápice da fama. E não é por falta de bandas. Existem muitas por aí, bandas de qualidade, mas que simplesmente empacam, não saem do âmbito regional, municipal, não se destacam nacionalmente. A indústria da música nacional não investe mais em bandas de rock, simplesmente não tem interesse em colocar essas bandas nos holofotes das rádios e tvs. A atenção da indústria hoje está com o Sertanejo Universitário e com isso as bandas de rock vão ficando pra escanteio. Temos aqueles que tentam remar contra essa maré, como é o caso da Pitty, que ainda consegue fazer uma música de qualidade. Mas como diz o ditado, uma andorinha só não faz verão. E deixar o rock nacional nas mãos de NXZero não dá né? Portanto, a máxima também vale para o Brasil: são os Dinossauros Brazucas que ainda regem o rock nacional.

O grande problema pra essas bandas é o fator tempo. O tempo passa pra todos, e esses Dinossauros já estão em fase avançada de idade. Assim como os verdadeiros dinossauros foram extintos, vai chegar o dia em que os nossos Dinossauros do rock simplesmente não estarão mais entre nós. Os Dinossauros estão indo, estão passando dessa para melhor. Recentemente perdemos vários gênios como BB King, Lou Reed, Joe Cocker, Ray Manzarek, Scott Weiland, Lemmy Kilmister, David Bowie, Glenn Frey, Paul Kantner entre outros. Podemos dizer que dentre 20 a 30 anos, sendo bem otimista, não restará mais nenhum. E o que será do rock mundial quando os Dinossauros tiverem partido de vez?

O rock hoje tem pouca relevância cultural e comercial. A fase de rebeldia, de contestação, de resistência á contracultura, de experimentos, essa fase ficou pra trás. Isso deu certo nos anos 60, 70, mas hoje o mundo mudou. Essas bandeiras não servem mais nos dias atuais. Hoje, ninguém mais tem o interesse de ouvir e decifrar as letras enigmáticas de um Pink Floyd ou se deliciar com as letras provocantes e sarcásticas de um Sex Pistols. A música que é feita hoje, como já disse, é perecível e seus artistas descartáveis. Coisas novas aparecem a cada minuto, e a facilidade que apreciamos e descartamos esses artistas é incrível. Em questão de semanas, surge um novo artista que já se coloca á frente daquele da semana passada, e assim vai, num ciclo constante. Mas qual a importância que esses artistas relâmpagos deixam para a música? Iremos lembrar-nos deles dentre alguns anos? Suas músicas serão tocadas ou cairão no limbo eterno? A música de hoje não foi feita para se pensar, para provocar, para pedir mudanças. Infelizmente, quando os Dinossauros partirem, tudo o que eles lutaram e fizeram pelo rock irão junto com eles.

Aliás, Ídolos, é uma palavra que creio também estar a beira da extinção. Aqueles que viveram nos anos, 70, 80, 90 podem se orgulhar por terem vários ídolos para escolher: John Lennon, Freddie Mercury, Mick Jagger, Kurt Cobain, Jim Morrison, Janes Joplin, Jimi Hendrix, Eric Clapton, Bono Vox, Renato Russo, Cazuza, Tim Maia, entre outros. Todos eles revolucionaram a história da música e continuam sendo referências mundiais até hoje. Mas a garotada dos anos 2.000 pra frente terá algum ídolo no futuro? Esses jovens quando estiverem na casa dos 30, 40 anos, quando olharem para trás, poderão dizer quem são seus ídolos musicais? A geração de Gangnam Style e dos tche rê rê da vida, esses serão adultos sem referências.

Portanto, quer ver rock de verdade? Aproveite e desfrute o quanto puder dos Dinossauros. Vá aos shows, ouça os discos, veja os DVDs, veja os clipes pelo YouTube. O rock, como gênero musical, nunca vai morrer. Ele sempre estará vivo para os roqueiros. Se o rock não tem mais a essência original da qual ele surgiu, pelo menos os Dinossauros nos deixaram um imenso legado no qual, por muitas gerações ainda, vamos poder ouvir e desfrutar do gênero musical mais importante de todos os tempos. Vida longa ao rock.

(Rodrigo Paes Lima, administrador de empresas, pós-graduado pela FGV e criador da página “Coluna do Urubu” no Facebook)

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