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OPINIÃO

Tilintrilim

Psssiiiuuu fez dona Zefinha (Josefa das Dores) com o dedo junto aos lábios pedindo silêncio à turma que se impacientava com a monotonia do velório. Dona Santina, (Santinona dos Anjos) a velada, deixou este mundo de pecadores na noite de sexta pra sábado. A impaciência se justificava pelo temor de não se poder cumprir o apalavrado à Buriti que estava pagando promessa a São Lázaro, nome que requer um revorteio linguodental que gente banguela não consegue pronunciá-lo inteligivelmente porque o som sai num chiado cacofônico, além de salpicar saliva na interlocução; aí foi se cortando aqui e dali e ficou São Lazo, muito mais fácil; santo muito forte mas que não se deve brincar e nem falar seu santo nome em vão. Promessa feita cumpre-se a risca sob o risco da boca entortar prum lado e ficar falando assoprado apagando vela ou irritando quem está de lado e quer acender um cigarro ou ficar caolho, isto é juntar os dois olhos na mesma direção ou abrir um pra cada lado, uma coisa medonha, já falava dona Santina que jurava por Deus que ele também curava barrigada descida, onde o conjunto da mulher parideira desce, mas não sai e nem volta e fica lá, um troço parecendo língua de vaca morta, difícil de escapar, só com os milagres de São Lazo; e nos homens, asseverava a circunspecta dona Santina, a barrigada desce pela porta dos fundos travando a saída dos ventos e dos toletes e o cabra tem que abrir um buraco na barriga e o médico pendura uma capanga que serve de privada, difícil de escapar, só mesmo com os milagres de São Lazo e pra aquele machão que na hora agá a garrucha lencou fogo, São Lazo num dá jeito não; aconselho que cada um carregue seu patuá e se afumente com o açúcar, o medo e o horror que a vida joga na nossa cara --- obtemperou ela com discernimento das fraquezas humanas.

De há muito viúva, tinha de seu somente o talentoso Tico do Cavaco que a levava a um estado de exaltação ao vê-lo solar chorinhos e às lagrimas ao ouvir “Sofres Por que Queres,” de Pixinguinha.

Buriti, não pode freqüentar casa de ninguém e nem ir à igreja por ser dona de puteiro, mas colabora com dinheiro e votos nas eleições. Nem ofertar uma coroa pode, é falta de respeito, ora siô! Mandou recado dispensando a turma, que dessem atenção ao funeral de dona Santina, São Lazo, muito justo, decerto compreenderia.

Já passava da meia noite quando a turma termina de amarrar, à guisa de coroa, uns ramos de flores para homenagear dona Santina e essa labuta requereu um grande esforço, recompensado por uns tragos de Chora Rita acompanhado de torresmo e farinha puba. As preces invocadas na ladainha se repetiam em série curtas e o tédio toma conta e os bocejos se multiplicam e se raleia a platéia. Uma gargalhada duma piada quebra a pasmaceira e se segue outras e mais outras. Jucalenga, sem querer, esbarra na cuíca e num pandeiro e ao tentar amparar a queda, não sei por que, a cuíca ronca e o pandeiro faz tun-dan-dão e o resto da turma entende que é convocação e o tinlintrilim do cavaco ressoa repetidas vezes com o violão acompanhando em acordes primorosos e os demais instrumentos se juntam e o som repercute harmonioso formando uma ponte onde dona Santina irá caminhar da terra para o céu envolta com os cânticos poéticos da nossa música; e acontece mais uma rodada de Chora Rita e mais uma e mais uma e mais chorinhos até o raiar do dia e cadê o caixão de dona Santina?

Quando deram por fé olha lá o caixão encostado num canto da casa com o rosto de dona Santina, não mais tão sombrio, esboçando um sorriso.

(Alcivando Lima, [email protected])

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