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OPINIÃO

Vulnerável e lindíssima

Seu nome é Marina. Na verdade, todos a chamam de Mari. Ela tem 18 anos. Jeito único. Andar misterioso e sinuoso. Corpo delineado. Uma verdadeira preciosidade humana. Marina não se contenta com sua beleza, ou necessita de ter o eco massageado. “Meu rosto é feio”, ela reclama. Ela é única. E carente. Não trabalha. Estuda. E sabe que tem de ser diferente das outras. Seu sonho é encontrar um príncipe encantado, desses que a gente vê nos filmes hollywoodianos. Muitos desistem, quando percebem a quantidade de beleza e delicadeza que são exalados dela.

Marina vive caindo em tramoias. Nem tempo de alertá-la, tenho. Quando vejo, ela vem até mim e chora e reclama. Ouço suas queixas, porque é o melhor que tenho a fazer no momento. Oh, Marina, cê precisa ser menos vulnerável. Os homens veem-na como uma máquina de foder. Eles não estão preocupados com seus sentimentos, e sim com seu corpo. Eu, também, preocupo-me com seu corpo. Mas preocupo-me contigo, sobretudo. Suas amarguras, desesperos, angústias. “Eu sei a palavra que seja ouvir”, como diz Jim Morrison, em The Spy, do disco Morrison Hotel.

Conhecemo-nos na faculdade. Éramos colegas de sala. Fazíamos jornalismo. Quando eu não ia à aula, ela sempre dizia que sentia minha falta. “São todos uns medíocres”, reverberava ela, referindo-se aos alunos. “Ninguém tem vida lá”, ponderava. Marina era astuta. Mas eu sentia que em algum momento alguém lhe faria algum mal. Rezei – depois de muito tempo – para que não fosse eu, esse imbecil.

- Sabe – me disse ela -, o mundo precisa de gente como você.

Fiz-me de desentendido.

- Como é que é?

- As pessoas são frívolas.

- Concordo – disse eu, apoiando-a em sua constatação.

- Ninguém diz mais ‘eu te amo’.

- É porque isso virou antiquado, meu bem.

Ela chacoalhou os ombros, e prosseguiu:

- Porra – balbuciou ela, reclamando de algo.

- O quê foi?

- Como diz Raul Seixas: ‘pra eles é careta se alguém fala de amor’.

Ficamos algum tempo sem nos ver. Acho que foram uns dois, três meses. Nessa época, eu andava bebendo pesado e fumando uns baseados, e frequentemente minha memória ficava enfumaçada. Concluí que deveria parar de escrever, porque não havia nada para dizer. Então, comecei a beber. Eu preenchia meu tempo livre com algumas putas de rua e cerveja. E um ácido de vez em quando, só para evitar a rotina.

Ah, Marina. Tu és o equilíbrio do mundo. Tu és metáfora. Eu sou metonímia. Tu és jazz. Eu sou um rock básico de três acordes. Tu és romantismo. Eu sou realismo. Fomos tão diferentes, e ao mesmo tempo idênticos. Talvez seja por isso que quando não estou perto de você, sinto um vazio do caralho. Aí, recorro às palavras. Agora, até elas deram de correr de mim, acredita? Vou pirar.

Na última vez que a vi, eu jogava sinuca num bar em frente a PUC. Ela veio a mim, deu-me um abraço apertado e carinhoso, daqueles que não queremos nos desprender nunca. Beijei-lhe a mão e depois o rosto, saudando-a. Que rostinho cheiroso e macio! Uma verdadeira bonequinha. Mãozinha de princesa, bicho.

- E aí? Como vai? – quis saber ela.

- Bem. Na mesma de sempre.

Ela dera um passo à minha direção. Coloquei o taco ao lado. Meus colegas perceberam que eu teria de conversar com Marina, e sentaram-se à mesa.

A gente ficou a sós.

- Tá foda – esbravejou ela.

- O mundo é foda, mesmo.

Não era exatamente o que queria falar. Mas quando notei, as palavras já tinham saído de minha boca.

- Terminei meu namoro.

- Porra.

Nunca fui muito primoroso nessas situações.

- Vem cá – eu disse. – Cê tá precisando de um abraço.

Eu a abracei. Foi um abraço longo. Parecia que não iria acabar nunca.

- Sabe...

- Hey, meu bem – cortei-a. – Não quero saber de te ver se lamentando por um babaca.

- Mas cê nem o conhece.

- E nem preciso. É fácil saber que ele é um babaca.

Ela ficou em silêncio.

Lágrimas começaram a escorrer de seus olhos.

- Às vezes a música acaba. Mas a gente precisa da música. Venha, segure minha mão.

- When the music is over – sussurrou ela, o célebre hino do Doors.

Marina é vulnerável. E lindíssima.

(Marcus Vinícius Beck, estudante de jornalismo, corintiano e escritor)

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