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OPINIÃO

Terra do ontem, do hoje, do amanhã, do sempre

No início era a Vila de São José do Ouro, em vista da quantidade do precioso metal que seu subsolo guardava. Termo que diante da linguagem simples do povo, passou a ser chamada de São José D’Ouro, acabando por ser mais reduzido para São José do Duro, ou simplesmente Duro. “Só voltarei aqui no Duro quando Deus permitir...”, frase que nunca me cansava de ouvir nas despedidas dos amigos que como hóspedes ou visitas em minha casa se despediam dos meus pais e de todos nós. Hoje, Dianópolis, situada no Sudeste do Estado do Tocantins, antes de 1989, Nordeste de Goiás, então conhecido como o corredor da miséria, em vista do abandono por parte dos políticos de Goiás que lá só aportavam em tempos de eleições.
Terra que guarda tristes histórias de sacrifícios incontáveis por questões políticas e interesses outros, muitas vezes pessoais. Terra que assistiu ao massacre de chefes de famílias, que embora alheios às questões que envolviam o assunto, foram sacrificados. Terra descrita nos livros O Tronco e Quinta Feira Sangrenta, de autoria, respectivamente, de Bernardo Elis e do historiador Osvaldo Póvoa e inscrita para todo sempre no coração de quem lá nasceu. Terra que carrega a cicatriz de uma dor quase incurável e inesquecível. Mas tal qual fênix, ressurgiu das cinzas e se reergue na altivez de um povo trabalhador, batalhador, incansável e porque não dizer sonhador. Que acalenta em seu berço o nascimento de gerações forjadas na cultura e na busca incessante do saber; de filhos que honram o nome e as gerações passadas e cultiva pessoas sábias para um futuro sempre promissor.
Por circunstâncias que só as gerações passadas sabem entender, tive, a exemplo de tantos outros, que de lá me afastar em busca de mais conhecimentos e aprofundar-me nos estudos, buscando ocupar o meu lugar ao sol. De lá para Goiânia na década de sessenta, cidade generosa que me acolheu como se filho seu fosse e onde tive e tenho a oportunidade de tomar minhas decisões com base nos ensinamentos cristãos recebidos ainda no meu lar, sob o comando de um pai extraordinário, exemplo de dignidade e honradez e de uma mãe, que para mim era uma Santa em forma humana, ensinamentos esses continuados pelo inesquecível padre Magalhães, um sábio que nos foi emprestado por Deus, e das abnegadas freiras da congregação do Sagrado Coração de Jesus, que comandavam o Ginásio João D’Abreu, muitas vindas diretamente da Espanha para o considerado sertão de Goiás.
E a cada vez que lá retorno, vejo que o progresso maquiou aquele lugar para apresentar-se ao mundo moderno, mas mesmo assim, atrás dessa cortina, revejo em minha mente e meu coração, a cada reencontro, os lugares que se fizeram eternos em minha alma. Sei que lá não encontrarei mais em suas manhãs, enormes e disciplinadas filas ao pé da velha caixa d’água localizada numa grande praça e que se tornava uma espécie de oásis para a ainda pequena população. No mesmo espaço não encontrarei mais a grande pedra, denominada “pedrona da praça”, que servia de assento para os casais enamorados, em especial em noites de lua cheia; não verei mais o velho coreto, que abrigava o serviço de alto faltante da cidade, onde os velhos discos de vinil 78 rotações, executavam músicas clássicas, sacras, religiosas e populares, em quase todas as madrugadas nos acordando a todos, em especial aos domingos no convite para a missa de 5h da manhã, sons que se juntavam ao sol nascente que iluminava em primeiro plano a bela Serra Geral; serviço de som que tinha a potência de despertar sentimentos e paixões através das músicas e mensagens adrede combinadas por apaixonados, por ele transmitidas nas vozes de locutores escolhidos a dedo pelo sábio padre Magalhães. Naquela praça, que hoje sepulta o passado, não assistirei mais as alvoradas do dia 19 de março em comemoração ao dia do nosso Padroeiro São José, muito menos as serestas em noites de luar, comandadas por Tio Coque e seus fiéis seguidores; sei que na outra praça, naquela época eram apenas duas, não existe mais o Cine Atanaram com cartazes coloridos afixados em cavaletes e colocados em sua porta, resguardando segredos das emoções a serem despertadas através dos filmes clássicos, comédias e seriados trazidos, semanalmente, nas asas da Cruzeiro do Sul ou Vasp vindos de longe. Não sentirei as emoções de acompanhar os mais velhos, que para nós crianças, proporcionavam verdadeiras aventuras semanais, quando assistíamos a chegada de aviões que pousavam em pista de terra compactada e que traziam pessoas de tão distante e notícias dos que longe da terra se encontravam. A maquiagem do progresso encarregou-se de fazer desaparecer o Córrego Getúlio, que foi a divisa da minha terra e da minha infância com o resto do mundo; ele não existe mais, apenas vislumbro nas poucas árvores que às margens de um leito seco resistem ao tempo como a perpetuarem as alegrias de gerações que corriam junto com suas águas cristalinas e que se juntavam às águas da biquinha...; das represas ali construídas, para dos banhos de fim de tarde, apenas inúmeros sonhos represados; das ruas descalças da minha terra natal com suas enxurradas que corriam em velocidade astronômica rumo ao Córrego Getúlio, apenas recordações; e minha velha e querida casa, primeira morada neste mundo, com seu imensurável e indescritível quintal, apenas o sabor das frutas e o cheiro da terra molhada resguardadas para todo sempre em minha alma.
Embora o desenvolvimento tecnológico tenha aproximado minha terra natal do mundo contemporâneo e aquela velha e boa terra, que abrigava nossas partidas de futebol em suas praças, os campeonatos de finca, pinhão e bolas de gude sob a grande mangueira da praça e tantas outras brincadeiras em seus becos e ruas, continuam e continuarão perpetuadas na beleza das paisagens que circundam aquele lugar, a exemplo da bela Serra Geral, que descortina a mesma beleza que o homem e o progresso jamais poderão modificar. Revejo, ainda, em algumas árvores ali preservadas e mesmo nas que foram ceifadas e permanecem em minha memória, afixado o retrato da minha e de tantas outras infâncias e adolescências. Toda terra natal tem o toque sublime do eterno. E com a minha não poderia ser diferente. Por isso mesmo tornou-se a terra do ontem, do hoje, do amanhã e do sempre.

(José Cândido Póvoa, poeta, cronista e advogado. [email protected])

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