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OPINIÃO

Pai da rua

No inicio, durante a semana eu quase não ficava na minicidade, saia de casa ainda bem cedo, antes mesmo de os primeiros raios solares reluzirem os picos das montanhas ou os longínquos arranha-céus espalhados pela região central do gigante metropolitano e vistos pelos moradores da minicidade feitos maquetes. Retornava somente com os estridentes uivos noturnos do Barão e da Nina, cães dos vizinhos dos fundos, as montarias do Erich. Nos fins de semana e feriados quando eu não tinha que sair ficava a contemplar os meninos correrem atrás de bolas velhas como formigas no encalço das ultimas folhas verdes. Senti, então, a necessidade de ajudá-los de alguma forma e passei, então, a formular um diagnóstico completo de como era a vida deles. Apesar de a minicidade ter acolhido famílias oriundas de todos os confins de área habitada da metrópole, uma coisa era consensual: todas vieram das periferias. Não soube precisar se havia alguma relação com isso, mas era raro ouvir de uma criança dizer que conhecia um zoológico, um cinema, um parque de diversão, um clube com piscinas ou mesmo já ter frequentado um shopping center alguma vez na vida. Ficava abismado quando me davam essa resposta. Meninos, às vezes, de dez, onze, doze, treze e até catorze anos ou mais ainda não tinham tido a chance de vivenciar essa cultura! O baixo ou nenhum poder aquisitivo de seus familiares os impossibilitavam de degustar dessa proeza? Onde estavam as políticas publicas de atendimento as crianças e adolescentes? E as escolas ou igrejas frequentadas por eles, não contribuíam com essa função social?  Estariam, então, milhares de crianças e adolescentes periféricos fadados a não adentrarem no mundo construído pela modernidade por mero capricho de uma linha divisora de alto, médio e baixo ou nenhum poder financeiro? Dizem que para toda pergunta há pelo menos uma resposta, mas para essa, talvez, somente o tempo a traria, não sei. Na duvida, a melhor saída seja tentar fazer a nossa parte. E assim tentava. Tentava do meu jeito, porque outros eu também era um mero assalariado.

Enquanto, aos poucos, eu ia ganhando a confiança das famílias ia também levando pequenos grupos para conhecer alguns ambientes como zoológico, cinema, planetário, parques públicos e de diversão, clubes, shoppings centers etc. Eu tinha certeza que, cerca de oitenta e cinco por cento das crianças e adolescentes da minicidade ainda não sabiam o que eram esses lugares, na pratica.

Agora eu era para eles o Pai da Rua. Alguém precisa velar por eles. Se você não colaborar com as crianças e adolescentes que o cerca, você passa a ser responsável também pela desgraça que acontecer com eles. Ignorá-los somente vai contribuir para o isolamento dos pequenos. Não podemos assumi-los, mas instruí-los também é de nossa competência. Cuidar das crianças e transformá-las em adultos promissores não cabe somente ao estado, a família e as instituições. E também dever de cada um de nos. Assim como e também de nossa obrigação fazer sem manipulá-las, sem interferir nos laços e costumes familiares.

Mas, como disse, eu não tinha a menor condição de manter esse ritmo por muito tempo mesmo que com poucas crianças e adolescentes. Era necessário formular parcerias com instituições que pudessem oferecer esporte, cultura e lazer a juventude da minicidade pelo menor ou nenhum custo possível. Foi quando surgiu a criação da associação de bairro, meu irmão foi eleito representante da minicidade com maioria dos votos validos que tudo começou a melhorar. Campeonato de pipas, de futebol, maratoninhas, passeios com ônibus gratuito, festas, brincadeiras, guloseimas e brinquedos para milhares de crianças da minicidade aconteciam sempre.

(Gilson Vasco, escritor)

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