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OPINIÃO

Políticas públicas e jogos de azar

O Senado está analisando e deve votar em breve o Projeto de Lei nº 186, de 2014, que regulamenta a prática de jogos de azar no Brasil. Sobre isso, manifesto minha posição contrária. Essa matéria dificilmente trará algum benefício ao país.

A permissão para funcionamento de cassinos, bingos, jogos eletrônicos e o jogo do bicho carece, fundamentalmente, de uma avaliação detalhada a respeito dos custos da medida. Trata-se de um exemplo ilustrativo sobre a maneira apressada de discutirmos políticas públicas em nosso país.

Os argumentos a favor da exploração de jogos de azar no território brasileiro dimensionam, de forma incorreta, os benefícios da medida. Supor que haverá geração de empregos e de renda, aumento na arrecadação de impostos nos três níveis de governo, incremento no turismo e fortalecimento de políticas regionais de desenvolvimento é altamente questionável.

A criação de empregos na nossa economia ficaria comprometida ao consideramos que a legalização dos jogos de azar envolveria o desvio de gastos dos consumidores para estas atividades. Ficariam prejudicadas, portanto, as despesas das famílias brasileiras com bens de consumo e serviços.

Na edição de O Estado de São Paulo de 28 de janeiro deste ano, o Senador José Serra apresentou um dado alarmante: em Atlantic City, nos Estados Unidos, a introdução dos cassinos gerou diminuição de 25% dos empregos nos demais setores da economia. Em outra localidade dos Estados Unidos, em Illinois, somente em 1995, houve a perda de 287 milhões de dólares no balanço de benefícios e malefícios associados aos cassinos.

Quanto à arrecadação de tributos, o efeito líquido seria duvidoso ao considerarmos que haverá, inevitavelmente, o incentivo para que o poder público confira benefícios tributários para a instalação da indústria de jogos de azar no território brasileiro.

É igualmente preocupante que a legalização dos jogos de azar no Brasil deva aumentar as despesas públicas com saúde e segurança.

O jogo configura um vício. Como no caso das drogas, seriam gerados dependentes, pressionando as despesas do governo com assistência às pessoas compulsivas. Nos Estados Unidos, conforme apresentados pelo Senador José Serra no mencionado artigo, alguns números comprovam o aumento dos gastos de alguns governos locais com o vício do jogo, após a legalização.

As despesas públicas com segurança deverão subir à medida que a exploração dessas atividades venha a incentivar a criminalidade e a articulação de redes de narcotráfico e lavagem de dinheiro.

A respeito dos mecanismos de prevenção à lavagem de dinheiro, cabe mencionar que o Ministério Público Federal encaminhou ao Senado Federal, em 1° de fevereiro de 2016, a Nota Técnica PGR/SRI n° 065/2016, assinada pelo Procurador da República Peterson de Paula Pereira.

Na referida nota, o Procurador tece críticas ao PLS n° 186, de 2014, que julga ter escopo demasiadamente amplo, além de afirmar que não são previstos mecanismos adequados para fiscalização dessas atividades e que os órgãos aos quais se atribui responsabilidades de fiscalização para prevenção à lavagem de dinheiro não estariam preparados para desempenhar tal tarefa. Pede, ao final que a discussão do tema seja reaberta em Plenário.

A nota encaminhada pelo Ministério Público menciona ainda um artigo de autoria do Procurador da República Deltan Martinazzo Dallagnol, que apresenta um estudo quanto às diversas formas pelas quais é possível utilizar jogos de azar para lavagem de ativos, tanto por meio de consumidores (clientes), quanto por meio de empresários (proprietários).

Mesmo em países onde os jogos de azar são bem regulados, o risco de uso dessa indústria para práticas criminosas é elevado.

No Brasil, portanto, a permissão para exploração de jogos de azar demandaria do Poder Executivo Federal a regulação de uma série de aspectos, como o detalhamento dos procedimentos de credenciamento e a designação de um órgão para autorizar e supervisionar as atividades desses jogos.

O parecer em discussão neste plenário observa algumas determinações gerais sobre prevenção à lavagem de dinheiro. Contudo, a implementação efetiva dessas recomendações dependerá fortemente de ações contínuas de supervisão e regulação. Para tal, serão necessários recursos materiais e tecnológicos, bem como pessoal qualificado.

As evidências apresentadas sugerem, portanto, a necessidade de haver um debate bem informado sobre a matéria, o qual considere, de forma rigorosa, os custos e os benefícios associados à legalização dos jogos de azar.

Desta forma, manifestei meu encaminhamento contrário ao projeto em discussão, pois tende a gerar mais malefícios do que benefícios ao nosso país da maneira como está colocado.

(Lúcia Vânia, senadora (PSB), ouvidora-geral do Senado e jornalista)

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