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OPINIÃO

“Beijo técnico”

Era em um estúdio de televisão. Gravava-se uma cena de novela. Um par romântico encenava um beijo longo, lento. Tudo perfeito. Bem iluminado. Os câmeras, de tão concentrados no par, fazem de tudo para não perder um só detalhe, um só movimento dos amantes. Eis que, repentinamente, a atriz faz aquele escarcéu. Quando então o diretor grita:

– Corta! Corta! Corta! O que foi, minha cara? – disse o diretor.

– Não era pra ele me beijar assim, não!

– Assim como? – o diretor quis saber.

– Com a língua.

– Você beijou assim, meu jovem?

– Beijei sim senhor. Qual o problema?

– Qual o problema? Qual o problema? Era para o senhor executar apenas um beijo técnico. Entendeu, caríssimo? Já não é esta a primeira vez que o senhor faz isso. Estou disposto a não aturar mais uma terceira. Creio que as atrizes, principalmente as comprometidas, não gostam dessa sua atitude, não.

– Não gostam? Quis ser mais realista, convincente, transmitir um pouco de sentimento na cena, de humanidade, professor. O telespectador merece mais autenticidade.

– Pois vá ser realista assim em sua casa, com a sua excelentíssima esposa. Aqui, meu jovem, o beijo deve obedecer ao script. Ficou claro?

– Claríssimo! Claríssimo!

O diretor, que era chamado de professor no set de gravação, julgando insuficiente aquela bronca no mocinho da novela, chamou o ator para um severo particular, durante o qual fez uma longa e interessante explanação sobre como se deve beijar uma atriz em cena, usando um manequim de silicone. Finda a qual, disse assim:

– Os lábios, escuta bem aqui seu bilontra, repara só, devem se tocar sutilmente. Casta e sutilmente. Sem língua. Sem arrebatamento sentimental. É essa a nossa norma aqui, nesta santa emissora.

– Compreendo. Isso não se repetirá mais, meu professor. – assegurou o galã, firmemente resoluto em adotar, doravante, uma postura absolutamente técnica e profissional.

– Espero.

Retomaram a cena. Eis o novo beijo. Eis, repentinamente, o novo escarcéu dela, a atriz:

– Corta! Corta! Corta! O que foi agora, minha cara? –  Quis saber o professor.

– Dá para o beijo dele ser menos técnico?

Vá entender as mulheres!

(Pedro Nolasco de Araujo, mestre, pela PUC-Goiás, em Gestão do Patrimônio Cultural, advogado, membro da Associação Goiana de Imprensa - AGI)

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