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OPINIÃO

Lições de Cristo das bem-aventuranças

Pode-se resumir o discurso (ou a fala) das bem-aventuranças de Cristo em cinco tópicos: sobre os aflitos, sobre os pobres de espírito, sobre os puros de coração, sobre os brandos e pacíficos e sobre os misericordiosos. As fontes consultadas são os escritos dos apóstolos. Allan Kardec faz a exegese desses temas em “O Evangelho segundo o Espiritismo” com os devidos desdobramentos contidos na doutrina espírita por ele codificada. Façamos o extrato apenas dos elementos básicos das referidas bem-aventuranças, para nos situarmos no seu respectivo contexto.

Sobre os aflitos

Na lei de Deus não há injustiça, como não há impunidade. A reencarnação é a oportunidade de reparação de erros da existência pretérita. A melancolia é a angústia do espírito preso na matéria. Quem sofre está expiando o seu passado e, evoluindo espiritualmente, estará angariando sua felicidade na vida futura. O ser humano precisa de muitas existências para redimir-se de suas falhas e para alcançar sua destinação espiritual. Quem não quiser voltar a este mundo de tribulações deverá buscar seu autoaperfeiçoamento para poder ser promovido a mundos melhores até chegar ao reino dos céus. Nem sempre o sofrimento é efeito de uma causa faltosa, é antes uma prova escolhida pelo espírito para seu autoaperfeiçoamento. O esquecimento da vida passada é útil para a vida atual no sentido da reconstrução da experiência existencial sem amarras e segundo o princípio do livre-arbítrio. O reflexo de outra existência vem pela voz da consciência e pelas mesmas tendências instintivas. Segundo Kardec, “a fé é o remédio certo de sofrimento: ela mostra sempre os horizontes do infinito, diante dos quais se apagam os poucos dias sombrios do presente”.

Sobre os pobres de espírito

Kardec adverte que Jesus não se referia aos pobres de espírito como sendo os desprovidos de inteligência, mas os humildes aos quais tocaria o reino dos céus. Deus, que é justo, “não pode receber na mesma categoria aquele que menosprezou seu poder e aquele que se submeteu humildemente às suas leis, nem os igualar”. Por vezes o ignorante possui mais qualidades do que o pretenso sábio, que crê mais em si que em Deus. Nessa ordem, dos pobres de espírito, situam-se também as crianças por sua inocência: é nessa condição que podemos alcançar o reino dos céus. Os que se exaltam serão rebaixados quando lhes falta a simplicidade de coração. A soberba, a fortuna, o poder e a glória não acompanham os seres humanos na vida espiritual. Os valores da humildade, do desprendimento, da modéstia e da solidariedade é que geram retorno na outra dimensão. Aqueles que se crêem donos da verdade, enganam-se mais do que aqueles que se sentem ignorantes, porque estão abertos ao aprendizado das leis espirituais. Deus deu a inteligência ao homem não para se engrandecer, mas para servir ao bem de todos.

Sobre os puros de coração

Os puros de coração é que verão a Deus, tais como as criancinhas que se aproximavam de Jesus. Mesmo tendo o espírito das crianças vindo de existências pretéritas, não é ainda capaz de manifestar maldade na fase da inocência infantil. As qualidades morais, bem como a inteligência, tendem a desenvolver-se gradualmente em nova experiência existencial, embora o espírito conserve a intuição como memória da vida precedente. A intuição vem, portanto, da memória de sucessivas reencarnações. Seu passado, segundo Kardec, é sustentado e secundado pela intuição que conserva da experiência adquirida. A oportunidade da reencarnação é dada por Deus para novo aprendizado e evolução do espírito, até que este assimile sua função de preservar as leis divinas. O ser humano peca não só por ações, mas também por pensamentos e palavras voltadas para o mal: é o que significa adulterar. Daí a necessidade de ser puro de coração: cultivar os bons sentimentos. Deus considera o sentido do progresso do bem nas boas intenções humanas, repelindo o pensamento do mal e conseguindo evitá-lo. Evitar o mal não é simplesmente ensinar máximas e ordenações sobre o bem, mas sobretudo cultivá-lo em seu coração. Ser puro não é ter o corpo ou as mãos limpas, mas a alma inocente. Não se confunde a prática espontânea das virtudes com a conveniência dos rituais que nem sempre correspondem às atitudes íntimas. Adverte Kardec que a doutrina moral do Cristo está centrada na prática das virtudes e não na formalidade das tradições religiosas.

Sobre os brandos e pacíficos

A doutrina de Jesus ensina, em toda parte, a obediência e a resignação (observa Kardec), como duas virtudes companheiras da doçura: “A obediência é o consentimento da razão, a resignação é o consentimento do coração”. Pondera que cada época é marcada “com o selo da virtude ou do vício que a deve salvar ou perder”, e que a virtude da época atual é a atividade intelectual e seu vício é a indiferença moral.  Citando Lázaro (Paris, 1863): “Toda resistência orgulhosa deverá ceder, cedo ou tarde, mas bem-aventurados os que são brandos, porque prestarão dócil ouvido aos ensinamentos”. É preciso evitar os imprevisíveis acessos de cólera que nos fazem assemelhar aos animais, fazendo-nos perder o sangue-frio e a razão, que no fundo, não passam de uma reação ao nosso orgulho ferido. A primeira vítima da cólera alucinógena é o próprio indivíduo colérico. Pudesse ver-se a si mesmo no momento de sua alucinação, passaria o resto da vida com remorso mortal. É natural que haja temperamentos mais inclinados a exaltações, assim como os há mais flexíveis e pacíficos. Não há um organismo destinado a sediar a violência que não venha do próprio espírito rebelde.

Sobre os misericordiosos

Allan Kardec em “O Evangelho segundo o Espiritismo”, define a misericórdia como sendo “o complemento da doçura, porque aquele que não é misericordioso não saberia ser brando e pacífico: ela consiste no esquecimento e no perdão das ofensas”. A misericórdia se materializa, pois, no perdão: é perdoando que seremos perdoados. Deixemos também de julgar para não sermos julgados e reconciliemos com nossos adversários. Perdoar ao ofendido é perdoar a si mesmo, que no fundo, pode ter motivado a ofensa. Perdoar ao ofensor é eliminar pela raiz a causa do mal que perde seu efeito. Dizem que a rainha Cleópatra perdoara a uma escrava que lhe havia envenenado o vinho, mas em seguida, ordenando-lhe: beba-o! Não devemos imitar o perdão de Cleópatra, pois não há perdão sem misericórdia. É preciso sermos indulgentes para com as fraquezas alheias, porque elas podem ser o reflexo de nossas próprias fraquezas. Divulgar os defeitos dos outros é expor seu próprio defeito como detrator. A indulgência consiste em inibir no outro a ofensa que poderia nascer de si mesmo. Segundo Kardec, não é proibido ver o mal onde ele existe: inconveniente é não ver também o bem por toda parte.

(Emílio Vieira, professor universitário, advogado e escritor, membro da Academia Goiana de Letras, da União Brasileira de Escritores de Goiás e da Associação Goiana de Imprensa. E-mail: [email protected])

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