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OPINIÃO

As latumias nos lugares visagentos que assombram os mais mofinos

Em 1984, durante o velório da mãe do Nadinho, amigo de Dianópolis, marceneiro dos bons, ajuntamos um grupo de gente – meu irmão Nélio, Jalce, Napu, eu e outros - e, esgotados os causos, enveredamos para os acontecimentos de assombração, que antigamente existiam aos montes em todos os arredores da ci-dade, principalmente na mata da Água Boa (a meia-légua da rua), no local por nome Estreito, na Garganta, de Pedro Pixuri, nos Machados e no terrorroso cemitério rústico que todos aprendemos a chamar e a temer como a Tapera da Oração, pertinho da fazenda Santo Antônio.

Nesses locais, quase que invariavelmente, surgiam latumias de apavorar qual-quer cristão: desde gemidos, ais, me-acodes e ventanias misteriosas até mesmo espectros fantasmagóricos que faziam tremer as bases de toda nação de gente, por mais corajuda que aparentasse.

Os causos brotaram aos montes, pois, enquanto um contava o seu, outro já se lembrava de uma passagem pra contar, de forma que a conversa se prolongou madrugada adentro, num rodízio de episódios, todos marcados pelo sinal do fantástico.

Um contou o caso de Teopompo, da família Valente, que tivera a rédea de sua mulona sojigada por um ente, que - dizendo o povo, era seu pai - manteve com ele incômodo diálogo no meio da noite, fazendo-o assombrar e a mulona amanhecer no dia seguinte arrepiada e morta. Outro contava um episódio ocorrido com o próprio narrador, e não faltaram histórias de defunto e de presepadas no meio da noite, quase todas dali das adjacências.

Houve causos de visagens se engaruparem nos cavaleiros, de caixões-de-de-funto flutuando na frente de viajantes e caçadores, como aconteceu com tio Duca, que, voltando de uma espera, viu-se subitamente impedido de passar adiante, com um funesto caixãozão preto a obstruir-lhe o trilho estreito, até que, mais tocado pelo medo do que por outra coisa, deu um tiro de carabina em cima, e a visagem desapareceu em meio a pavorosos gemidos, que o fizeram aposentar-se como esperador de catingueiro e paca; contaram também o causo do mesmo Duca, que, indo da rua pra a Água Boa em companhia de seu primo Alfredo, a cavalo, notou, de determinado ponto pra diante (logo após a cruz-das-almas da saída da rua), que um misterioso cavaleiro estava cavalgando entre os dois, de forma que ambos sentiam o joelho do misterioso e desconhecido companheiro tocar a sela dos dois, em ambos os lados. E lá muito adiante, sem mais nem menos, o cavaleiro sumiu, tão de repente como aparecera.

Se eu fosse contar o tanto de causo que encompridou a conversa, daria para um mês de escritos.

Tudo isto me levou a fazer uma pergunta: por que naquela região havia uma incidência tão alta de aleivosias?

No meu modesto modo de pensar, acho que se deve à grande matança no município de Dianópolis a partir de 1919: primeiro, foi a polícia goiana a mando da oligarquia Caiado; depois, a jagunçama de Abílio Batata, as brigas envolvendo Abílio Wolney, Zeca Piauí, Aldo Borges e uma rebarba para o famigerado Capitão Siqueira, que pintou e bordou nos sertões de Dianópolis e de Conceição do Tocantins, no afinco de acabar com os bens dos Wolney, embora houvesse sido destacado para acabar com os jagunços e desordeiros da Bahia. Esses episódios estão descritos com detalhes no livro "Quinta-Feira Sangrenta", do mano Osvaldo Rodrigues Póvoa.

Pois bem, com tanta gente partindo assim pro outro mundo, é de se crer que as manifestações sobrenaturais tenham estreita ligação com tais fatos, pois, segura-mente, os espíritos daquelas pessoas e mesmo das falecidas antes e depois, de morte natural, tenham tentado comunicar-se com os vivos, e a única forma era o aparecimento nas proximidades dos locais onde foram enterradas. Isto é uma hipótese, que, aliás, não está fora da lógica, pois a doutrina espírita assegura que o mundo dos espíritos está sempre tentando fazer contato com o mundo material.

Até aí, tudo bem. Mas a gente vem notando que, antigamente, as aparições eram mais frequentes, e todo dia se via gente contar histórias de aleivosias. E hoje, por exemplo, o temível cemitério da Tapera da Oração é um lugar como qualquer outro, e até um grupo escolar existe ao lado, sem se falar em moradores que já passam por ali a qualquer hora da noite sem aquele medão de pelar que havia, como era o caso de compadre Otílio da Rua Nova, que, se chegasse ali no Santo Antônio de tardezinha, dormia fora de casa, mas não se arriscava a atravessar a tapera. De lugar ainda famoso por visagens existe um tal Ronca, lá perto do Mombó, que - di-zem – até bem pouco tempo continuava botando gente pra correr à noite: quem vem de lá pra cá, pernoita antes do Ronca, e quem vai daqui pra lá, pernoita do lado de cá, pois na passagem as aleivosias são certas. Ainda não se sabe por que persistem as latumias ali, quando os demais lugares visagentos já perderam o condão de assombrar os viajantes, e o exemplo mais palpável é a já falada Tapera da Oração, que vinha assombrando gerações e gerações. Desde o tempo de meu avô até o meu, aquele local deitou fama.

Agora, outra pergunta: por que já não existem mais assombrações com tanta frequência como antes?

Acho que a explicação está, igualmente, na doutrina de Kardec: de uns anos pra cá, começaram a aparecer sessões espíritas em tudo quanto é lugar, e com isto, a comunicação com os espíritos já é normal através de médiuns, que servem de ins-trumento para os pedidos e as recomendações dos desencarnados aos parentes e amigos, haja vista as manifestações frequentes que ocorrem em cada sessão; e como há muitas sessões, há oportunidade para muitos se manifestarem.

O que, aliás, é um alívio: sabe lá o que é a gente ir tranquilamente pela estrada, com o pensamento acolá longe, quando um anticristo qualquer vem dar com os costados na nossa estrada de supetão? Além do susto, pois eles têm a mania de não mandar aviso prévio, aquela sensação de estar em contato com um habitante do além - o que é muito natural - leva ao desespero qualquer cristão, já tradicionalmente escorado pelos mais velhos, que nos incutem na cabeça que assombração é bicho-de-sete-cabeças.

(Liberato Póvoa, Desembargador aposentado do TJ-TO, Membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, escritor, jurista, historiador e advogado, [email protected])

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