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OPINIÃO

Músicas de boteco e seus ensinamentos

Em um mundo cada vez mais broxante e sem os deliciosos meandros românticos, em um mundo cada vez mais dos “finalmente” e não do flerte, em um mundo cada vez mais tinder e menos, bem menos, “Light my fire”. Em um mundo cada vez mais saudável e menos, bem menos, saboroso. Em um mundo cada vez mais Budweiser e menos, bem menos, Bavária…

Em um mundo cada vez mais Whatsapp e seus grupos e menos, bem menos, “blow job”, digo, em um mundo que troca um dos carinhos mais excitantes, puta merda, pelas conversas do aplicativo de comunicação. Em um mundo cuja pele da moça foi trocada pela tela do smartphone, onde as pessoas marcam encontros e findam relacionamentos, é claro. Em um mundo de músicas exageradamente bem harmonizadas, como Tom Jobim, e com menos, bem menos humanizadas como Wando, Odair José e Fagner.

Este humilde e cretino cronista toma um rabo-de-galo filosófico e relembra das criaturas que embalaram muitos porres, e curaram dores de cotovelos. Toca um Wando, seu Jair. Sim, porque é muito melhor colecionar calcinhas a obras de arte. “Coisa de museus renascentistas, que ficam do outro lado do atlântico”, asseguro pro seu Jair.  “Vai mais uma?”, pergunta ele, educadamente. “Ah, sem dúvida, né”, gemo, implorando por mais uma dose e uma cerveja pra lavar o aparelho digestivo.

Pena que Wando se foi. Ele morreu em 8 de fevereiro de 2012. Morreu para você, amigo insensível, que não faz a mínima questão de sair daquela conversinha com a moça. Morreu para você, erudito, jazzista, bossanovista, fã de rock progressivo, não para mim, não para os eternos desgraçados que se derretem em lamurias. “Pra que ouvir uma música que vai te pôr mais pra baixo?”, me pergunta um cara, sem compreender a força poética de A próxima vítima, hino dos cafa românticos tupiniquim.

Morreu para você, que não canta no mais sujo dos botecos, com a jukebox rolando “na minha opinião/ importante é ser feliz”. Seguramente, Odair José modifica caracteres: um cara nunca mais enxergará uma mulher do mesmo jeito após ouvi-lo – sobretudo a musa inspiradora dos seus dias, a razão do viver, a palpitação que acelera teu coração.

Não, Wando, Odair José e Fagner não são bregas. São românticos. Brega é você, amigo cult, sentar no boteco e pedir Pink Floyd. “Num boteco não dá pra colocar Pink Floyd, porra”, desdenha seu Jair. “Bão mesmo é Bijuteria, do Crystian e Ralf”, sentencio. Sem dúvida, Floyd tem de ficar pra depois, outra hora, quem sabe. Música é um potente combustível, que pode fazer um carro andar sem gasolina – desde que o rádio toque a canção certa, no último volume.

“Desejo de amar, cara, é uma das canções mais lindas que já ouvi”, afirma Maicon, camarada de infância, roqueiro, baterista e bêbado profissional. Mas, numa roda de conversa por aí, quase fui saqueado quando soltei que Crystian e Ralf eram líricos. “É bom, mas eu não consigo ouvir”, diz um paladino da estética.

Tudo bem. Nem todos conseguem. É compreensível. Agora, destilar toda sua suposta sabedoria artística não rola. O cancioneiro popular, o seu Jair, eu e milhares de bêbados não estão nem aí para suas percepções sobre a poesia popular.

E, neste mundo certinho demais, viva Wando, Odair José, Fagner e Crystian e Ralf. O importante é não deixar morrer seus ensinamentos de amor devoto e explícito. O importante é derramar lágrimas, escorar os cotovelos no balcão do bar. Tim-tim!

(Marcus Vinícius Beck, cronista)

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