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OPINIÃO

O STF pode muito, mas não pode tudo

Legislativo e Executivo ficaram tão apequenados nos últimos tempos que o cidadão passou a ver o Judiciário – do juiz de primeira instância ao STF -  como uma espécie de salvador da pátria, o poder que distribui justiça, legisla e decide as questões mais importantes do país. Ainda bem que juízes e tribunais preservam a credibilidade que deputados, senadores, ministros, presidentes e políticos em geral perderam. Nossa democracia estaria em pior situação se os três poderes estivessem no sal da opinião pública.

Não deixa de ser uma certa anomalia a hipertrofia do único poder cuja legitimidade não deriva do voto, uma disfunção do sistema representativo, que já não representa como deveria e abriu verdadeiros fossos entre eleitos e eleitores. Os juízes não têm culpa disso. Alguns acabam endeusados por combater e condenar a corrupção.

O STF nunca legislou tanto, botando o nariz em questões que, antigamente, desconhecia sob o argumento de se tratarem de assuntos de “economia interna” de outros poderes. Na verdade, está preenchendo um vácuo institucional deixado por eles. O Congresso não faz leis, o Supremo, provocado, toma decisões que viram leis. Cada vez mais, também, são instados a corrigir atos e erros de autoridades do Executivo e do Legislativo erram.

Nessa toada, o STF decidiu e continua decidindo quem pode e quem não pode ser ministro, mandou prender um senador (mas manteve outro na presidência do Senado), afastou o presidente da Câmara, fiscalizou e legitimou o impeachment de uma presidente com base em pedaladas fiscais, interferiu na relação entre a União e um estado devedor que não cumpriu sua obrigação e, algum momento, como instância superior ao TSE, decidirá se o atual presidente deve ou não cumprir o mandato até 2018 ou ser afastado antes por irregularidades na chapa eleitoral.

Sem contar decisões que interferiram no processo legislativo, como a inédita liminar que mandou um projeto que já estava no Senado de volta à Câmara e zerou sua tramitação – mais ou menos como se deputados e senadores quisessem interferir na distribuição de processos entre ministros no Supremo. Tudo isso ocorreu num espaço de mais ou menos um ano.

Não há como um juiz, ou um tribunal, recusar-se a julgar questões que são colocadas pela sociedade ou pelos outros poderes sob sua responsabilidade. Uma coisa, porém, é estar à altura do momento histórico, tomar decisões para fazer justiça e contribuir para a preservação da democracia e do Estado de Direito.

Outra, bem diferente, é ficar inebriado pelo excesso de poderes e querer dar todas as ordens no estabelecimento. É aí que mora o perigo. Nos últimos tempos, estivemos por várias vezes à beira de confrontos institucionais entre os poderes. Foram bombas desativadas de última hora, mas que deixam suas marcas no frágil sistema político e na imagem interna e externa do país. Por isso, hoje todo cuidado é pouco.

Nada mais justo, por exemplo, do que reduzir a prerrogativa de foro a um número mínimo de autoridades, e restringir essa condição aos crimes cometidos na função – proposta do ministro Luís Roberto Barroso. Afinal, a prerrogativa é do cargo, não de seu ocupante. Com isso, limitar-se-iam a poucas dezenas as mais de 20 mil autoridades que superlotam os tribunais superiores. Impossibilitados de dar andamento célere a tantos processos, acabam por transformar tempo em absolvição, risco que agora ronda a Lava Jato.

Só que a engenhosa ideia de Barroso tem que ser viabilizada por proposta de emenda à Constituição, segundo avaliação de boa parte do mundo jurídico, já que a prerrogativa de foro está claramente prevista em seus dispositivos. É estapafúrdia a intenção de integrantes do STF de disciplinar o assunto num processo relativo ao prefeito de Cabo Frio, mudando o entendimento e as regras do foro privilegiado por interpretação.

Isso, sim, é mais uma bomba. Ainda que a causa seja justa, e tenha o claro apoio da maioria da sociedade, uma decisão assim vai cheirar a usurpação das prerrogativas do Congresso de votar e aprovar mudanças no texto da Constituição.

Não é porque o Legislativo, salvo exceções, é ruim, impopular e cheio de acusados de corrupção, que se deva mexer em uma vírgula sequer de suas atribuições legais e constitucionais. O Congresso é  ruim, mas é o que temos, e sem ele a situação seria muito pior - certeza afiançada por todos que viveram o fechamento, as cassações e as restrições ao Legislativo nas trevas da ditadura.

A ordem, portanto, deveria ser: muita calma nessa hora, sobretudo para quem está com a faca e o queijo na mão, como o Judiciário. Ele, sim, é a pinguela que pode nos levar em segurança até 2018. Quando, quem sabe, exerceremos com juízo  o sagrado direito do voto e poderemos consertar alguma coisa.

Helena Chagas, jornalista e ex-ministra-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (2011-2014)

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