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Ordenamento territorial. O caso de Itumbiara

A cidade é estrutura viva; se movimenta, pulsa, possui nervuras e sensibilidades em toda a sua totalidade. Na cidade, tudo é cidade; nada lhe nega ou contraria e tudo lhe é parte, complemento e fração. Não é possível intervir no ambiente urbano sem identificar e reconhecer esses aspectos.

Dito isso é necessário dizer que o título que dá nome para este artigo é uma armadilha. Cuidado para você não ser capturado pela estilística do texto; pela sonoridade das palavras e pela coerência do escrito. Estou me referindo precisamente, ao "ordenamento territorial". É que o "ordenamento", uma derivada de "ordem", mais atrapalha do que ajuda; mais complica do que explica; mais enturva do que ilumina. É termo que pouco ou nada diz; que sugere pouco ou nenhum vínculo com o mundo concreto de chão, pó e cimento da cidade. Em outros termos, não é possível um ordenamento territorial minimamente sério em Itumbiara porque, tão somente, os "donos da cidade" assim não admitem.

Mas, confesso: é proposital! Começo por indagar como ordenar territórios dominados pelo estranha e predatória fornicação do combinado da especulação imobiliária com a devastadora especulação advinda do agronegócio? Como gerar alguma sorte de ordenamento notadamente eficaz e de efetiva importância em territórios historicamente dominados por fazendeiros, não raro, grileiros ou por grandes empresas do chamado agronegócio?

Há um grave problema político no meio do caminho! Evidentemente temos dispositivos jurídicos e institucionais dos mais importantes como, por exemplo, o Estatuto das Cidades e que orienta formas democráticas e participativas para a redefinição e o reordenamento de áreas urbanas; que, em síntese, se esforça por democratizar a cidade e as formas para a sua gestão.

Ocorre que sem o resgate do caráter e da dimensão política da cidade, outrora papel, sobremaneira, do poder público esse intento não será logrado; sem a alteração dos conteúdos e referenciais que determinam a cidade atual, apropriada, privatizada e submetida aos caprichos e determinações de meia dúzia de grandes proprietários esse necessário ideal não será atingido.

Itumbiara possui mais de setenta e cinco bairros distribuídos de maneira disforme e desigual em 2.464,510 km2 de área (IBGE/2015) onde 101.544 habitantes vivem (ou sobrevivem!); pela ação da atividade especulativa e que envolve corretores, bancos, imobiliárias, agiotas, empresas de segurança, construtoras, escritórios de advocacia e, é claro, seu sócio apriorístico, a prefeitura municipal, as áreas tendem a ter seus preços elevados mesmo em períodos onde a economia está aquecida, de maneira que, morar com dignidade e decência nessa cidade é privilégio para poucos.

Não é exagero, mas a especulação imobiliária por essa banda é cultura econômica ou subeconômica; em um passeio pela Avenida Afonso Pena, uma das principais da cidade, é fácil detectar a quantidade de áreas ociosas e sem qualquer tipo de utilidade, a não ser, o fim bizarro e deletério da especulação.

O mesmo pode ser dito para a paisagística Avenida Beira Rio. Lócus habitacional e simbólico dos ricos e abonados da cidade, uma simpática gente branca, bonita, de direita, bem vestida e endinheirada. Estou referindo-me a uma praça de tipo linear de aproximadamente seis quilômetros de extensão e que apresenta mais de quarenta grandes e importantes áreas integralmente ociosas, sem qualquer tipo de utilização ou fim, a não ser e, de novo, a especulação.

Tenho dito em aulas, textos ou conferências que existe um custo para a manutenção de tantas áreas vazias, sem utilidade objetiva, social, pública e ambiental. Como não são utilizadas, elevam automaticamente o metro quadrado do chão urbano. O custo? É que a maioria das pessoas não pode morar; não tem acesso a uma mísera habitação popular. Esse é o custo direto! Disse-me certa vez e sabiamente, um camponês: "professor... É terra para a engorda!". Precisamente isso!

De forma panorâmica, tem-se um algo como mais de cinco mil lotes/áreas em Itumbiara aberta e escancaradamente ociosas, sem qualquer utilização social o que agrava grandemente o problema da moradia. É como se dentro da cidade houvesse uma outra cidade! E de fato, há; uma ampla cidade vazia, oca, estéril, desabitada enquanto milhares de cidadãos honestos e trabalhadores "se viram" como podem na quebrada, na "perifa", nas bordas das periferias com "as fuças" enfiadas em canaviais oceânicos e envenenados! E tudo isso, é claro, com os olhos embasbacados de um povo social e territorialmente marginalizado, vivendo em ermos, em "puxadinhos", a partir de favores familiares ou em aluguéis de preços astronômicos.

Pois bem... O ordenamento territorial começa, primeiro, com a definição de cidade, de suas funções e objetivos; passa pelo interesse público e não pela sanha de ladrões do chão social e público para a engorda de suas contas bancárias e, finalmente, um ordenamento de efetivo interesse público só acontece com o envolvimento popular na afirmação do direito à moradia.

Sem esses itens essenciais e definidores... Seguiremos na lástima urbana; na perversão social e territorial; lançados na "não-cidade" e que é a cidade do capital.

(Ângelo Cavalcante, economista e  professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), campus Itumbiara)

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