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OPINIÃO

A ADUFG e a identidade autoritária do “sindicalismo de enquete”

Em sua atuação na gestão que agora exibe seus estertores, a direção atual da ADUFG logrou conservar a capacidade para impressionar, ainda que desde há muito tenha perdido a de propriamente surpreender, dado o histórico dos seus compromissos e de suas decisões com relação às diversas mobilizações dos docentes. Em uma palavra, o sindicato de entretenimento e de serviços – que se exprime tanto mais como associação privada para fins de entretenimento e de serviços quanto mais insiste em se autonomear sindicato – assumiu como sua tarefa precípua combater toda e qualquer mobilização dos professores que implique em debate público, participação presencial e oposição política. Seus diretores, alguns dos quais defendem publicamente posições políticas espantosas (incluindo membros da comissão de reforma do estatuto), vêm sendo bastante exitosos em seu propósito.

A mais recente iniciativa desta gestão é a proposta de alteração do estatuto da entidade, a ser decidida em uma reunião extraordinária convocada para o próximo dia 07 de março. Dentre as inúmeras alterações propostas, consistentes com a tarefa mencionada acima, destaco duas – impressionantes, mas não surpreendentes – nas quais podemos vislumbrar o espírito, por assim dizer, de toda a proposta. Do emaranhado de alterações terminológicas nada triviais nem ingênuas radia a proposta de legitimar a tomada de decisões fundamentais via enquete eletrônica (destituição de membro da diretoria, alteração do estatuto, definição sobre greve e dissolução da entidade) e, com exceção da definição sobre greves (apenas porque a legislação proíbe!), a exigência de aprovação de 2/3 dos sindicalizados para que seja tomada qualquer decisão nesse sentido.

Regozija-se assim o sindicato das procurações, cuja diretoria chega às reuniões com a despudorada segurança de que seus pleitos já estão previamente aprovados por aqueles que, sem justificativa maior, sequer se deram ao trabalho de debater com seus pares e justificar suas posições ou mesmo de se deslocar de seus espaços privados para intervir no que é comum. Poderá assim continuar a enviar seus emissários, até diretores de unidades acadêmicas, para sair à cata da "maioria por procuração".

Por que não definir também no estatuto um limite percentual para a votação por procuração e a exigência de que sejam apresentadas justificativas, mesmo pessoais, para a votação via procuração? Porque é exatamente isto o que não interessa. Qual o sentido de estar presente a uma assembleia e ser vilipendiado por expedientes como o das procurações? Com as modificações propostas para o estatuto a atual diretoria da associação/sindicato pavimenta deliberadamente o caminho para a consolidação daquela tirania da maioria que tanto atormentava os pensadores políticos da venerável tradição liberal-republicana que pensava a sério a democracia, como John Adams, Tocqueville e John Stuart Mill, a tirania de uma maioria que por ser quantitativamente maioria não se dá ao trabalho de prestar conta qualitativamente de suas decisões.

Benjamin Constant, o pensador francês desta mesma venerável tradição, em seu elogio à liberdade dos modernos e em sua consequente defesa da liberdade privada, não deixou de assinalar, todavia, que a liberdade política é uma garantia da liberdade privada, e que a renúncia à participação política equivale à loucura daquele que, “sob o pretexto de habitar no primeiro andar, pretendesse construir sobre a areia um edifício sem fundações”.

Vale citá-lo um tanto mais: “A obra do legislador não é completa quando apenas tornou o povo tranquilo. Mesmo quando esse povo está contente, ainda resta muita coisa a fazer (…). Respeitando seus direitos individuais, protegendo sua independência, não perturbando suas ocupações, devem, no entanto, consagrar a influência deles sobre a coisa pública, chamá-los a participar do exercício do poder, através de decisões e de votos, garantir-lhes o direito de controle e de vigilância pela manifestação de suas opiniões e, preparando-os desse modo, pela prática, para essas funções elevadas, dar-lhes ao mesmo tempo o desejo e a faculdade de executá-las”.

O que vem a lume, não obstante, é um novo tipo de sindicalismo: não o sindicalismo de resultados (tão abundante quanto execrado desde os anos 1990), mas o sindicalismo de entretenimento e de serviços, um sindicalismo sem resultados, esvaziado de qualquer atuação que implique em luta e resistência políticas, uma versão eletrônica da democracia plebiscitária que revela sua filiação política autoritária na recusa ao debate, na dispensa da argumentação e do convencimento e na desqualificação da mobilização.

A proposta está em inteira sintonia com os tempos atuais. Esqueceram-se seus propositores de que os nossos são tempos sombrios e de exceção e que estar em sintonia com uma época na qual há muito a temer não é propriamente algo de que se possa ufanar - e em tempos como estes as infâmias são a um só tempo políticas e éticas. Está também em harmonia com a natureza da federação a que se filiou, desde o início adesista e que só sabe atuar no sentido da desmobilização: só sabe atuar como situação, mesmo que a situação seja a de catástrofe.

Este novo sindicalismo simula acreditar que a disputa pela valorização do ensino superior público e da profissão docente pode ser alcançada com relatórios técnicos e reuniões “técnicas” com representantes do governo. No caso do desmonte da previdência, por exemplo, o sindicato tem cumprido bem a função de esclarecer seus filiados sobre os direitos que eles perderão, mas não é capaz de apontar uma única direção no sentido de mobilizar a categoria para tentar não perder os direitos que foram alcançados ao longo de acirradas disputas e agudos sacrifícios.

Ingressei na UFG há mais de uma década e logo em seguida me filiei à ADUFG e sigo filiado desde então, não porque tenha sempre ou na maioria das vezes concordado com o que fizeram suas diretorias, mas porque achava que era importante politicamente o vínculo e a disputa pelos processos que se desenrolavam na entidade, assim como que era conveniente desfrutar dos serviços que ela oferecia.

Com a provável implantação destas modificações no estatuto com vistas à consolidação de uma compreensão antipolítica da atuação sindical, e como presentemente não tenho estômago nem tempo para me envolver na disputa por sua diretoria (espero que colegas com percepção republicana da política os tenham), não vejo razão para continuar a contribuir para a sustentação da entidade enquanto filiado – pode ser a gota d’água. É possível que eu não seja o único a desejar parodiar Chico Buarque e dizer da “pesada impressão de que já vou tarde”.

(Adriano Correia, 41, é professor associado e diretor da Faculdade de Filosofia, bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq e presidente da Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia - Anpof)

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