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Jarbas Jayme: patrono da genealogia goiana

A genealogia é uma ciência que estuda a história das famílias, subsidiária de ciências afins, como a história, economia, sociologia e direito. Muito desenvolvida na Europa, Estados Unidos, Índia e China, a genealogia no Brasil, embora menos conhecida, teve grande avanço através dos trabalhos do historiador e militar paulistano Pedro Taques de Almeida Paes Leme (1714-1777), autor do memorável Nobiliarchia Paulistana Histórica e Genealógica (Edusp/Itatiaia, 1980, 3 volumes) e do militar, engenheiro e historiador Luiz Gonzaga Silva Leme, natural de Bragança Paulista (n. 03/08/1852 – f. 13/01/1919), que escreveu a obra Genealogia Paulistana (Duprat & Comp., 1901 a 1905, 9 volumes).

Ainda não foi devidamente esclarecida a origem dessa ciência no Estado de Goiás, mas há menções de origens familiares em livros de biografia ou de viagens, como no clássico Viagem à Província de Goiás, do francês Saint-Hilaire e em diários pessoais, como nos Diários de Ana das Dores Fleury – Inhazinha – genearca das tradicionais famílias Fleury e Curado (inédito) e nos Diários do coronel João Gonzaga Jaime de Sá – genearca da família Jaime – que teria 58 volumes, de acordo com Jarbas Jayme, mas cujos quatro volumes remanescentes encontram-se, infelizmente, desaparecidos

O primeiro estudioso a dar forma científica e sistematizar a genealogia no Estado de Goiás foi Jarbas Jayme (n. 19/12/1895 – f. 21/07/1968) que publicou, em 1952, o livro Do Passado ao Presente: Ensaios Genealógicos (Ed. do autor, 111 páginas), onde expôs as linhagens originais brasileiras das famílias Sá, Jaime, Sócrates, Cicero, Confúcio, Sêneca, Goulão e Corrêa, Curado, Campos, Fleury, Faro, Vergueiro e Gáudie Lei, além de outras afins.

De origem portuguesa (por João Ramalho – patrono dos bandeirantes – e Família Coelho/Fleury), espanhola (Famílias Bueno e Camargo) e goyaná (Cacique Tibiriçá, maioral dos Goyanases, protetor da Vila de São Paulo de Piratininga), Jarbas Jayme, o patrono dos genealogistas goianos, nasceu na fazenda Água Limpa, propriedade de seu pai, no município de Meia-Ponte (atual Pirenópolis, GO), conforme biografado no livro Família Jaime/Jayme: Genealogia e História (Kelps, 2016, 1.148 páginas). Era filho de Sisenando Gonzaga Jayme, neto do coronel João Gonzaga Jaime de Sá e bisneto do comendador padre Luiz Gonzaga de Camargo Fleury, presidente da Província de Goiás (1837-1839) e editor da Matutina Meiapontense (sic) primeiro jornal da Província de Goiás e do sertão brasileiro.

Jarbas Jayme foi comerciante, historiador, linhagista, escritor, jornalista, professor, funcionário público e político. Fez os estudos primários em sua cidade natal e ali iniciou o secundário, que concluiu como aluno interno no Seminário de Santa Cruz, em Ouro Fino, cidade de Goiás (1902 a 1911). Percebendo-se destituído de vocação sacerdotal, mudou-se para Jaraguá, dedicando-se à atividade agropastoril (1912 a 1922), até se transferir para Anápolis, em 1923. A partir daí, ocupou uma série de cargos e funções públicas, que dão mostras de sua capacidade intelectual e da imensa credibilidade de que gozava em todo o Estado de Goiás.

Em Anápolis exerceu as seguintes funções: a) professor primário (nomeado em 28/02/1923 pelo intendente Odorico da Silva Leão); b) delegado de polícia (em 19/02/1924, no governo do coronel Miguel da Rocha Lima); c) fiscal geral do município (nomeado em 05/10/1925); d) coletor municipal (nomeado em 01/12/1925 pelo intendente Graciano Antônio da Silva); e) professor do Grupo Escolar Dr. Brasil de Ramos Caiado (nomeado em 10/10/1927); f) procurador fiscal do município (nomeado em 07/02/1928); e g) secretário da prefeitura (nomeado em 11/03/1933).

Ocupou diversos outros cargos em vários municípios goianos: a) fiscal geral do município de Bonfim (Silvânia) (1933-1934); b) procurador fiscal do Município de Pirenópolis (nomeado em 15/10/1935); c) secretário municipal da Prefeitura de Pirenópolis (nomeado em 10/01/1936); d) secretário da prefeitura municipal de Palmeiras (jan. 1938 a 1942); e) prefeito interino de Mataúna (Palmeiras de Goiás) (nomeado em 09/04/1943); f) prefeito efetivo de Mataúna (decreto do Interventor Pedro Ludovico, em 04/07/1944); afastado dessa função, em virtude do movimento de 29/10/1945, foi a ela reconduzido por decreto de 19/02/1946 do interventor federal, general Felipe Antônio Xavier.

Foi diretor e um dos fundadores da Escola Normal de Anápolis, como também da Escola Normal Padre Gonzaga, de Pirenópolis. Em Palmeiras, GO, hoje Palmeiras de Goiás, para onde se mudou em 1937, foi comerciante e professor da Escola Normal Gercina Borges Teixeira, além de editar o jornal Palmeiras (1939). Foi durante sua residência nessa cidade que escreveu seu primeiro livro, Cinco Vultos Meiapontenses (1943), editado pelo Colégio Genealógico Brasileiro. Nesse livro relata a vida do general Xavier Curado, do comendador Joaquim Alves de Oliveira, do comendador padre Luiz Gonzaga de Camargo Fleury, José Joaquim do Nascimento e Silva – Vigarinho – e do desembargador e senador Luiz Gonzaga Jayme. Em 1951, mudou-se de Palmeiras de Goiás para Goiânia, a fim de ocupar o honroso cargo de Chefe de Polícia do Estado – atual Secretário de Segurança Pública – no governo Pedro Ludovico Teixeira.

Vibrante e atuante Jornalista, escreveu para diversos jornais: O Anápolis; A Imprensa; O Araguari; Lavoura e Comércio, de Uberaba; Diário de Notícias, de Ribeirão Preto; Matutina, de Pirenópolis; O Ipameri; Cinco de Março, de Goiânia e vários outros. Para exercer livremente seu jornalismo, utilizou vários pseudônimos, destacando-se Rubro, Ferrabraz, Jajay, Príncipe Negro, Lilases e muitos outros. Associou-se no lançamento do jornal Voz do Sul, em 1930, e no ano seguinte, O Verbo. Sua atividade de combativo jornalista lhe granjeou muitos amigos e inimigos.

Impôs-se como prolífico genealogista e diligente historiador. Além do citado Cinco Vultos Meia-pontenses (1943), escreveu, sucessivamente, Do Passado ao Presente (1952), Anedotário Meia-pontense (1958), Vale Seis (1958), Esboço Histórico de Pirenópolis (1971) e Famílias Pirenopolinas (1973), os dois últimos publicados após sua morte. Famílias Pirenopolinas foi publicado em cinco volumes e descreve a genealogia de 145 famílias que tiveram origem ou viveram em Meia-Ponte (Pirenópolis). Esse livro é a maior obra genealógica já escrita em Goiás e coloca o biografado entre os grandes genealogistas do Brasil.

Uma terceira obra de Jarbas Jayme, deixada incompleta, foi finalizada por seu filho José Sisenando Jayme, tendo os livros vindo a lume em 2003, pelas mãos de sua neta Maria José Jayme (Bizeh), que os publicou sob os auspícios da Universidade Católica de Goiás (UCG), Instituto de Pesquisa e Estudos Históricos do Brasil Central (IPEHBC) e da Sociedade Goiana de Cultura (SGC). Trata-se de publicação em coautoria entre Jarbas Jayme e José Sisenando Jayme, em dois volumes: Pirenópolis: Casa de Deus, Casa dos Mortos e Pirenópolis: Casa dos homens, prefaciados por Oscar Niemeyer e ilustrados pelo artista plástico pirenopolino Pérsio Ribeiro Forzani.

Jarbas Jayme deixou, segundo relatos de seu filho José Sisenando, outro livro inédito: Os Sumos Pontífices, grande trabalho histórico sobre os papas, a partir de São Pedro, concluído poucos meses antes de sua morte. Durante a preparação do livro Família Jaime/Jayme: Genealogia e História, este autor procurou pelos originais desse trabalho, com esperança de encontrá-lo no Instituo Histórico e Geográfico de Goiás (IHGG), onde estão arquivados seus guardados, na sala Jarbas Jayme. As buscas foram infrutíferas. Espera-se que algum parente os tenha sob sua guarda, para ser publicado posteriormente.

Jarbas Jayme foi membro do Instituto Genealógico Brasileiro e da América Latina. É patrono da cadeira nº 26 do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás (IHGG), atualmente vaga. Na Academia Goiana de Letras (AGL) é Patrono da Cadeira 34, cujo fundador foi Waldir Luiz Costa, que foi sucedido por José Júlio Guimarães Lima, José Asmar e Maria Augusta Sant’Anna Moraes. Na Academia Anapolina de Letras e Artes (AALA) é Patrono da Cadeira nº 1, de que foi titular Adahil de Amorim. Da mesma forma, é patrono da Cadeira nº 1, na Academia Pirenopolina de Letras, Artes e Música (Aplam), ocupada sucessivamente por José Sisenando Jayme, Maria José Jayme e pelo atual titular, Fausto Jaime. Por ocasião do centenário da cidade de Palmeiras de Goiás – em 2005 – e fundação da Academia Palmeirense de Letras, Artes e Música (APLA), foi homenageado como patronímico da Cadeira nº 5, cujo titular é Nilson Gomes Jaime – este autor.

Entre as muitas homenagens que recebeu, o Governo do Estado de Goiás nominou Rodovia Jarbas Jayme a que liga Pirenópolis à BR-154 (trecho Anápolis-Jaraguá); e também o Colégio Estadual Jarbas Jayme, no setor Sudoeste, em Goiânia. Além disso, Palmeiras de Goiás e Pirenópolis homenagearam-no com Rua Jarbas Jayme importantes vias de seu traçado urbano.

Em Palmeiras, para onde se mudou, provavelmente enviado por Pedro Ludovico, em 1937, a fim de fazer contraponto do ludoviquismo ao seu primo e adversário local, Dr. José Mendonça, era respeitado, porém severamente combatido por seus parentes, devido às divergências partidárias. De um lado Jarbas Jayme, como um dos bastiões do governo estadual; de outro, seu tio Ranulpho Jayme – frederiquista e caiadista, liderado por seus sobrinhos José Mendonça e João Mendonça – capitaneando a maioria dos descendentes do Coronel Jaime em Palmeiras. Enquanto secretário municipal naquela cidade, Jarbas Jayme deixou valiosos escritos, em livros de atas, sobre a história e a vida social daquele município. Este autor chegou a lê-los entre os anos de 1993 e 1994, quando ocupou o mesmo cargo na Prefeitura daquela municipalidade. Em Palmeiras, teve Jarbas Jayme casa de comércio na Rua Floriano Peixoto, esquina com Couto Magalhães, no centro da cidade.

Retornando a Pirenópolis, a partir de 1955, dedicou-se a escrever sua obra prima Famílias Pirenopolinas, além de Esboço Histórico de Pirenópolis. “Sua casa tornou-se centro de peregrinação, obrigatória a todos quantos demandavam à velha Meia-Ponte, seja para matar saudades, seja para conhecer as tradições, a feição colonial e o folclore da vetusta cidade. Conversador fluente, brilhante e culto, Jarbas Jayme a todos encantava com a sua prosa magnífica, que transformava as horas em minutos” (José Sisenando Jayme).

Em entrevista a este autor (setembro de 2015), sua filha Eugênia Jaime Morais relata que, “Quando tomava conhecimento de possíveis informações, no município ou alhures, buscava por alguém que lhe emprestasse um cavalo, a fim de ir encontrar a pessoa que lhe fornecesse os dados de que precisava, cavalgando por léguas e dias seguidos”. Possuidor de parcos recursos, e já combalido pela doença, era sempre visto vestindo seu emblemático pijama listrado, no escritório de trabalho de sua residência, na Rua Direita, em Pirenópolis.

Na cidade de Anápolis, em 05/05/1915, casou-se com a anapolina Maria Diná Crispim (n. 05/06/1898 – f. 12/09/1947), filha de Antônio Crispim de Sousa e de Maria Elisa da Costa, com quem teve oito filhos. Separando-se, constituiu aliança em relação estável, a partir de 29/04/1938, com sua prima e conterrânea Dailde de Araújo, filha de Joaquim de Araújo Goulão e de Celestina Afonso Pereira, com quem teve três filhos. Gerou, ainda, uma filha, Lázara Fernandes de Morais, nascida de Rosa Lopes e neta de Salomão Jaime Lopes e de Maria Inácia de Jesus.

Teve Jarbas Jayme doze filhos, sendo oito de seu primeiro casamento, três do segundo e uma filha de um relacionamento casual. Entre seus filhos, destacaram-se o genealogista e professor José Sisenando Jayme (1916-1995), o músico e maestro Sisenando Gonzaga Jaime (1917-1985), o advogado e poeta Paulo Jaime (1924-2014), a escritora Haydée Jayme Ferreira (1926-1999) – primeira dama das letras anapolinas –, o procurador, poeta e professor de inglês Décio Jaime (1927-1989) e o procurador Fábio Dajar Jayme (n. 1938), um dos três remanescentes. Sua vasta descendência destaca-se no direito, na música, no jornalismo, na literatura, na engenharia e no magistério superior.

Faleceu Jarbas Jayme – o homem que deu luz às famílias pirenopolinas – patrono da genealogia goiana, na madrugada do dia 21 de julho de 1968, no Hospital Evangélico de Anápolis, “minado por dolorosa e crônica enfermidade, que lhe vinha destruindo o físico, lenta e pertinazmente, há mais de vinte anos”, nas palavras do Professor José Sisenando Jayme. Está sepultado esse egrégio pirenopolino e incansável genealogista no Cemitério São Miguel, em Pirenópolis, terra de seus antepassados.

(Nilson Jaime, mestre (M.Sc.) e doutor (D.Sc.) em Agronomia, genealogista e autor do livro Família Jaime/Jayme: Genealogia e História. Contatos: (62) 9 8431-2121. [email protected])

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