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Mensalão, nova visão do escritor Marco Antônio Villa

Há algumas semanas, nas páginas deste mesmo jornal, escrevi um artigo sobre o “Mensalão”, enfocando o “dia a dia do mais importante julgamento da história política do Brasil”, na visão de Merval Pereira, com prefácio do ministro Carlos Ayres Britto, e nota do Editor, em que o ilustre jornalista informa que “este livro reúne artigos publicados em ‘O Globo’, entre 2 de agosto e 11 de dezembro de 2012. E acrescenta que, “para além do prefácio do ex-ministro Carlos Ayres Britto, há outros dois textos inéditos, que Merval Pereira produziu especialmente para este livro: ‘Fecho de ouro’, dedicado à última sessão de julgamento do ‘mensalão’, consistente ensaio político, “que reflete sobre os mais de quatro meses em que a apreciação pública de um processo pelo plenário do Supremo Tribunal Federal apontou para a maturidade democrática da sociedade brasileira”.

Agora, o “Mensalão” de Marco Antônio Villa, que acaba de vir a lume, tendo como subtítulo “O Julgamento do maior caso de corrupção da história política brasileira”, 390 págs., Editora LeYa, traz, in limine, sábias palavras do ministro Celso de Mello: “Esse processo criminal revela a face sombria daqueles que, no controle do aparelho de Estado, transformaram a cultura da transgressão em prática ordinária e desonesta de poder, como se o exercício das instituições da República pudesse ser degradado a uma função de mera satisfação instrumental de interesses governamentais e de desígnios pessoais. Esse quadro de anomalia revela as gravíssimas conseqüências que derivam dessa aliança profana, desse gesto infiel e indigno de agentes corruptores, públicos e privados, e de parlamentares corruptos, em comportamentos criminosos, devidamente comprovados, que só fazem desqualificar e desautorizar, perante as leis criminais, a atuação desses marginais do poder. Estamos a condenar não atores políticos, mas protagonistas de sórdidas práticas criminosas. Esses delinqüentes ultrajaram a República.  É o maior escândalo da história  (palavras do ministro Celso de Mello, Decano do Supremo Tribunal Federal).

Eis, a seguir, uma síntese desse processo, documento histórico que fica como atestado da degradação dos costumes político-administrativos de nosso tempo, sob a égide do Partido dos Trabalhadores, o famigerado PT, que, supostamente, teria galgado os poderes da República, a pretexto de purificar seus instrumentos de governança.

Tudo começou com uma reportagem da revista ‘Veja’, edição de 15 de maio de 2005, em que Maurício Marinho, funcionário de carreira e diretor dos Correios, cobrando R$3.000,00 (Três mil Reais) de propina de empresa interessada em participar de licitação pública para oferecer material de informática para a estatal referida. Na gravação, Marinho afirma que é o deputado federal Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB, quem lhe daria cobertura. Todavia, a Executiva Nacional desse partido negou qualquer relação entre o Partido e o chefe do Setor dos Correios, e declarou confiar na ‘honestidade’ e ‘correção’ de seu presidente, Roberto Jefferson. No programa ‘Roda Viva’, da TV Cultura, o então o ministro da Casa Civil, José Dirceu, afirmou que não via necessidade de prestar solidariedade ao deputado Roberto Jefferson, como pressionavam líderes do PTB, - e que não concordava com a criação de uma CPI dos Correios para investigar as denúncias publicadas na referida revista. Simultaneamente, partidos da oposição começavam a colher assinaturas para a instalação de uma CPI dos Correios, no Congresso Nacional. Era o 16 de maio. No dia 17, Roberto Jefferson se defenderia das acusações, em discurso na Câmara dos Deputados, afirmando ser vítima de odiosa chantagem, e que assinará pedido de instalação de uma CPI dos Correios, pois não teme quaisquer investigações. Partidos de oposição afirmaram contar com as assinaturas necessárias para a instalação da CPI dos Correios, incluindo 13 deputados do PT. Em reunião do partido, o presidente José Genoino declarou ser contra a instalação da CPI, alegando que o governo Lula já havia determinado abertura de investigação quanto às denúncias publicadas na ‘Veja’. Em almoço no Palácio do Planalto, com líderes da base do governo na Câmara, Lula disse ser ‘solidário’ à proposta.

Dia 17 de maio, o deputado Roberto Jefferson divulgou carta proclamando sua inocência. Dia 18, líderes do PFL e PSDB protocolaram pedido de instalação de uma CPI dos Correios, com lista de assinaturas de 46 Senadores e 230 deputados federais. Começavam, então, as movimentações para inviabilizar a instalação da CPI, ou enfraquecer seus trabalhos, caso fosse instalada. Entre as alternativas: Convencer parlamentares a retirarem seus nomes da referida Lista; não haver indicação dos nomes dos membros governistas por parte da base aliada no Congresso; tentar controlar os trabalhos da CPI com a indicação dos cargos de relator e presidente.

No dia 18, líderes do PFL e do PSDB protocolaram pedido de instauração de CPI dos Correios. Lista de assinaturas conta com o apoio de 46 senadores e 230 deputados federais, o mínimo exigido seria de 27 senadores e 171 deputados federais. Começaram, então, as movimentações para inviabilizar a instalação da CPI, ou enfraquecer a realização de seus trabalhos, caso fosse instaurada. O presidente Lula afirmava, então, que a Polícia Federal poderia investigar a acusação de corrupção nos Correios, o que foi entendido como uma forma de mostrar que a instalação da CPI seria, efetivamente, desnecessária.

Pressionado a conceder cargos e a atender às emendas dos parlamentares em meio aos apoios da base governista à instalação da CPI, Lula afirmaria, taxativamente: ‘Não vou vender minha alma ao Diabo para me reeleger’. Deputados retiraram nomes da lista de assinaturas em apoio à criação da CPI dos Correios. Ela passou a ter, então, o apoio de 218 deputados e 49 senadores.

Dia 20, em jantar com o então presidente do Senado, Renan Calheiros, o ministro da Fazenda Antônio Palocci, disse temer que os trabalhos da CPI pudessem repercutir, negativamente, na economia. O senador Renan Calheiros, do PMDB, partido da base aliada do governo, reclamava por mudanças na distribuição de cargos das estatais ligadas ao governo. Considerando inevitável a instalação da referida CPI, líderes do PFL e do PSDB já começavam a articular-se para ocupar a Relatoria da Comissão.

Dia 21, em reunião do PSDB, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou que o País está sem rumo, enquanto o governador de São Paulo declarou que o governo Lula está acuado ‘por um conjunto de denúncias extremamente graves’ e, assim, deve explicações à sociedade. Em reunião do Diretório Nacional do PT, o partido aprovou, por 47 a 19, Resolução que recomendava à bancada não endossar a instalação da CPI dos Correios. Alguns parlamentares do partido, como o deputado Chico Alencar e o senador Eduardo Suplicy criticaram a posição do PT. Dia 22, Lula viajou para a Coreia do Sul, desfalcado de cinco ministros de sua Comitiva que ficaram no Brasil para tentar evitar a criação da CPI dos Correios. Dia 23, o ministro da Articulação Política, Aldo Rebelo, acusou a oposição de promover um clima semelhante à crise de 1954, que levaria ao suicídio do presidente Getúlio Vargas. Rebelo afirmou que a direita tentou desestabilizar o governo, e que, para isso, contaria com o apoio de setores divididos da esquerda, em referência a parlamentares da base aliada que apoiavam a criação da CPI. Em notas, o PSDB e o PT trocaram acusações, e o PT respondeu às críticas de Fernando Henrique Cardoso feitas no dia 21 de maio. O PSDB afirmou, então, que um partido como o PT não tem autoridade para afirmar que os tucanos desejam instaurar uma crise institucional pelo fato de terem empunhado, em passado recente, a bandeira do ‘Fora FHC’ contra um governo importante democrático. Dia 24, a Polícia Federal indicia o ex-diretor dos Correios Maurício Marinho pelos supostos crimes de corrupção passiva e fraude em licitações. O PTB decidiu entregar os cargos que ocupava no governo federal, tais como a presidência e as diretorias das estatais. Com apoio do governo, Severino Cavalcanti, presidente da Câmara dos Deputados, anunciou que iria intalar a CPI do Setor Elétrico. Como as investigações contemplariam o mandato de FHC, o governo esperava que a nova CPI dividiria as atenções com a Comissão dos Correios.

(Licínio Barbosa, advogado criminalista, professor emérito da UFG, professor titular da PUC-Goiás, membro titular do IAB-Instituto dos Advogados Brasileiros-Rio/RJ, e do IHGG-Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, membro efetivo da Academia Goiana de Letras, Cadeira 35 – E-mail [email protected])

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