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OPINIÃO

O drama de uma garnisé

A Tereza trabalha em casa há 40 anos. Humilde como Irmã Tereza de Calcutá. Crente, daquelas que benze, reza e tira toda quarta-feira para ir ao culto de sua igreja, ao claro do dia. Faz tudo por quem ama. E graças a Deus nós a amamos e ela a nós. Resolveu a bondosa serviçal presentear o meu filho Max, um rapaz de trinta e poucos anos, com uma prenda que ele simplesmente adora: um casal de garnisés.

A veterana colocou as pequenas aves numa caixa de Q. Boa e entrou no ônibus. Para chegar à nossa casa, o coletivo teria que atravessar toda a cidade de sul a norte e carregando  a caixa de papelão, explosiva, contendo os galináceos. Ela, “seu segredo”, no meio de uma espremida massa de gente. “E se esse galinho começar a cantar aqui dentro?” Pensou Tereza, razão esta que a preocupou.  “Ou o motorista me bota pra fora ou alguém entre os passageiros joga a caixa estridente janela afora”. A bondosa senhora ficou aflita. Chegou a tremer. No ambiente, o vozerio dos passageiros era intenso. “E se essa “sirena” destampar seu agudo e comprido cacarejo?” Botou sua encomenda bem no cantinho do banco e o cobriu com sua bolsa, ficando, assim, mais aliviada.  O alarido das vozes alteradas era sobre todo assunto no coletivo.  De repente.....

Cocoricóooooooooooooooooooooooooooooooooauc! Oooooooooooooooo! Auuuuuuuuuuu crach! Oooooou....

–– Meu Deus! Murmurou Tereza, que pensou (Eu devia ter amarrado o bico      dele... mas nem lembrei...) e começou a rezar em silêncio: (Senhor! Pai Nosso que estais nos céus...) Houve um silêncio tumular, todo mundo assustado, procurando o galo por todo lado –– e naaaada! E a diarista rezando labialmente, sem demonstrar que o fazia.

–– O que foi isso? Um galo? Indagou alguém.

–– Sinal que meu time vai ganhar! Disse um sonhador. Desde quando eu era criança, sonhava que a Chata iria ganhar do Goiânia e nunca isto acontecia. Até que desacorçoei. Mas continuo fã da Rubra por conta dos jogadores que ficaram imortais: Iberê, Fogueira, Pinguim, Campeão, Paulo Bolão, Nelson Parrila, Timóteo, Catalão ,etc (que mandava a bola tão alto, mas tão alto, verticalmente, que os craques a esperavam, sentados). Assombrados com o grito alongado e um tanto assustador (a pequena ave se achava sufocada) os passageiros se calaram e ninguém ousava, sequer, perguntar pelo autor do som alto e arranhado que ouviram.

Na primeira parada do “busão”, Tereza zarpou dali, levando sua caixa de Q Boa escondida na sua blusa de frio. Chegou à casa, botou o pacote num cantinho da varanda e não mais se lembrou dele. Eu me levanto, estou na hora do café, quando me surpreendo com um canto mal rascunhado do pequeno galo. “Uai! Um garnisé? Mas aonde?” E procurava o nanico por todo lado. Não sabia nada sobre o presente da cozinheira ao Max.

Gritei pela Maria e Tereza para que me explicassem sobre as avezinhas. Não as achei. Mas me intrigava aquele cocoricó zoando dentro de casa. Quando, enfim, encontrei a doméstica, ela me contou toda a história do ônibus e do seu pequeno tenor. Tudo bem. Mas na hora em que o Max foi pegar o galinho pra levar pro lugar certo, ele  fugiu pelo portão e foi esmagado por um carro que passava, dos tantos que circulam perto de casa, onde tem uma escola. O rapaz chorou, reclamou dos automóveis, dos aviões, do governador de Goiás, do prefeito e dos vereadores. Mas contentou-se com a garnisé humilde, caladinha, que acabara de ficar viúva. E não o sabia. Conformei o Max: um galinho desses quando começa a cantar é chato, não para mais, já imaginou dois? Com aquele que tem na chácara? Vão ser noites anárquicas, quando ninguém conseguirá dormir!

(Iron Junqueira é escritor)

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