Home / Opinião

OPINIÃO

O paraíso sob um novo olhar

No ano de 2006 foi traduzido ao português um livro bastante peculiar. De autoria do alemão Heinrich Krauss, “O Paraíso: De Adão e Eva às Utopias Contemporâneas” é uma uma obra escrita de maneira simples, o que não impede que se perceba em suas páginas a extraordinária erudição de seu autor. Nascido em 1922, em Munique, Krauss se tornou, ao longo de sua vida, jurista, filósofo, teólogo e roteirista de cinema. Com estudos realizados em seu país natal, França e Estados Unidos, especializou-se ainda em história da arte e cultura ocidental.

Com essa trajetória intelectual, Heinrich Krauss se debruçou durante muitos anos sobre o tema que dá título a esse seu trabalho. Ao publicá-lo, apresentou o resultado de suas pesquisas de maneira bastante didática, simples, mas não simplória. Assim, ele apresenta ao longo das 223 páginas que foram traduzidas por Mário Eduardo Viaro, numa publicação da Editora Globo, o panorama quase completo da tradição ocidental para a temática paradisíaca.

O intelectual alemão contempla em seu trabalho as mais diversas facetas que se estruturam em torno do paraíso e sua representatividade na cultura da civilização. Assim, por exemplo, o paraíso judeu, o seu congênere cristão e o islâmico são abordados pelo autor com riquezas de informação que contribuem para a formação de seu leitor. Uma caracterização bastante interessante disso em “O Paraíso...” é a exegese que a psicanálise fornece sobre a alegoria de Adão e Eva e o relato bíblico de suas peripécias enquanto viviam no ambiente edênico.

Do tratamento psicanalítico para a alegoria do Éden o autor abre para a referencialidade literária, apresentando suas considerações sobre duas obras fundamentais da literatura no Ocidente. Assim, “Paraíso perdido” e “A Divina Comédia”, de John Milton e Dante Alighieri respectivamente, dialogam com o olhar da psicanálise em torno das representações literárias para a vida além das limitações físicas.

Heinrich Krauss traz, ainda, a apresentação de como seria a vida no além em culturas diversas, como a hinduísta, a budista e a mística que perpassa fases da Idade Média. Em todas elas, representações bastante específicas de como seria a vida após a vida nessas tradições são analisadas pelo pensador alemão em sua ampla pesquisa, que contudo pode ser ampliada, pois faltou-lhe a referencialidade kardequiana que surge na França e se desdobra de forma bastante acentuada no Brasil.

O “NOSSO LAR”

GOIANO

Em setembro de 2010 chegava aos cinemas o longa-metragem “Nosso Lar”. O filme era a versão para as telonas de uma obra de estrutura romanesca publicada no ano de 1944, que fora escrita através do curioso fenômeno que o espiritismo de orientação francesa denomina de psicografia, ou a “escrita automática”, segundo a orientação anglófona. Psicografado pelo célebre médium Francisco Cândido Xavier, a obra inaugura uma página nova na produção bibliográfica que trata sobre o que seria a vida no além.

O relato é atribuído ao espírito André Luiz, pseudônimo adotado pelo autor espiritual para não ferir a suscetibilidade de parentes que ainda estavam vivos, conforme o prefácio de “Nosso Lar” esclarece. A partir dessa obra, uma sequência de mais de uma dezena de outras congêneres do mesmo autor aprofundam o que vai relatado nessa primeira produção. Assim, o conjunto da produção de André Luiz representa no contexto da doutrina kardequiana um relato bastante detalhado das mais diversas situações da alma no além.

Heinrich Krauss aponta em seu trabalho informações sobre a concepção cultural de diversas épocas e lugares sobre como seria a vida no outro mundo, no paraíso. Na cultura espiritualista, há relatos similares sobre a vida pós-vida. Porém, em nenhuma dessas tradições há relatos com a complexidade e a abrangência do que apresenta André Luiz através da psicografia de Chico Xavier. Ambos fizeram escola no espiritismo. A partir de sua produção conjunta, diversos outros espíritos e médiuns trouxeram outros informes, consoante a vasta bibliografia espiritista apresenta.

Em Goiás, destaca-se a obra “Projeto Dois Corações”, de autoria de Mércia Aguiar. Conforme a autora, a captação mediúnica desse trabalho diferiu da psicografia tradicional. Consistiu na apresentação de vidências por parte do autor espiritual, em que a sensitiva se via num estado alterado de consciência em que podia contemplar, como em um cinema tridimensional, os eventos ocorridos em uma cidade espiritual denominada Amor Perfeito.

A narrativa de “Projeto Dois Corações” apresenta um grupo de almas em relacionamentos afetivos e conflitivos ao longo de diversas existências vivenciadas pelo processo da reencarnação. Amores, dramas, traições, antipatias e simpatias acompanham o grupo desde a antiguidade egípcia, passando pelos calabouços da Santa Inquitiação espanhola até os dias atuais.

Neft e Roans, duas almas que se amam profundamente e que se relacionam com os demais integrantes da narrativa ora de maneira conflituosa, ora de forma bastante amistosa, guardam a intenção de retomar suas atividades no mundo corpóreo com a finalidade de progredirem em conjunto com o grupo. Antes, porém, pretendem estabelecer um projeto espiritual que acaba por ter a aprovação das almas iluminadas de regiões mais evoluídas espiritualmente.

Assim, sobre a região da capital goiana implantam uma colônia espiritual que recebe o sugestivo nome de “Dois Corações”. Nessa região, as almas se preparam para o retorno à vida física e para a jornada matrimonial com o recurso de uma vasta formação que pretende fazer com que saiam vitoriosas de suas empreitadas no difícil campo da afetividade matrimonial.

Fundadora e dirigente de sólida instituição espiritista na capital goiana, o Grupo de Edificação Espírita, com vasta rede de assistência social espalhada em região da periferia de Goiânia que conta com necessitados de recursos materiais e espirituais, Mércia Aguiar dirige, ainda, como uma de suas fundadoras, a Academia Espírita de Letras do Estado de Goiás.

O Grupo de Edificação Espírita se encontra em belíssima espaço urbano, repleto de verde, numa estruturação que faz lembrar as descrições das cidades espirituais da bibliogria espírita. Infere-se, da leitura de “Dois Corações”, que a belíssima estrutura física e espiritual da instituição no plano físico tenha sido planejada na região espiritual situada sobre Goiânia.

Creia-se ou não nesse tipo de relato, possivelmente ele poderia despertar o interesse de Heinrich Krauss para a composição de seu “O Paraíso: De Adão e Eva às Utopias Contemporâneas”, que se limita a descrever, sem emitir juízo de valor, as variadas concepções culturais no tempo e no espaço em torno das instâncias paradisíacas na dimensão espiritual da vida.

(Gismair Martins Teixeira, doutor em Letras e Linguística e professor)

Leia também:

edição
do dia

Capa do dia

últimas
notícias

+ notícias