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Atentados em Londres: origens do terrorismo

Quando nos perguntamos sobre as origens do terrorismo, já sei que a primeira imagem que vem à mente é de um país do Oriente Médio. E se investigarmos mais profundamente a nossa cabeça, não precisa nem de psicoterapia para encontrar ali, certamente habitando, um homem muçulmano. Sim, falando alguma língua confusa, parecida com o árabe, pele parda, barba preta, cabelo também escuro, quem sabe usando uma roupa típica com turbante e tudo. Armado ou não, ele nos assusta. Por que essa é a imagem clássica do terrorista?

Claro, alguns vão dizer, simplesmente por causa dos fatos. Bin Laden e as torres gêmeas, as notícias, não sei quantas vezes vimos na televisão e na internet as imagens dos aviões se chocando contra os prédios, fogo, fumaça. Milhares de visualizações das pessoas se jogando do alto do prédio, no mais autêntico desespero. Os depoimentos dos sobreviventes, a emoção dos parentes das vítimas e repetidas notícias sobre o autor dessa tragédia, ano após ano. Grande ferida no ego dos norte-americanos e terror no mundo inteiro.

Agora em Londres, com nossa mente, podemos viajar. Os pedestres andavam inocentemente pela ponte e lhes foi usurpada a decisão sobre suas rotas. Foram alterados os planos pessoais, profissionais, familiares. Surpreendidos por um carro desgovernado, mais de cinquenta vítimas. Impossível não se comover. O motorista? Um homem nascido em Londres. Mesmo sendo inglês, automaticamente foi associado ao povo muçulmano e ao Oriente Médio. Seu corpo portava algumas marcas inconfundíveis: era pardo, com barba e cabelo escuro, não se parecendo em nada com a imagem clássica de um inglês. Encontrou seu destino final ao ser classificado como mais terrorista e não como portador de um transtorno mental grave.

“Tenha calma e siga em frente” foi a frase deixada às vítimas da ponte em Londres. Junto de perfumadas flores, objetos delicados, inúmeras pessoas renderam suas homenagens e exibiram esta frase de apoio, popular na época da Segunda Guerra, justificando o injustificável. E apaziguados diante do terror, se pode continuar a trajetória, mantendo tudo como está.

Será que não é justamente por isso que o terrorismo continua?

Está tudo bem se você não concordar, podemos voltar para o nosso país, ficar calmos e continuar a vida. Mas antes, vamos dar uma passadinha para ver algumas pessoas, viajar para o Tocantins, se por acaso você não for morador desse estado brasileiro e esse não for seu destino ao retornar da nossa viagem imaginária.

Em Tocantins, muitos bebês, tão inocentes ou mais que os pedestres da ponte de Londres, aguardam sua vez para uma cirurgia cardíaca pelo SUS. Eles não têm alternativas além de esperar, pois, mesmo sendo bebês lindos, fofinhos e prioridades na legislação, sua origem é humilde. Se fossem ricos, estariam agora passando muito bem, já em casa talvez, mas operados com certeza. Cuidados nas primeiras horas de um diagnóstico rápido e correto sobre a sua cardiopatia. A família rica acompanha o filho vivo se recuperar bem.

Voltando aos bebês pobres; como a cirurgia é de urgência, a Justiça decide em favor dessas vidas. Entretanto, o poder público não se organiza o suficiente para atendê-los com a urgência necessária, aliás, imprescindível. Muitos bebês morrem aguardando. Outros morrem com o desgaste da viagem para locais com os recursos cirúrgicos. De Tocantins para Goiânia. De Tocantins para Curitiba. Colocar um bebê doente para fazer esse trajeto todo? Faz sentido? Por que não trazer os profissionais, as aparelhagens, os cursos, enfim, o desenvolvimento, para a vida dessas crianças e de suas famílias?

Isso é um tipo de terrorismo porque mata, assusta, surpreende. Terrorismo estatal, que assombra todas as famílias. Quem não depende do SUS hoje pode precisar dele amanhã. A crise está mudando muita posição social. Mas sendo você ultra motivado por frases impactantes de seu coaching de confiança, sentindo-se alheio e inatingível por essa crise financeira, pare e pense um pouco mais.

Logicamente, você vai perceber que, para quem sofre um acidente (seja de carro importado, ônibus fretado ou jatinho), o serviço de urgência acionado para dar os primeiros – e decisivos socorros – serão no estilo SAMU, com profissionais e recursos do Sistema Único de Saúde. A transferência para o melhor hospital pode se tornar inviável. Ou você pode perecer num longo trajeto. Ninguém é infalível, acidentes acontecem, somos humanos e sujeitos a eles.

Talvez se torne mais claro após essas reflexões simples que a via de execução de muitos acidentados não foi a fatalidade do acidente. E no caso dessas crianças do Tocantins, não foi a natureza, tendo em vista que elas sofriam de um mal de saúde perfeitamente curável. Muitos estudiosos, entre médicos e pesquisadores, dedicaram suas vidas para descobrir e praticar um tipo de cirurgia cardíaca infantil na qual o resultado é um sucesso. Então, podemos concluir, que a morte dessas crianças foi provocada pela ação terrorista do poder público. Usurpa os bens da população pelos impostos e não reverte em serviços de mínima qualidade. Com sua percepção tão ou mais desgovernada que o carro do rapaz em Londres, o desequilíbrio ético acarretou a morte de tantas crianças e comprometeu a vida de tantas pessoas.

Agora voltemos àquela frase. Repita em voz alta, diga para a mãe de uma dessas crianças falecidas e torne-se um terrorista bem intencionado. “Tenha calma e siga em frente”. Comente sobre as grandes chances do bebê mais saudável da próxima vez. Mas não esqueça de que o próximo bebê, se ela tiver, jamais será aquele filho perdido. Daquele, nunca mais saberemos nada, vazio irreparável.

Tão justo quanto esquecer esse filho é esquecer as vítimas da ponte e as vítimas do preconceito e seguir em frente sem olhar para os lados.

Mergulhando na nossa imagem mental do muçulmano terrorista, ainda restam algumas dúvidas. Quantos outros com aparência de muçulmanos são vitimizados por terem suas imagens corporais coladas ao sentimento de medo? Dúvidas e dívidas com essas pessoas cuja dor não aparece tanto assim nas notícias.

E os terroristas brancos e de olhos azuis, ocupantes de cargos públicos?

Aliás convém diferenciar os ocupantes de cargos dos servidores públicos; aquela gente concursada que se esforçou para passar numa prova e trabalha sob péssimas condições para servir à população. Meus cumprimentos, juntamente com meus pêsames, já que são vítimas constantes do terrorismo institucional. Aquele terrorismo que não usa bombas, mas explode a sociedade ao colocar como chefes das pessoas concursadas os queridinhos dos políticos. Os famosos cargos em comissão. Com salários elevados e geralmente sem a formação acadêmica, experiência profissional ou ética necessárias para o exercício da função, esses chefes atuam para emperrar o trabalho dos servidores que estão sob a sua batuta. Prejudicam a saúde e a vida dessas pessoas. Não há frases motivacionais que resolvam o cotidiano de assédio moral. Ou a morte injusta de bebês.

Ao refletir se é correto acabarmos com o terrorismo e com a corrupção, concordaremos. Todavia, vamos enxergar que tem muito país aí que passou séculos explorando, escravizando e aterrorizando outros locais e hoje se pergunta o porquê de serem alvos de ataques. Talvez precisem pensar no terrorismo e na corrupção que já implantaram primeiro, e que agora apenas respinga no quintal deles. Limpar nosso quintal é correto e desejável. Porém, se fizemos isso jogando nosso lixo no quintal dos outros... Mesmo que nosso quintal esteja coroado de flores e plaquinhas com frases motivacionais “Aqui mora gente feliz”, os arredores de infelicidade vão nos atingir.

Existem ações possíveis para vencer a batalha contra o terrorismo. Nenhuma dessas ações tem a ver com expulsar os muçulmanos e a relação com o terror não se restringe aos homens pardos e barbados, ou aos estrangeiros, ou aos pobres. Vamos questionar as imagens colocadas na nossa cabeça e os nossos medos. Quem sabe nos descobrimos corajosos combatendo os preconceitos. Podemos arriscar e conhecer outros quintais. Interessante verificar o prazo de validade do que nos contaram sobre quem mora neles.

(Vivian de Jesus Correia e Silva, mestra e doutoranda em Psicologia e Sociedade pela Unesp de Assis)

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