Home / Opinião

OPINIÃO

O Tribunal de Contas e a cultura dos Editais

Muito se tem falado dos editais de eventos da Secretaria de Estado da Educação, Cultura e Esporte. E não é de hoje. Eu mesmo já fiz, ao longo de três ou quatro anos, três ou quatro artigos alertando para o que pode ser um esquema vicioso alojado no coracão da Cultura.
São editais dirigidos às Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips) e referentes às realizações dos festivais de música, de teatro e, o mais discutido e mais vultoso deles, o de cinema, o Fica, que se realiza na cidade de Goiás. São todos de periodicidade anual e de há muito integram o calendário oficial da Cultura.
Engana-se, contudo, quem pensa que o fato de estes festivais (e seus editais) terem a previsão certa de acontecer a cada ano facilite um planejamento mínimo por parte da Secretaria que os realiza. O que não deixa de ser estranho. Uns apostam na reconhecida incapacidade de organização por parte da Secretaria, que vem se tornando patente. Já outros dizem que seria proposital, pois haveria quem se beneficie desta falta de planejamento que possa tornar o processo mais aberto, mais transparente e mais participativo.
Fato é que os referidos editais não têm data para serem anunciados e, quando anunciados, permitem apenas um tempo mínimo de preparação, privilegiando, mesmo que indiretamente, aqueles que já estão participando dos processos anteriores e imersos na máquina burocrática estadual.
Os problemas apresentados nestes editais ao longo dos anos são muitos, desde redações duvidosas (dirigidas, diriam alguns) e exigências extemporâneas, por parte do poder público, até o fato de que as Oscips vencedoras pertencem a um mesmo grupo de pessoas que se repetem ou, quando muito, se revezam na execução anual do butim. Exceções, quando surgem, têm servido apenas para confirmar a regra.
Os serviços prestados por esta (ou aquela) Oscip o são de forma apenas razoável e a falta de renovação conceitual das propostas (e as consequentes edições) deixam ver o quanto a prática é nefasta ao setor público e ao público cidadão, que ansiosamente aguarda por cada respectiva realização.
A Secretaria que os publica é incapaz de apresentar novo desenho jurídico e o que ocorre, ano a ano, é que desde o lançamento do Edital até a sua prestação de contas, tudo parece não passar de um rito para dar satisfação aos poderes de fiscalização do erário, vez que mesmo depois de “escolher” sua Oscip é a Secretaria que dá as cartas e indica os profissionais e fornecedores a serem contratados, cabendo a elas, as Oscips, uma mera figuração de tonalidade alaranjada, a que seus diretores se contentam sem reclamar por ser de boa remuneração.
Estamos falando de um circo há anos sistematicamente montado e em que os equilibristas têm sua rede de proteção. E os palhaços, para não variar, somos nós, os agentes produtivos da sociedade e o público consumidor de cultura, que mesmo recebendo serviços aquém do esperado deleita-se com o que tem.
E porque falo de tudo isso agora, mais uma vez? Ora, porque não se pode enganar todo mundo pelo tempo todo. Os malfeitos começam a vir à tona, alguns de forma irreversível e punível. Que o diga o egrégio Tribunal de Contas do Estado de Goiás.
Com base nas irregularidades encontradas na execução de um dos contratos entre a Secretaria Estadual de Cultura e o Instituto de Desenvolvimento Econômico e Socioambiental (Idesa), o Tribunal estabeleceu multa ao ex-secretário Gilvane Felipe e a Paulo D’Ávila Ferreira, os respectivamente responsáveis pela Secretaria e pelo Instituto acima citados, em decisão plenária ocorrida na 4a feira passada (29/03).
Os peritos identificaram seis irregularidades que “afrontam e ferem” a lei, na realização do 15º Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental, Fica. Entre elas, notas fiscais incompletas, contratações indevidas e a “violação dos princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa”, além da “obtenção de vantagens pessoais pelos membros da Oscip”.
Todavia, dois fatos chamam a atenção e não deixam de frustrar o desejo de mudanças e o consequente estabelecimento de um panorama ético duradouro nas relações do Governo com seus contratados na área da produção cultural goiana.
A primeira frustração é que as multas aplicadas, no valor de R$ 11.250,00 cada uma, são insignificantes frente ao valor em tela, um contrato de R$ 2.5 milhões. Somente em um dos itens apurados, a contratação indevida por parte do Idesa rendeu ao contratado R$ 40 mil. Isto é, lucra-se com o mal feito, mesmo depois de ele ser flagrado e punido, pois não há notícia de que, além da multa, tenha que ser restituído ao Tesouro Estadual o valor atualizado do pagamento indevido.
Outro fato não menos desalentador é que o Idesa foi a única Oscip participante da recente reunião de entrega de propostas para realização do próximo Fica, que deverá acontecer em junho próximo. A reunião transcorreu sem qualquer questionamento na 6a feira (31/03), portanto, a apenas dois dias após a condenação do seu presidente no TCE goiano. Sentados à mesa, na cara dura, lá estavam, como se nada tivesse acontecido, Secretaria e Instituto, de portas fechadas para a sociedade e de ouvidos moucos para o Tribunal. O resultado, por aclamação, acaba de ser divulgado. O contrato desta vez é de R$ 3 milhões. E novamente Fica tudo conforme previsto.

Leia também:

  

edição
do dia

Capa do dia

últimas
notícias

+ notícias