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OPINIÃO

A Lei da Terceirização e o futuro dos concursos públicos

Nos últimos meses, paira no ar uma insegurança coletiva em relação ao futuro dos concursos públicos em face da aplicação da Lei da Terceirização, sancionada no final de março pelo governo federal e que trata do trabalho temporário, bem como dispõe sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros.

A polêmica Lei nº 13.429/2017,que tramitava desde 1998 no Poder Legislativo,  regula pela primeira vez a terceirização. O diploma amplia as hipóteses de prestação de serviços que já eram admitidas pelo Judiciário na iniciativa pública e privada (Súmula 331, item III do Tribunal Superior do Trabalho – terceirização das atividades que trazem suporte à atividade empresarial principal); autorizando agora a contratação de serviços terceirizados na atividade principal das empresas e permitindo ainda a subcontratação destes serviços predominantes do estabelecimento por parte da empresa que os terceirizou.

Pois bem. E o que essa novidade legislativa poderia afetar o provimento de cargos públicos por meio de concursos? A resposta, por incrível que pareça, é a seguinte: Nada...ou muito pouco! Alguns intérpretes se esforçam em interpretar o texto legal como uma forma de liberação “escancarada” da terceirização, sem restrições em nenhum campo, nem mesmo dentro da Administração Pública. Contudo, o confronto do texto legal com o sistema jurídico nacional impede a ampliação das hipóteses de terceirização a tal modo que isso viesse a inviabilizar o preenchimento de cargos públicos  por candidatos regularmente aprovados em concursos ao redor do país.

O fato é que o objetivo central da lei é regular serviços terceirizados no âmbito de relações de trabalho contratuais em pessoas jurídicas de direito privado, especialmente nas áreas da indústria, comércio e serviços. E do lado de fora desta regulação permaneceriam as relações de trabalho estabelecidas entre o Poder Público (órgãos dos três Poderes, suas autarquias e fundações) e seus servidores civis e militares, bem como entre a Administração Pública indireta (empresas e sociedades de economia mista com capital público preponderante) e os que nela ingressam por meio de certame público. Estas relações continuam tendo um regimento específico estabelecido em estatutos próprios, leis complementares e ordinárias e por fim, mas de tal modo importante, regidas pela Constituição Federal.

Não há nenhum tópico no novo diploma legal que especifique de forma clara que a terceirização poderá ser aplicada também no serviço público estatutário e de forma generalizada. E isso se dá por um motivo óbvio: a Constituição Federal já estabelece que no funcionalismo público  as contratações obrigatoriamente têm que ser feitas por meio de concursos.

Eis que o artigo 37, inciso II da nossa Lei Maior prevê que “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas e títulos, de acordo com sua natureza e complexidade, ressalvando as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”. Nenhuma outra lei poderia se sobrepor a este dispositivo constitucional, garantia fundamental dos administrados. O resultado é que a terceirização da atividade-fim continua proibida na esfera da Administração Pública em geral. Aumentar a margem de interpretação do texto legal aprovado nos conduziria ao absurdo de se cogitar a “terceirização” de cargos com a função central de  executar atividades em nome do Estado, tais como juízes, delegados, auditores, membros do Ministério Público e do Tribunal de Contas.

Desse modo, a única novidade para o Poder Público, qual seja, a permissão legal para a contratação de serviços que envolvem a  atividade-meio do tomador , já era prática comum no meio estatal, mediante interpretação ampliativa da referida Sumula 331 da Suprema Corte Trabalhista. Por exemplo, serviços de ortodontia, de recursos humanos, atendimento ao público, limpeza e até mesmo de transporte, já eram amplamente terceirizados em todos os setores sociais, como conta o especialista Victor Ribeiro¹ – especialista na análise de cargos estratégicos oferecidos em concursos públicos.

Além disso, a nova lei está longe de motivar uma ampliação significativa na contratação terceirizada de serviços que não possuem vínculo direto com a atividade principal de órgãos públicos. Isto porque o artigo 2º da Lei nº 13.429/2017, no que regula a prestação de serviços da empresa contratada à empresa contratante, prevê “a especialização da empresa fornecedora de mão-de-obra naquela área de atuação terceirizada”. Ocorre que, a maioria das empresas que fornecem mão de obra terceirizada no país não são especializadas em funções que auxiliam a atividade principal dos órgãos públicos mas que exigem mão de obra altamente qualificada, como por exemplo, as funções que exigem  formação em cursos tecnológicos e/ou licenciatura acadêmica em instituições financeiras, tribunais judiciários, secretarias de governo ou mesmo câmaras legislativas.

Ainda que o mercado empresarial aumentasse a oferta de mão-de-obra “determinada e especializada nestes serviços”, a Administração continuaria precisando custear a gestão e a prévia capacitação dos terceirizados para a execução de atividades importantes dentro do órgão tomador, o que em regra não se insere no objeto negociado em contratos temporários ou de terceirização aprovados em licitação pública. Logo, nessas circunstâncias, é possível concluir que continuaria mais vantajoso para o Estado  manter um servidor ou empregado público, enquanto mão de obra qualificada, do que prolongar um contrato privado restritivo e precário. “No pior dos mundos”, o que se projeta a curto prazo é uma mera redução no número de concursos ou de vagas disponíveis em certames que envolvem atividades auxiliares de empresas públicas  e sociedades de economia mista, como a Empresa Brasileira de Telégrafos (EBT – Correios) e a Petrobras.

Por fim, é necessário alertar que algumas medidas judiciais já estão sendo tomadas no sentido de suspender a aplicação da Lei da Terceirização hoje aplicável. No próprio Supremo, já estão em tramitação quatro ações² que contestam a legalidade e a adequação da referida lei à Carta Constitucional. Se a investida legislativa tende a precarizar as relações de trabalho e ameaçar a sobrevivência do emprego formal no Brasil; a mesma ameaça não pode ser aplicada indistintamente aos concursos públicos.

¹ Entrevista veiculada no site Brasil Econômico (Economia – iG) no dia 27/03/2017. Link: < http://economia.ig.com.br/2017-03-27/concursos-publicos.html>.

²  Notícia veiculada pelo site Âmbito Jurídico e republicada no site Jusbrasil em 27/04/2017. Link < https://ambito-juridico.jusbrasil.com.br/noticias/452879790/stf-recebe-nova-adi-contra-lei-da-terceirizacao?ref=topic_feed>.

(Murilo Oliveira Barbosa, advogado especializado em Direito Social, com ênfase em Direito do Trabalho e Previdenciário – email: [email protected])

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