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O Brasil – pasmem! – tem quase 200 mil leis, e muitas sem nexo

Em um dos mais anacrônicos regimes legais do mundo, o País bate recorde de leis, muitas das quais obsoletas. Temos mais de 180 mil leis em vigor no Brasil, muitas das quais esdrúxulas.

Temos normas aos montes que caducaram e perderam completamente o sentido. Existem leis feitas para um homem só (leia quadro acima), decretos que dão ao ministro das Relações Exteriores a prerrogativa de permitir casamentos de diplomatas de carreira com pessoas estrangeiras e até mecanismos automáticos de indexação salarial, resquício da época da hiperinflação. Legislações antigas colidem com outras mais novas ou às vezes diferem apenas em pequenos detalhes.

Leis específicas estabelecem penas maiores ou menores para delitos já especificados no Código Penal. Na prática, se há muitas normas legais aplicáveis no julgamento de um determinado delito, o que prevalece no final depende da competência do advogado ou da decisão do juiz.

O excesso de normas legais onera as empresas, obrigadas a contratar caros serviços advocatícios e consultorias jurídicas, e prejudica os cidadãos. O resultado é um estado de frequente insegurança jurídica. As pessoas se tornam completamente incapazes de resistir a um princípio básico do direito: ninguém pode alegar em sua defesa o desconhecimento da lei. “No Brasil, acontece o oposto. Ninguém pode dizer que conhece completamente as leis”, critica o ex-deputado Cândido Vaccarezza.

O Brasil vive num esdrúxulo cipoal que confunde juízes, advogados e qualquer cidadão brasileiro: o número excessivo de leis brasileiras, tendo quase duzentas mil normas legais, segundo um levantamento feito pela Casa Civil da Presidência. E ninguém sabe ao certo quantas delas já foram revogadas e quantas ainda estão em vigor.

E há casos no mínimo curiosos:

Preocupado com os baixos índices de natalidade da cidade de Bocaiúva do Sul, de 9 mil habitantes, o então prefeito Élcio Berti proibiu a venda de camisinhas e anticoncepcionais. Não que o bom moço quisesse bebês. Na real sua preocupação era com a redução de verbas do Governo Federal devido ao encolhimento da população. Mas, calma, mesmo que você more em Bocaiúva do Sul, fique tranquilo. A lei causou tanto alvoroço que foi revogada 24 horas depois.

Mais curioso do que o nome, só a ideia. Depois de 4 anos vendo "coisas estranhas" no céu do município de Bocaiúva do Sul, o prefeito Elci Berti resolveu que era hora de ter o primeiro "ovniporto" do mundo. Segundo suas contas, o projeto custaria cerca de R$ 1.5 milhão.

Mais uma de Bocaiúva: o prefeito Elci Berti achou melhor que homossexuais não pudessem fixar moradia na cidade dele, por não trazerem nenhum benefício às pessoas e crianças. Posteriormente, ele se redimiu dizendo estar brincando.

A lei aprovada pela Câmara Municipal de Pouso Alegre, em Minas Gerais, no dia 2 de setembro de 1997, multa em 500 reais os donos de “outdoors” com erros de ortografia, regência e concordância. Para “banners” e faixas, a multa é de apenas 100 reais, e o infrator tem 30 dias para arrumar o erro. Haja dinheiro...

A lei mais antiga da nossa lista, ditou que a melancia ficaria proibida em Rio Claro-SP, no fim do século XIX. A fruta era acusada de ser agente transmissor de tifo e febre amarela, doenças bem pesadas na época. Mas fiquem tranquilos, a lei não é mais aplicada.

Na década de 60, o prefeito Epitácio Cafeteira aprovou a lei municipal 1790/68 em São Luís, no Maranhão, que, entre diversas outras medidas, ficou proibido o uso de máscaras em festas, exceto no Carnaval ou com alguma licença especial. Sua ideia era identificar os bandidos.

A vereadora Silvia Fernandes, de São João del-Rey-MG, propôs que todos os animais sem dono deviam ser recolhidos. O critério era bem simples: se o bichinho ficasse mais de 48 horas na rua, seria levado e liberado para qualquer um que quisesse adotar, e o município não se responsabilizaria no caso de óbito ou dano ao animal. Exceto suínos, esses sim poderiam ser abatidos. Às vezes fica impossível definir quem é o irracional.

Em 02 de junho de 1986, o famoso cantor e humorista Moacyr Franco propôs, na época em que era deputado federal, limitar a reprodução de músicas estrangeiras nas rádios do país. A proibição aconteceria em determinados horários do dia.

Clodovil Hernandes, quando deputado, pretendia trocar o brasão das Forças Armadas: em vez do ramo de fumo ser nosso símbolo nacional, seria a cana-de-açúcar e também teve a ideia de fazer com que homens acima de 40 anos fossem obrigados a ter sua próstata examinada. A obrigatoriedade faria parte do exame admissional em qualquer concurso.

Todo mundo sabe que crimes contra a natureza são passíveis de punição. Mas, no Brasil, há agravamento de pena aos domingos e feriados. Por que? Ué, com menos verba e menos fiscais, o Governo elevou a pena para desestimular agressões ecológicas nas folgas da patrulha.

Durma-se com um barulho destes, pois com tantas coisas para regulamentar, nossos dignos e competentes representantes ficam criando leis sem pé nem cabeça, preocupando-se apenas em editá-las em benefício próprio.

(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, membro da Associação Goiana de Imprensa - AGI -, escritor, jurista, historiador e advogado, [email protected])

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