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OPINIÃO

O incompreendido

Saí daquele bar, no Itatiaia, após vencer uma partida de sinuca e fui para a casa. Eu sabia que teria de enfrentar alguns problemas matrimoniais. Mara, que me tirara da penumbra há dois anos, com seu jeito doce e fofo, iria cobrar satisfações sobre minha peregrinação boemia. Mas isso era relativamente fácil de se revolver: eu apenas precisava cair no sofá e evitar conversar com Mara. Nunca dormi em nossa cama, bêbado. Sinto que a atrapalho, com odor de cerveja e cigarros, enquanto ela dorme cheirosamente no lado direito de nosso ninho de amor. Ou, talvez, eu seja mais um sofredor enchendo a cara sem parar na noite goianiense.

Quando abri a porta de casa, Mara estava sentada no sofá, olhando-me com fúria e raiva. Eram 6h. Ela havia saído com algumas amigas, por volta das 19h, e provavelmente deve ter voltado 1h, no máximo.

“Mais uma vez”, falou ela, tão baixo que quase não deu para ouvi-la.

“Pois é”, respondi, escorando-me na parede para não estourar a cara na quina que dá para o quarto.

“Não te dou 20 anos, se continuar bebendo desse jeito”, afirmou.

“Um homem precisa beber”, falei, sorrindo alcoolicamente.

Ela me olhou de cima a baixo, e concluiu que naquele momento eu não oferecia grandes risco à sociedade. Talvez, se algum policial me parasse no caminho, poderia considerar-me um homicida perigosíssimo. Mas isso nunca chegou a acontecer, porque sei bem as ruas pelas quais transito de madrugada. Todo bêbado sabe os caminhos que deve percorrer, quando se volta do bar, às 6h, escutando Odair José e dirigindo como se fosse um foragido da justiça.

Aquele exame minucioso de Mara, e talvez sua constatação, me irritara. Nenhum bêbado gosta de aceitar sua condição. Inventamos desculpas, tentamos controlar a fala, tudo para não darmos bandeiras desnecessárias. Acontece que Mara me conhecia muito bem, e eu praticamente era despido em sua frente. Tanto física quanto psicologicamente. Afinal, ela era minha mulher. Então, constatei que o mais inteligente a se fazer era virar as costas e dormir.

Não consegui. Fiquei me remexendo na cama até praticamente raiar o dia. Na verdade, eu cheguei em casa pouco antes de o sol nascer, mas encontrei seríssimos problemas para pegar no sono. Ao me revirar no sofá, senti um incômodo em meu esôfago. Só pode ser a pinga, pensei. Levantei num pulo e fui ao banheiro. Coloquei para fora a pasta alcoólica e voltei a dormir. Bem melhor, muito melhor!

No dia seguinte, ao acordar, não encontrei Mara. Ela deve ter saído para trabalhar. Menos mal, pois evitarei desgastes logo cedo. Mas uma hora teria de vê-la, e meus hábitos boêmios virão à tona. Para tentar me despreocupar, liguei o som. E começou a tocar Abrigo de Vagabundo, do Adoniran Barbosa. Bom samba. Lembra das minhas origens, no interior do Paraná. Época boa, em que minha única preocupação era ir à faculdade e beber no final do dia.

Assim como eu, Mara era jornalista. Ela era repórter de Política, emancipada, de esquerda, intelectual. Eu, por minha vez, era cronista esportivo e fechava duas páginas no jornal. Meu dia a dia era entrevistar jogadores, técnicos e solicitar aspas para assessores egocêntricos. De fato, Mara aceitou os novos tempos melhor do que eu. Era adepta das redes sociais, mantinha um blog e fazia alguns frilas, que a pagavam cerca de R$ 70 a R$ 100 por dia. Eu tinha um livro-reportagem nas costas, e Mara dois documentários. Um deles, inclusive, era sobre movimento social, especificamente contra a PEC 241, que se espalhou pelo Brasil, no final do ano passado. Meu livro, em contrapartida, era uma mistura de literatura com jornalismo. Para escrever a obra, bebi na fonte de Hunter Thompson, o pai do jornalismo gonzo, Tom Wolfe, o “terno branco”, e Gay Talese, autor de perfis marcantes sobre Frank Sinatra.

Quando Mara lançou seu documentário, escrevi um perfil sobre ela à lá Wolfe. Jornalisticamente, eu poderia ser considerado um sujeito antiético, mas não havia ninguém melhor para descrevê-la. Ao findar o texto, por via das dúvidas, decidi mandá-lo para a revista Rolling Stone. “Cê deve mandar teu texto para um veículo maior”, disse Mara, estimulando-me a dar um passo maior em minha deprimente carreira. “Não é porque é sobre mim não, mas o texto ficou muito foda”, afirmou. Todavia, no site da publicação, não encontrei nenhum e-mail para enviar meu trabalho. Mara, então, teve uma ideia genial e sugeriu que eu o enviasse por meio de correspondência. Achei sensacional, mas fiquei pensando que eu seria o único jornalista que ainda estava imerso no mundo analógico. “Mande várias vezes, seja chato, até que alguém consiga ver teu trabalho”, aconselhou.

Por isso que eu a amo. Certamente, se Mara não tivesse aparecido em minha vida, eu já estaria em alguma tumba. Formei-me em Jornalismo há três anos, e não consegui emprego no Paraná. Meus pais moravam em Goiânia e me convidaram para tentar a vida aqui. No começo, não tive sorte alguma. Depois foram aparecendo as oportunidades. Arrumei trabalho num dos jornais de maior circulação do Estado. Com grana, minha vida era bar, redação e bar. Meu café da manhã eram duas cervejas e hambúrgueres. Com uma alimentação meio explosiva, acontecia várias vezes de eu chegar no jornal meio bêbado.

Eis que quando eu estava sem expectativa nenhuma, conheci Mara. Maravilhosa, sublime, sedutora, sensual... na primeira noite, transamos loucamente. Era como se já estivéssemos nos relacionado sexualmente alguma vezes na vida. O toque de suas mãos em meu corpo, dava-me arrepios e fazia com que eu suspirasse ofegantemente. Dias depois, Mara me manda um poema em prosa, no facebook, sobre nossa transa. Demorei para responder, pois eu não sabia o que dizer. Semanas depois, estávamos afogados  no universo do outro. Descobri que Mara era fã de Beatles, The Doors, Rolling Stones, Led Zeppelin, Jefferson Airplane e Janis Joplin. Na adolescência, eu ouvia incessantemente essas bandas, mas mudei com o tempo. Hoje, prefiro samba a rock. Nada me emociona mais – tirando os beijos, o abraço e o boquete de Mara, é claro – do que Apesar de Você, de Chico Buarque.

“Apesar de você/amanhã há de ser/outro dia”.

Outra canção de Chico, Vai trabalhar vagabundo, do filme homônimo, com Hugo Carvana e Paulo César Pererio, também me comovia. Mas nesta música não havia nenhum jogo de palavras. Era identificação com o eu-lírico dos versos, que era um vagabundo vocacional. Como eu.

Bem, cinema também era um a das paixões de Mara. Fã de Godard, Glauber Rocha, Truffaut e Fellini, ela sempre dizia que gostaria de fazer um filme ainda. Durante a faculdade, Mara escrevera vários roteiros, mas nunca os mostrou para ninguém, embora eu insistisse que queria vê-los. “Eles não são bons”, afirmava. “Acho que todos vão achá-lo uma grande merda”. No final de nosso casamento, ela estava dedicando-se a um projeto cinematográfico... deixei isso para lá.

Fiquei deitado, coçando o saco. Sem fome, fui para a redação completamente bêbado. Bem, se eles ainda não me mandaram para a rua, não será dessa vez que me mandarão. Eu não precisava ir à redação: era cronista esportivo, eu tinha de ir ao estádio e podia escrever em casa. Naquela sexta-feira tinha de pegar meu vale – o jornal não era muito regular com os pagamentos. Parei na porta, acendi um cigarro e fiquei conversando com a recepcionista. O papo não era nenhum pouco produtivo, e eu estava ali apenas matando tempo.

– Porra, cê acha que dá Vila ou Aparecidense?”, perguntou o sujeito.

– Acho que dá Vila, né, respondi.

–Seria histórico.

– Sim, seria.

– Na semifinal, entre Atlético e Goiás, foram apenas 5 mil pagantes, disse ele.

– Lamentável, redargui.

– É, uma bosta.

Entrei na redação. Imediatamente, meu editor perguntou se eu já tinha mandado minha crônica. Respondi-lhe que não, pois eu tinha ido ao jornal para tentar pegar algum dinheiro. “Cê é folgado, hein”, afirmou ele. Olhei-o de cima a baixo. “Folgado nada. Tô sem grana pra pôr gasolina em meu velho Uno, cara”, dramatizei. Ele não falou nada, apenas deu de ombros e resmungou algo sobre crise financeira.  Bem, pelo jeito, eu teria de ficar mais algum tempo sem ver a cor do meu salário. Enquanto isso, Mara tinha seu pagamento regularmente.

Em casa, mandei minha crônica. Era um pré-jogo de Vila Nova e Aparecidense. Escrevi-o ridiculamente, sem nem me preocupar em desvirar a pirâmide invertida. O lead, sublead e documentação podem até funcionar para outras editorias, menos para o Esporte. O torcedor do Vila, de fato, não quer se informar sobre os rumos do País. Ao abrir o jornal, o sujeito é tomado por emoções que, eventualmente, beiram a loucura. Isso se traduz no texto.

Quando terminei de enviar a matéria, meu celular tocou:

“E aí, Chico, o que vai fazer hoje?”, perguntou José.

“Nada”, respondi, fazendo o possível para encerrar aquela conversa, cujo final eu sabia bem qual era.

“Eu estava pensando em beber uma hoje, o que acha?”, ele disse, convidando-me, claramente.

“Eu normalmente aceitaria, mas tô sem dinheiro”, revelei.

“Mas cê não tem conta no bar, viado?”, especulou.

“Tenho, cara, mas não tá nos meus planos deixar todo meu salário no bar”, afirmei.

É sempre assim: você faz o possível para fugir da bebida, mas ela sempre te acha.

Depois de ficar alguns minutos avaliando o convite, ouço Mara entrar em casa. Ao contrário de minhas expectativas, ela estava sorridente e, após fechar a porta, deu-me um beijo. Mas não era um beijo qualquer: era um beijo apaixonado, desse que vemos nos filmes hollywoodianos. Imediatamente, fiquei excitado. Mara parou de me beijar, e começou a contar sobre seu dia. Sua chefe havia lhe promovido para ser editora de política. “Vou ganhar mais”, disse, saltando de alegria. Abracei-a e disse: “Fico extremamente feliz por você, gatinha”. Beijamo-nos mais.

Enquanto eu a ouvi, minha cabeça se perdia em uma coisa: comê-la. Eu queria transar com Mara como há tempos não fazia. Mas, de repente, ela se levantou e foi ao banheiro. Demorou por lá. Comecei a achar que ela estava escondendo algo. Cocaína, por exemplo. Embora, de vez em quando, eu desse alguns tiros, Mara havia abandonado o pó quando ainda estava na faculdade.

Ao virar-me para ligar o rádio, ela saiu do banheiro. “Love me two times, babe/ Love me twice today/ Love me two times, gril”... Mara sempre curtiu Doors. Seus olhos estavam brilhando, seu corpo vertia a sexo e ela estava de calcinha apenas. Aqueles mamilos, realçados por três pintas, deixaram-me louco. Eram bonitos e deliciosos. Voei neles como um cachorro em frente a um pote de comida. Beijo-os delicadamente, como se o tempo estivesse congelado. Eu escutava a respiração dela, mas me concentrava em lhe dar prazer, antes de tudo. Enfiei minha mão em sua calcinha branca, e Mara, providencialmente, colocou as suas em minha cueca – eu estava apenas com essa peça –, me acariciando num ritmo lento e gostoso e,  fazendo-me segurar em seus cabelos pretos.

Pedi um tempo, porque aquilo ia terminar logo e mergulhei nela. Era uma  mulher linda, com pelos levemente aparados, o que me deu um tesão incomensurável. Ele sorriu:

“Vocês, bêbado, são todos iguais”, deixou escapar.

Lembrei de uma crônica de Xico Sá: “A melhor mulher é a mulher culpada”.

Ora, no calor da foda, ignorei aquele comentário.

Não me considero um cara machista e, naquele momento, eu queria apenas avaliar meticulosamente a xoxota de Mara, que era bem acolhedora e receptiva. Ela me pediu que eu a beijasse na boca. Dessa vez, foi um beijo profundo, sexual, sem nada a ver com o beijo dos que se amam. Se as palavras forem capazes de descreverem essa experiência, eu era como um fumador de ópio do século XIX que estava bebendo absinto com Baudelaire, Rimbaud e Verlaine nos cafés parisienses.

“Quero que a gente faça de uma forma diferente”, pediu ela.

“Como?”, perguntei.

Ela virou de bruços e empinou a bunda. Não era preciso dizer mais nada.  Após uma gargalhada prazerosa, ela remexeu o corpo por alguns segundos e pôs a cabeça em meu peito. Ficamos conversando por algum tempo, mas o comentário dela não saía de minha cabeça e creio que tão logo não sairia.

Bem, deve ser algum sexo dos tempos de faculdade, imaginei. Ou não.

Os tempos foram passando, e eu seguia em casa. Matinha uma vida sexual ativa, transava com Mara todos os dias e raramente bebia. Mas eu molhava a palavra em casa. Neste período que fiquei em casa integralmente. Mara era o que bastava para mim. Íamos em restaurantes juntos – ela pagava, é lógico. Depois, conversávamos por horas a fio. Bebíamos vinho e ouvíamos alguma coisa de Tom Zé e Belchior. Eu adorava sair com Mara, abraçá-la e beijá-la na frente de todo mundo. Era como se fôssemos maiores que vida. E, naquele momento, de fato, éramos maiores que a vida. Sim, Mara ainda mexe comigo – e mexerá por muitos anos ainda. É difícil tirar da cabeça alguém que te completa, pois com aquela pessoa te torna grande, tão grande que é praticamente impossível a morte acontecer entre vocês.

Sexta-feira, 28 de novembro, 03h... eu estava bêbado e cheirado. Não conseguia parar de olhar para aquela ruiva que estava sentada em minha frente. E ela nem dava a atenção para mim. Não que eu estivesse forçando algo, mas nenhum cara gosta de ser desprezado por uma linda mulher. É uma questão de honra e princípios.

Levantei para ir ao banheiro, e quando voltei a ruiva estava sentada na cadeira ao lado da minha. Acomodei-me e bebi um gole em minha cerveja. Ela começou a puxar conversa comigo, e eu fazia o possível para olhá-la lascivamente, mas diante de uma mulher daquelas é praticamente impossível. Eu conseguia compreendê-la perfeitamente – por que não? -, apenas fingia, pois tinha planos de transar loucamente a noite toda.

“Que som foda”, disse ela, comentando a voz visceral da Janis Joplin, que tocava na Junkebox.

“Sim”, respondi.

“Ela cantava demais”.

“É, eu gosto demais dela”, falei.

“Que não...”

Intuitivamente, lembrei de Mara e todas as vezes em que ela me revelou as semelhanças em si e a diva do rock. “Na infância, ela também era vista com maus olhos pela galera”, disse ela. Janis, que fora uma das atrações do festival de Woodstock, conquistou o mundo e canalizou suas amarguras, angústias e medos em suas músicas. “Você é igual a Janis”, respondia eu, elogiando Mara e arrancando alguns sorrisos dela.

Entre um trago, piadas e gargalhadas, o bar estava prestes a fechar. Fui ao banheiro, dei um tiro e voltei para acertar conta. Ao entrarmos em meu carro, esqueci que tinha de buscar mais duas cervejas: Isabel morava do outro lado da cidade, e eu não conseguiria ficar mais de 10 minutos sem beber – não naquelas condições.

Sem qualquer aviso prévio, ela me deu um beijo. Recuei, porque estava dirigindo. Mas, em vez de correr feito um demente, resolvi parar meu automóvel numa rua deserta e começamos a nos esfregar sofregamente entre os bancos. Ela subiu em cima de mim – ah, que tesão é uma mulher cima de mim! – e beijou meu peito calmamente. Olhei para a janela, esperando encontrar algum rosto conhecido.

Transamos maravilhosamente em meu velho Uno.

Pela manhã, repetimos a dose na casa dela. É desnecessário descrever o passo a passo do coito. O primeiro contei praticamente na íntegra, porque se tratava de minha mulher – ou ex, sei lá –, que não ficávamos há tempo. Ao terminar o sexo, soltei um dos comentários mais cretinos de minha vida – ou não.

“Sou casado, e minha mulher trabalha aqui perto”, falei, querendo que as palavras voltassem para minha boca. Isabel havia me dito que também era casada. Eu quase comentei o que minha Mara me falara, mas achei melhor calar minha boca.

De fato, se houvesse algum objeto pontudo ao alcance de Isabel, ela furado minha pança de bêbado. Com não havia, ela dava pontapés e berrava coisas inaudíveis, tentando extravasar suas emoções e, com a cocaína tomando conta de seu cérebro, tudo era mais intenso e igualmente tenso. Então, ela se vestiu e abriu a porta para mim e ordenou:

“Você não é mais bem-vindo aqui, nunca mais me procure”, disse.

“Mas... por quê?”, quis saber.

“Não dá”, respondeu ela.

Sempre é assim: quando se tem duas mulheres, basta um piscar de olhos para perdê-las.

Eu não sou burro, embora as coisas que tenho de escrever para o jornal na maioria das vezes fossem. Entrei em meu Uno, esperando que Mara me recebesse a abraços e beijos. Sabia que não seria assim, pois eu saíra de casa às 18h, com a desculpe de que beberia apenas uma cerveja, e apareci no dia seguinte, completamente bêbado e cheirado, após transar insanamente com Isabel, seu colega de trabalho. O fato de eu ser casado com uma jornalista inteligentíssima só me mostrava que eu era uma negação.

Deixe para lá: nós nunca seremos afortunados. Para nós, pobres, sofredores, boêmios, a vida é tão dolorosa quanto uma derrota do Corinthians num torneio mata-mata. Porra, se tudo fosse diferente, se eu fosse diferente, arrumasse um emprego decente, bebesse menos e passasse mais tempo com a minha mulher, talvez ainda estivéssemos juntos. Mas eu preferi beber. E a bebia, hoje, está ferrando-me completamente. Não sei mais o que fazer... não, a bebida não está ferrando-me. A tua falta, Mara, é que está machucando-me. Tenha piedade deste bebum que vos escreve diariamente. Afinal, foste tu quem me estimulaste a escrever...

Tudo acabou. Terminei com Mara e vim morar sozinho num apartamento, na Vila Nova, pagando um preço relativamente barato de aluguel. Continuo escrevendo crônicas para o jornal. Em casa, encho a cara, trabalho e, de vez em quando, chamo uma mulher, pagando, para dar uma variada – quando eu era casado com Mara, tinha de esconder os números delas em meu celular. “Você virou o maior dos maiores filhas da puta do pedaço”, me disse José. “Antes, Mara te controlava, ou não, sei lá, acho que cê tinha preocupações, pois ela sempre foi uma mulher determinada e decidida”, afirmou. José sempre dava conselhos, mas ultimamente ando evitando-os. “Agora, tua vida é folia e futebol. Até quando?”

Sei lá. Num domingo desses, enquanto voltava para a casa, após assistir uma derrota do Corinthians, no Pica-Pau, encontrei Mara na rua. Ela continuava deslumbrante, vestia um shorts curtinho, mas estava casada com um Cientista Social. O sujeito é exemplar: não bebe, não fuma e não é boêmio. Ele é como eu tinha de ser, contou-me ela.

Ao encontrá-la, revivi grandes momentos. Mas, hoje, vê-la com outro, feliz e alegre é um suplico a mim. Sinto que ela também reviveu grandes momentos. Só que a vida lhe proporcionou coisas mais atraente. Mara casou com um cara que não bebe, não fuma e odeia futebol. No bar, se é que o imbecil o frequenta, ele destila frases feitas sobre futebol, mostrando toda sua pós-modernidade irritantemente chata. Algumas vezes eu conversei com ele. Segurei-me para não quebrar-lhe a cara. Mas quem sou eu para quebrar-lhe a cara? Ninguém.

Derrotas do Corinthians mudam meu humor. Tudo dá errado. É foda.

(Marcus Vinícius Beck, escritor)

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