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OPINIÃO

O julgamento do maior caso de corrupção da história do Brasil

As atenções estavam voltadas para José Dirceu, o energúmeno de toda essa mixórdia. O então Chefe da Casa Civil acabou virando Réu por corrupção ativa, mediante decisão unânime. Na terça-feira, foi enquadrado como Chefe da quadrilha. Só teve um voto contrário, o do Ministro Lewandowski. Dirceu imputou sua derrota principalmente ao ocorrido na primeira sessão do julgamento, quarta-feira. Os Ministros Lewandowski e a Ministra Carmen Lúcia estavam trocando mensagens pelo computador. Um fotógrafo do jornal ‘O Globo’ acabou fotografando as telas dos computadores, e foi possível ver que os dois trocavam denúncia contra José Dirceu déias sobre o voto do Ministro Eros Grau. Diziam que o ‘Cupido’, como apelidaram o Ministro Grau iria votar pelo não-recebimento da Denúncia. Lewandovski respondeu à Ministra: “Isso corrobora que houve uma troca”. Queria dizer que Grau votaria a favor dos interesses do governo, em troca da nomeação de Carlos Alberto Direito para o STF. A acusação era gravíssima. Quando ‘O Globo’, na edição de 23 de agosto, revelou os diálogos, a repercussão foi enorme. Lewandovski tentou se explicar, mas não conseguiu. O mal-estar entre os Ministros foi enorme. O Ministro Grau chegou a designar o advogado José Gerardo Grossi para processá-lo por calúnia. Seria a primeira vez na história do Supremo Tribunal Federal que um Ministro processaria um outro Ministro. Depois de alguns dias, a turma do ‘deixa-disso’ acabou serenando os ânimos, e o episódio foi encerrado. Mas Lewandowski se meteu noutra enrascada. Na noite de 28 de agosto, na terça-feira em que o STF tinha acabado de receber  Denúncia contra o Ministro José Dirceu por formação de quadrilha, o Ministro foi visto em um restaurante de Brasília, por uma  repórter da ‘Folha de São Paulo’, falando nervosamente pelo telefone com um certo Marcelo. Dizia que ‘a tendência era para amaciar o Dirceu”. E que “todo mundo votou com a corda no pescoço”. Na conversa de dez minutos, também disse que a revelação do seu diálogo com a Ministra Carmen Lúcia influenciou a votação anti-PT. Falou que, se não fosse a divulgação dos diálogos, iria divergir ainda mais do Ministro Barbosa: “Não tenha dúvida. Eu estava tinindo nos cascos”.

Assim, foram confirmados os 40 (quarenta) nomes da Denúncia, agora réus na Ação Penal 470 (denominação indicada para todas as comunicações oficiais do STF sobre o caso, por determinação do presidente, que considerou o uso da expressão ‘mensalão’, (uma espécie de pré-julgamento). A repercussão do recebimento da Denúncia foi enorme. Lula, profundamente irritado, quando perguntado – dois dias depois do final do julgamento, - sobre o que tinha achado da Ação perante o STF, respondeu que a oposição tinha tentado atingi-lo com um escândalo, mas 61% do povo deu a resposta, na eleição do ano passado. Fazia referência à  eleição presidencial de 2006, como se uma eleição significasse uma espécie de anistia aos crimes cometidos pelo governo e seus asseclas. Na verdade, o grande vencedor do processo, no âmbito interno do STF foi o Ministro Joaquim Barbosa. Com efeito, das 112 votações, ele ganhou todas, das quais 96 por unanimidade.

Com a Denúncia recebida, iniciou-se a Ação Penal em foco. Ao longo de pouco mais de quatro (4) anos, foram interrogados todos os réus, dezenas de testemunhas, provas foram produzidas – sempre preservando o contraditório. Sob a direção do Ministro Joaquim Barbosa, Relator do processo do ‘Mensalão’, as investigações foram realizadas pelo Ministério Público Federal. Mas não foi um trabalho fácil, principalmente pela amplitude do que a PGR chamou de ‘sofisticada organização criminosa’, e pelo número elevado de réus. Era voz corrente que a Ação Penal seria julgada no segundo semestre de 2010. Contudo, estendeu-se até dezembro de 2011, quando essa Ação foi encaminhada ao Revisor, Ministro Ricardo Lewandowski.

O noticiário político desses últimos anos está referto de críticas à morosidade do processo e às ações meramente protelatórias dos advogados de defesa. O receio era de que as penas, eventualmente aplicadas aos réus, estivessem prescritas, no momento do julgamento. E, com o passar dos anos, o significado do ‘mensalão’ fosse se apagando na memória popular.

Na batalha política da memória, Lula estava vencendo. Daí sua insistência de empurrar o julgamento para o ano de 2013. Sabia-se que o tempo ajudava a diminuir a importância do ‘mensalão’. O reaparecimento, nas manchetes, das mazelas que envolveram a liderança petista enfraqueceria seu discurso de que tudo não tinha passado de uma conspiração das elites. E mais: De que o ‘mensalão’ nunca teria existido. Essa estratégia, digna de um Ministério da Verdade orwelliano, estava dando certo. Se o Ministro Barbosa não era alguém de confiança do ex-presidente, o mesmo não poderia ser dito do ministro revisor. Quanto mais tempo demorasse a ‘revisão’, mais tempo haveria para pressionar ministros, e até para recompor a formação do STF com as aposentadorias de possíveis adversários, e a nomeação de outros da estrita confiança petista, especialmente de Lula. Em outras palavras, o ‘mensalão’ era um excelente paradigma para o entendimento do método petista de tomada e apressamento do Estado. A delonga na ‘revisão’ foi logo percebida. A pressão dos próprios colegas – e, em especial, do Ministro Ayres Britto, - emparedou o Ministro Lewandowski. O relatório de revisão foi entregue no primeiro semestre daquele ano (2012), e o julgamento, marcado logo no início dos trabalhos da Corte, após as férias de julho. Em represália, o Ministro não compareceu à reunião que estabeleceu o calendário de julgamento (Dias Toffoli também não, estava numa festa de casamento de um banqueiro, em São Paulo). O desespero tomou conta dos petistas. Lula procurou ministros do STF e, abertamente, os pressionou. Queria porque queria transferir o julgamento para 2013, sob o argumento de que não seria bom, para o PT, a coincidência com as eleições municipais. Em um desses encontros, com o Ministro Gilmar Mendes, chegou a insinuar que poderia envolvê-lo com a rede do crime organizado, liderado por Carlinhos Cachoeira, que estava sendo investigado por uma CPMI. A reação pública do Ministro, expondo a chantagem, virou um escândalo nacional. Dessa forma, o julgamento iria ocorrer justamente durante o processo eleitoral de outubro, o que Lula queria era evitar, mas não o conseguiu.

No domingo, 29 de julho, os principais jornais e revistas do País deram amplos espaços – alguns com cadernos especiais – para o processo. Na segunda-feira, a defesa tentou mais uma manobra protelatória. Márcio Thomaz Bastos, advogado de José Roberto Salgado, diretor do Banco Rural, anunciou que pediria o desmembramento do processo, ou seja, que somente fossem julgados pelo STF os réus que tivessem foro privilegiado; os restantes, inclusive o seu cliente, responderiam perante a Justiça Federal de primeira instância. Não era novidade esse tipo de argumentação, que, inclusive, já havia sido rejeitado pelo STF. Fazia parte da guerra de guerrilha, de desgaste, usada pelos defensores dos réus.

Na terça-feira, o Senador Pedro Taques (PDT-MT) fez duro pronunciamento na tribuna do Senado, exigindo que Dias Toffoli se considerasse impedido de julgar o processo do ‘mensalão’, pois tinha sido advogado de um dos réus e seu subordinado na Casa Civil (José Dirceu), entre 2003 e 2005, quando exerceu a função de Subchefe de Assuntos Jurídicos; durante aos, foi advogado do Partido dos Trabalhadores, como na campanha de 2002, que teve Delúbio Soares, um dos réus, como tesoureiro. Sua atual namorada, Roberta Rangel, tinha defendido um dos réus (Professor Luizinho), quando da aceitação da Denúncia, em 2007 – e também fora advogada de Paulo Rocha, outro réu. E, pior, em 2006, como advogado do PT, Toffoli tinha argumentado junto ao Tribunal Superior Eleitoral, reivindicando direito de resposta para o partido, que o ‘mensalão’ jamais tinha comprovado. O Senador Taques se dizia estarrecido com o silêncio do Ministro. Foi recordado que, em 2009, durante a sabatina realizado no Senado, Toffoli, quando perguntado pelo Senador Álvaro Dias, sobre um possível impedimento seu para julgar o ‘mensalão’, respondeu:

Se, eventualmente, tiver alguma hipótese na qual eu tiver atuado, aconselhado, tenha tido algum tipo de orientação, é evidente que, pelas normas de impedimento, tenho obrigação de me declarar impedido ou suspeito de atuar.  Seu próprio colega de STF, o Ministro Marco Aurélio relembrou que, no julgamento do ex-presidente Fernando Collor, em 1994, ele, de quem é primo em quarto grau, se julgou impedido e não participou do julgamento.

(Licínio Barbosa, advogado criminalista, professor emérito da UFG, professor titular da PUC-Goiás, membro titular do IAB-Instituto dos Advogados Brasileiros-Rio/RJ, e do IHGG-Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, membro efetivo da Academia Goiana de Letras, Cadeira 35 – E-mail [email protected])

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