Home / Opinião

OPINIÃO

Pertinho do céu

Não faz muito tempo, ouvi em algum lugar que as mulheres preferem os homens que não prestam. Não lembro exatamente quem soltou a pérola. Mas fiquei com a expressão marmotando a cabeça. Não tenho lá muita intimidade com o universo afetivo feminino – certamente preferiria crer o contrário – e talvez a informação seja eivada de outro sentido. O que ouço nem sempre pode ser o que elas realmente almejam, mas a representação que lhes parece ideal contar para o sujeito do sexo oposto.

Penso que os cafajestes sejam mais divertidos. Seria, a meu ver, a única explicação racional. Levar a vida a ferro e fogo, em um mundo nem sempre repleto de complicações que damos às coisas simples, não parece o melhor caminho. O sujeito excessivamente puritano, o baluarte dos bons costumes e da retidão moral, não expressa adequadamente falhas de caráter que nos caracterizam humanos e temperam as relações.

Talvez qualidades e defeitos sejam faces de uma única moeda. A teimosia é um lado necessário ao obstinado; a fé excessiva pode expressar uma relativa irracionalidade prática. A dissimulação é ângulo possível da diplomacia. O vício, óbvio, certamente deixa de ser virtude quando há o excesso. Mas não é o caso de prolongar demais o bla-bla-blá por aqui. Há gente que se saiu melhor neste exercício.

Ao cafajeste, então. Tenho por certeza absoluta de que o humor das excelentes frases prontas do universo masculino é intencionalmente calculado. A definição clássica do adjetivo seria mais ou menos o seguinte: indivíduo que se vale do imaginário simbólico coletivo do sexo oposto sobre o afeto mútuo para obter vantagens de natureza sexual de maneira contínua mediante a promessa nunca efetivada de compromisso duradouro. Em suma, é o cara que aluga a mina para dar um creu sem namorar ou casar.

Nestes termos, é uma visão melancólica desse legítimo exemplar masculino de nossa cultura pátria. Mas eu me divirto pacas com as frases imaginadas por esses cidadãos. São preciosidades que parecem apontar para o brega ou a falta de lógica, mas que minam a resistência feminina em razão do próprio absurdo. Em suma, fazem rir. O bom humor é uma excelente estratégia social para firmar um primeiro contato porque não se leva a sério – como o fazem os cafajestes.

A pretensão das tiradas safadas apela aos nossos instintos, que deveriam ser domados pela civilidade. Apesar dos exemplos chulos, que infelizmente se tornaram um tanto habituais, há excelentes formulações. Basicamente, é o que diferencia o cafajeste do canalha: o primeiro é sutil e elegante em suas omissões; o outro é grosseiro em suas mentiras.

Não creio no amor bandido por si somente. Talvez as mulheres tenham por meio de algum tipo de pacto íntimo a ingrata missão de devolver um homem torto à retidão moral necessária para estabelecer laços e formar família. Talvez seja essa a crença que as impulsionam a se envolver com notórios cafajestes; aquela esperança transformadora que sempre termina em lágrimas.

As frases são fabulosas. Uma típica: “O que este bombonzinho está fazendo fora da caixa”. Genial. Elegante o suficiente para não ser ofensiva; engraçada o bastante para abaixar a guarda. Ou, ainda: “Deus te proteja de mim”, que, inclusive, é célebre título de uma canção do falecido Wando, mestre supremo da delicada arte de insinuar sacanagem com expressões bem construídas.

Há outras menos elegantes, mas ainda assim comuns ao cafajeste. “Se fosse um sanduíche se chamaria X-Princesa”. Ou talvez “Não sabia que flor nascia no asfalto”. Apelando: “Vamos sair para tomar um suco, um sorvete, um banho”. Enfim, trata-se de uma mera síntese. A força dessas frases está mais no que insinua do que no que afirma.

Em meus tempos de Redação, tive a felicidade de conviver com um jornalista que era um brilhante escultor de frases cafajestes. Poucas vezes vi tamanho senso de oportunidade. Relato dois casos. Havia uma repórter muito bonita que era alvo do assédio do cidadão. Um dia, ele declarou abertamente. “Comprei um vaso, onde plantei uma roseira. A planta cresceu e ficou tão bonita que lhe dei nome. Suas pétalas são tão delicadas e cheirosas que a deixo no meu quarto”.

Sinceramente, prefiro um diálogo que o mesmo jornalista estabeleceu com uma outra repórter, de sólida formação religiosa e muito séria. Tanto o era que a chamávamos todos por “Irmã”. Um dia, ele lascou:

- Irmã, você está muito gostosa.

- Você me respeite, por favor. O meu destino é o céu.

- Então passe pela minha cobertura, que fica lá pertinho...

(Victor Hugo Lopes, jornalista)

Leia também:

  

edição
do dia

Capa do dia

últimas
notícias

+ notícias