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POLÍTICA

É a derrocada do Bolivarianismo?

Doutor em História vê queda do preço do petróleo como fator de crise na Venezuela Escritor diz que Congresso pode convocar referendo para revogar mandato presidencial Especialista aponta ausência de hegemonia de Nicolás Maduro para explicar derrota

  • Doutor em História vê queda do preço do petróleo como fator de crise na Venezuela
  • Escritor diz que Congresso pode convocar referendo para revogar mandato presidencial
  • Especialista aponta ausência de hegemonia de Nicolás Maduro para explicar derrota
  • Pesquisador frisa que o tal socialismo do século XXI nunca existiu de fato no país


A queda vertiginosa do preço do petróleo teria sido o principal fator a asfixiar a economia e a sociedade da Venezuela, diz com exclusividade ao Diário da Manhã, o doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) e jornalista, especialista em bolivarianismo, Gilberto Maringoni.

“Em julho de 2014, ele valia US$ 115. Um ano depois era cotado a US$ 53. E hoje está por volta de US$ 30. Para um país em que o óleo responde por cerca  de 97,5% de sua pauta de exportações é algo fatal. Haveria condições de se mudar isso ao longo dos anos Chávez. Em tese, sim, na prática é muito difícil.”

O escritor observa que inépcia administrativa, falta de liderança de Nicolás Maduro e o desabastecimento de produtos de primeira necessidade provocaram o descrédito dos agentes econômicos. “Não pode funcionar um país em que a taxa oficial de câmbio é de 6,3 bolívares por dólar e a do paralelo é mais de cem vezes maior”, explica o ex-chargista de O Estado de S. Paulo.

PERFIL

Nome completo: Gilberto Maringoni

Idade: 58

Formação: Doutor em História Social pela USP

Livros publicados: A Venezuela que se inventa (2004), A revolução venezuelana (2009), Direitos humanos, imagens do Brasil (2010), Desenvolvimento, o grande debate de 1944-45 – Simonsen Gudin (2011)

Projeto de novo livro? Uma pesquisa que venho desenvolvendo junto ao CNPq sobre os grandes grupos de comunicação na América Latina

O que andas lendo: Hereges, de Leonardo Padura, e O Estado empreendedor, de Mariana Mazzucato

LEIA A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA:

Diário da Manhã – Quais fatores provocaram a crise na Venezuela?

Gilberto Maringoni – O principal fator não é controlável pelo governo. Trata-se da queda vertiginosa do preço do barril do petróleo no mercado internacional. Em julho de 2014, ele valia US$ 115. Um ano depois era cotado a US$ 53. E hoje está por volta de US$ 30. Para um país em que o óleo responde por cerca 97,5% de sua pauta de exportações é algo fatal. Haveria condições de se mudar isso, ao longo dos anos de Hugo Chávez. Em tese, sim, na prática é muito difícil. Em tempos de bonança petroleira, o país tem propensão a importar. Está inundado de dólares e com o câmbio apreciado, o que torna as importações baratas. Com um mercado interno pequeno, é muito difícil à Venezuela atrair investimentos produtivos.

DM – O que motivou a derrota dos bolivarianos nas urnas?

Giberto Maringoni – Há um conjunto de fatores, a começar pela queda dos preços de seu principal produto, como falei. Mas há desde inépcia administrativa, falta de liderança de Nicolás Maduro, até a crise econômica interna que abala as expectativas da população. Ela gera desabastecimento de produtos de primeira necessidade e descrédito dos agentes econômicos. Não pode funcionar um país em que a taxa oficial de câmbio é de 6,3 bolívares por dólar e a do paralelo é mais de cem vezes maior. Há uma carência de moeda forte no país que gera desequilíbrio nos preços relativos e torna atividades de importação extremamente complicadas. A isso tudo se soma a perda de iniciativa política do governo e temos um coquetel de fatores a explicar a derrota.

DM – O Parlamento pode derrubar Nicolás Maduro?

Gilberto Maringoni – Democraticamente, não. Mas pode iniciar a convocação do mecanismo constitucional do referendo revogatório. Trata-se de uma consulta à população para ver se, passada a metade do mandato, o presidente segue no poder ou não.

DM – Existe risco de golpe institucional na Venezuela como os que ocorreram no Paraguai e Honduras?

Gilberto Maringoni – Agora é muito improvável. A oposição conquistou uma maioria incontestável na Assembleia Nacional e tem a perspectiva de derrotar o governo em eleições presidenciais ou num possível referendo. Só se fosse muito inábil buscaria uma situação de força, que poderia isolá-la internacionalmente. Não há razão para golpe em uma situação de crescimento da oposição.

DM – A saída do ministro da Economia é uma luz no fim do túnel?

Gilberto Maringoni – É algo preocupante. Luís Salas é um sociólogo marcadamente de esquerda, nomeado há apenas quarenta dias. Não teve tempo sequer de esquentar a cadeira. Foi substituído pelo empresário Miguel Pérez Abad. É possível que seja uma tentativa de estabelecer pontes com o setor privado. A troca é preocupante não pelos nomes em si, mas por aparentar uma tática um tanto errática na condução do Estado.

DM – O socialismo do século XXI acabou?

Gilberto Maringoni – O Socialismo do século XXI nunca existiu de fato. Trata-se de um chamamento feito por Hugo Chávez há dez anos, como um caminho a seguir. Se a pergunta se refere ao ciclo de centro-esquerda na América Latina, não se pode dizer que ele acabou, mas que vive momentos bem difíceis.

DM – O Brasil não iria atuar como mediador da crise?

Gilberto Maringoni – A presidente Dilma Rousseff, entre os vários retrocessos que vem liderando no país, busca retirar qualquer base criativa ou ousada de nossa política externa. O Brasil se tornou um espectador que beira a irrelevância no cenário externo.

DM – Existe risco de uma guerra civil no País?

Gilberto Maringoni – Não. Para isso é necessário existir uma situação muito aguda de conflagração social, o que não há nos dias de hoje. Até agora, todos os atores estão se movendo nos marcos da legalidade constitucional. Minha esperança é que sigam assim.

DM – Há semelhança entre a crise econômica do Brasil e a da Venezuela?

Gilberto Maringoni – É possível que o ciclo de governos progressistas da América do Sul – iniciado em 1998, com a eleição de Hugo Chávez, na Venezuela – e suas políticas de integração regional estejam enfrentando uma crise profunda. As causas são variadas e vão desde dificuldades econômicas até enfrentamentos políticos internos e externos. O ponto de semelhança com o Brasil é que ambos os países se especializaram na exportação de commoditties e – depois de um ciclo altista que durou uma década – os preços despencaram. Isso desarranja as economias. Mas há particularidades locais muito distintas. Com todos os problemas, Maduro ainda lidera um governo de esquerda. Dilma e sua gestão há muito tempo abandonaram esse lado da disputa.

DM – Qual leitura é possível fazer do futuro da Venezuela?

Gilberto Maringoni – É algo difícil de definir. Mantidos os parâmetros atuais de condução do governo, Maduro perde as próximas eleições.

DM – A Venezuela sai ou fica no Mercosul?

Gilberto Maringoni – As crises nos países que compõem o bloco têm buscado acordos de livre-comércio fora dele. O governo Dilma não demonstra maiores interesses em investir nele. O novo presidente argentino, Maurício Macri, quer a saída da Venezuela. Pela situação na qual está imerso o Mercosul, imagino que tudo seguirá como está no curto prazo.

DM – A crise da Venezuela afetou o apoio a Cuba?

Gilberto Maringoni – Não, não tenho indicações disso. Mas o país não tem mais condições de efetuar vendas de petróleo em condições vantajosas para a ilha.

“Não pode funcionar um país em que a taxa oficial de câmbio é de 6,3 bolívares por dólar e a do paralelo é mais de cem vezes maior”

Gilberto Maringoni,Historiado