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‘A crise atual poderá trazer já nas próximas eleições salvador da pátria’

 Historiador frisa que ascensão de José Sarney, em 1985, foi golpe político apoiado por Leônidas Pires  Doutor em História fala que impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, trata-se de um golpe parlamentar  Pesquisador afirma que impeachment de Fern

  •  Historiador frisa que ascensão de José Sarney, em 1985, foi golpe político apoiado por Leônidas Pires
  •  Doutor em História fala que impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, trata-se de um golpe parlamentar
  •  Pesquisador afirma que impeachment de Fernando Collor havia consenso generalizado entre forças políticas
  •  Professor diz que Aécio Neves não é herdeiro de Tancredo Neves e que FHC e Lula mantêm legados do 'velho'


Impeachment sem crime de responsabilidade é golpe, diz o doutor em História e professor da Universidade Federal de Goiás David Maciel. O pesquisador refere-se à queda de Dilma Rousseff. O pesquisador vê identidades entre os casos de Honduras, com Manuel Zelaya, em 2009, e de Fernando Lugo, no Paraguai, em 2012. Crítico, aponta que Nicolás Maduro corre sério risco de ser afastado do poder, na Venezuela. O escritor enxerga uma onda conservadora na América Latina: Argentina, Peru, Bolívia... David Maciel aponta as semelhanças e identidades entre a deposição de Fernando Collor de Mello, em 1992, e a da líder petista. Que não está consumada, explica. Estudioso da ditadura civil e militar no Brasil, a transição para a Nova República e os tempos sombrios de Fernando Collor de Mello, ele diz a ascensão de José Sarney foi um golpe político que teve como fiador o general Leônidas Pires Gonçalves.

Perfil


Nome completo: David Maciel

Idade: 50 anos

Formação - graduação em História pela PUC-GO, mestrado e doutorado em História pela UFG.

Instituição que leciona: graduação e pós-graduação da Faculdade de História da UFG

Livros publicados: A argamassa da ordem: da ditadura militar à Nova República (1974-1985). São Paulo: Xamã, 2004;

De Sarney à Collor: reformas políticas, democratização e crise (1985- 1990). São Paulo: Alameda; Goiânia: Funape, 2012.

Projeto de novo livro: Marxismo, História e Política (Marx, Engels, Lênin, Gramsci, Florestan Florestan Fernandes); Governos do PT, Neoliberalismo e Hegemonia burguesa no Brasil (2003-2016).

Leia na íntegra da Entrevista


Di­á­rio da Ma­nhã - O que há de 1992, no im­pe­achment de Fer­nan­do Col­lor de Mel­lo, na que­da, em 2016, de Dil­ma Rous­seff?

Da­vid Ma­ci­el - Com ex­ce­ção do ri­to ju­rí­di­co, não há mais na­da, pois são si­tu­a­ções bas­tan­te di­fe­ren­tes. No im­pe­achment de Fer­nan­do Col­lor ha­via um con­sen­so ge­ne­ra­li­za­do en­tre as for­ças po­lí­ti­cas, or­ga­ni­za­ções e mo­vi­men­tos so­ci­ais, além da opi­ni­ão pú­bli­ca em de­fe­sa de sua sa­í­da. Mes­mo a gran­de mí­dia aca­bou ade­rin­do ao im­pe­achment. Além dis­so, a cri­se po­lí­ti­ca que le­vou à que­da de Col­lor ti­nha por fun­da­men­to as do­res do par­to do pro­je­to ne­o­li­be­ral no Bra­sil. Ou se­ja, a sua im­ple­men­ta­ção ge­rou for­te des­con­ten­ta­men­to tan­to en­tre os tra­ba­lha­do­res, quan­to en­tre di­ver­sas fra­ções do ca­pi­tal. Por con­ta dis­so, tor­nou-se pos­sí­vel um acor­do en­tre o PT, o PSDB e se­to­res im­por­tan­tes do PMDB em fa­vor do im­pe­achment. Ago­ra, a si­tu­a­ção é di­fe­ren­te, pois ape­sar do pro­je­to ne­o­li­be­ral es­tar no­va­men­te em cri­se, mes­mo na ver­são mo­de­ra­da ado­ta­da pe­lo PT, há uma pro­fun­da di­ver­gên­cia en­tre as clas­ses bur­gue­sas e os tra­ba­lha­do­res acer­ca de sua con­ti­nui­da­de. Se de um la­do há um con­sen­so bur­guês ge­ne­ra­li­za­do em de­fe­sa da apli­ca­ção de uma ver­são ex­tre­ma­da do ne­o­li­be­ra­lis­mo, en­tre os tra­ba­lha­do­res há uma cla­ra opo­si­ção a es­ta pers­pec­ti­va, com acir­ra­men­to da crí­ti­ca e da re­sis­tên­cia ao mes­mo. Uma das ra­zões pa­ra que o go­ver­no Dil­ma Rous­sef se iso­las­se de su­as ba­ses e per­des­se gran­de par­te do apoio que pos­si­bi­li­tou sua re­e­lei­ção foi jus­ta­men­te a in­sis­tên­cia na apli­ca­ção de um ajus­te fis­cal e de me­di­das ti­pi­ca­men­te ne­o­li­be­ra­is, que iam na con­tra­mão do que as ma­ni­fes­ta­ções po­pu­la­res e as pró­pri­as elei­ções de 2014 in­di­ca­ram co­mo pers­pec­ti­va po­pu­lar pre­do­mi­nan­te. Is­to ex­pli­ca por­que no atu­al pro­ces­so de im­pe­achment a mai­or par­te dos sin­di­ca­tos e mo­vi­men­tos so­ci­ais, o PT e os de­mais par­ti­dos de es­quer­da e as for­ças po­lí­ti­cas mais pró­xi­mas dos tra­ba­lha­do­res se po­si­cio­nam con­tra o im­pe­achment, en­quan­to o PSDB, a mai­or par­te do PMDB, os par­ti­dos de di­rei­ta e as or­ga­ni­za­ções em­pre­sa­ri­ais, além da gran­de mí­dia, são a fa­vor.

DM - Com Jo­sé Sar­ney, Ita­mar Fran­co e Mi­chel Te­mer, sem vo­tos, o PMDB che­gou ao Pa­lá­cio do Pla­nal­to. Exis­tem iden­ti­da­des en­tre es­ses pro­ces­sos his­tó­ri­cos?

Da­vid Ma­ci­el - Em ter­mos for­mais sim, pois nos três ca­sos os vi­ces pre­si­den­tes as­su­mi­ram o go­ver­no na va­cân­cia do ti­tu­lar, mas se no ca­so de Ita­mar Fran­co o pro­ces­so foi le­gí­ti­mo, nos ca­sos de Jo­sé Sar­ney e Te­mer, não. Is­to por­que a as­cen­são de Sar­ney foi ir­re­gu­lar, pois quem de­ve­ria as­su­mir era o pre­si­den­te da Câ­ma­ra, Ulis­ses Gui­ma­rã­es. Ape­sar da par­ti­ci­pa­ção de­ci­si­va de Ulis­ses na gran­de com­po­si­ção po­lí­ti­ca que vi­a­bi­li­zou a elei­ção in­di­re­ta de Tan­cre­do Ne­ves, sua as­cen­são à pre­si­dên­cia, mes­mo que in­te­ri­na­men­te (pois ele de­ve­ria con­vo­car no­vas elei­ções em ca­so de im­pos­si­bi­li­da­de de­fi­ni­ti­va de Tan­cre­do), po­de­ria ge­rar des­con­ten­ta­men­to en­tre os dis­si­den­tes do go­ver­no mi­li­tar que ago­ra apoi­a­vam a opo­si­ção, ca­so da Fren­te Li­be­ral, além da pró­pria re­sis­tên­cia de de­ter­mi­na­dos se­to­res mi­li­ta­res. Va­le res­sal­tar ain­da que a as­cen­são de Ulis­ses à pre­si­dên­cia o im­pe­di­ria de con­cor­rer à pró­xi­ma elei­ção pre­si­den­ci­al, o que in­vi­a­bi­li­za­va seu pro­je­to po­lí­ti­co e tor­na­va le­tra mor­ta o acor­do en­tre ele e Tan­cre­do, se­gun­do o qual Ulis­ses o apoi­ou ago­ra em tor­no do seu apoio no fu­tu­ro. Por­tan­to, o prin­ci­pal fi­a­dor da as­cen­são de Sar­ney foi aque­le que atuou co­mo a ver­da­dei­ra "emi­nên­cia par­da" du­ran­te to­do o seu go­ver­no, o ge­ne­ral Le­ô­ni­das Pi­res Gon­çal­ves, mi­nis­tro do Exér­ci­to. Nes­te sen­ti­do, a as­cen­são de Sar­ney foi um gol­pe po­lí­ti­co. Guar­da­das as di­fe­ren­ças his­tó­ri­cas, no ca­so atu­al o pro­ces­so tam­bém se con­fi­gu­ra des­ta ma­nei­ra.

DM - Flo­res­tan Fer­nan­des diz que a elei­ção, no Co­lé­gio Elei­to­ral, e de­pois, a pos­se de Jo­sé Sar­ney, abor­ta­ram a re­vo­lu­ção de­mo­crá­ti­ca que po­de­ria ter ocor­ri­do com as 'di­re­tas já'. O se­nhor con­cor­da?

Da­vid Ma­ci­el - Sim, pois tra­tou-se de uma gran­de con­ci­li­a­ção en­tre as for­ças po­lí­ti­cas do­mi­nan­tes e en­tre as clas­ses bur­gue­sas, vi­a­bi­li­zan­do um go­ver­no con­ser­va­dor que con­du­ziu a tran­si­ção po­lí­ti­ca no sen­ti­do de pre­ser­var o má­xi­mo pos­sí­vel a ins­ti­tu­ci­o­na­li­da­de po­lí­ti­ca au­to­ri­tá­ria cri­a­da du­ran­te a Di­ta­du­ra Mi­li­tar. Nes­te sen­ti­do, a pos­sí­vel re­vo­lu­ção de­mo­crá­ti­ca anun­ci­a­da pe­las "di­re­tas" deu lu­gar a um pro­ces­so de re­for­ma da au­to­cra­cia bur­gue­sa. Nos ter­mos de Flo­res­tan Fer­nan­des, a au­to­cra­cia bur­gue­sa, cu­jo apo­geu ocor­reu du­ran­te a Di­ta­du­ra Mi­li­tar, con­fi­gu­ra um ti­po de Es­ta­do que his­to­ri­ca­men­te não re­co­nhe­ce os tra­ba­lha­do­res e su­as or­ga­ni­za­ções co­mo su­jei­tos po­lí­ti­cos, ca­pa­zes de co­lo­car li­vre­men­te e de ma­nei­ra au­tô­no­ma su­as de­man­das e in­te­res­ses di­an­te do apa­re­lho es­ta­tal e das clas­ses bur­gue­sas sem se­rem ob­je­to da co­op­ta­ção po­lí­ti­ca e/ou de um tra­ta­men­to re­pres­si­vo. Di­an­te dis­to, cri­ou-se uma de­mo­cra­cia li­mi­ta­da, pois es­tru­tu­ra­da por den­tro por me­ca­nis­mos de cu­nho au­to­ri­tá­rio, oli­gár­qui­co e fas­cis­ta. Ou se­ja, a pers­pec­ti­va an­ti­au­to­crá­ti­ca pre­sen­te na cam­pa­nha das "di­re­tas" foi con­tra­ri­a­da por um pro­ces­so po­lí­ti­co que pre­ser­vou e re­for­mou a au­to­cra­cia bur­gue­sa, não a abo­liu.

DM - Por ­que a elei­ção de Tan­cre­do Ne­ves e Jo­sé Sar­ney é clas­si­fi­ca­da co­mo uma tran­si­ção pe­lo al­to?

Da­vid Ma­ci­el - Jus­ta­men­te por que se ba­se­ou nu­ma am­pla con­ci­li­a­ção po­lí­ti­ca en­tre a opo­si­ção mo­de­ra­da e os se­to­res dis­si­den­tes do go­ver­no mi­li­tar, com a acei­ta­ção do pró­prio go­ver­no mi­li­tar que saía, em tor­no de uma pers­pec­ti­va de pre­ser­va­ção, não de abo­li­ção, da au­to­cra­cia bur­gue­sa e de ne­ga­ção da pers­pec­ti­va de­mo­crá­ti­ca e po­pu­lar.

DM - O pro­cu­ra­dor-ge­ral da Re­pú­bli­ca, Ro­dri­go Ja­not, pe­diu ao STF a pri­são de Jo­sé Sar­ney, per­so­na­gem de seu li­vro. A ação tem fun­da­men­to? [O STF ne­gou}

Da­vid Ma­ci­el - Pa­ra além do des­con­ten­ta­men­to de Sar­ney com as ini­ci­a­ti­vas da Ope­ra­ção La­va-Ja­to, su­ge­rin­do al­gum ti­po de in­ter­ven­ção po­lí­ti­ca no sen­ti­do de re­di­men­si­o­ná-la ou mes­mo en­cer­rá-la, as con­ver­sas gra­va­das por Sér­gio Ma­cha­do su­ge­rem a ocor­rên­cia de trans­fe­rên­cia de re­cur­sos, de aju­da fi­nan­cei­ra, de ten­ta­ti­vas de ob­stru­ção da jus­ti­ça. o que in­di­ca, no mí­ni­mo, a ne­ces­si­da­de de apro­fun­da­men­to das in­ves­ti­ga­ções e a ado­ção dos pro­ce­di­men­tos ju­di­ci­ais ca­bí­veis.

DM - Cas­sa­do, Fer­nan­do Col­lor, per­so­na­gem de sua obra mais re­cen­te, vol­tou a des­vi­ar re­cur­sos pú­bli­cos, co­mo de­mons­trou a Ope­ra­ção La­va Ja­to. Co­mo ele en­tra pa­ra a His­tó­ria Re­pu­bli­ca­na?

Da­vid Ma­ci­el - Fer­nan­do Col­lor é um po­lí­ti­co con­ser­va­dor, de abran­gên­cia re­gi­o­nal, tí­pi­co re­pre­sen­tan­te das oli­gar­quias ala­go­a­nas, for­ma­do po­li­ti­ca­men­te em con­for­mi­da­de com a au­to­cra­cia bur­gue­sa vi­gen­te his­to­ri­ca­men­te no Bra­sil, ou se­ja, per­so­na­lis­ta, au­to­ri­tá­rio e pa­tri­mo­ni­a­lis­ta. Só che­gou à pre­si­dên­cia da Re­pú­bli­ca por con­ta de uma si­tu­a­ção his­tó­ri­ca mui­to par­ti­cu­lar, ou se­ja, de uma cri­se da he­ge­mo­nia bur­gue­sa. Uma cri­se de he­ge­mo­nia on­de, se de um la­do ha­via con­sen­so en­tre as clas­ses bur­gue­sas em tor­no da ne­ces­si­da­de de pre­ser­var o má­xi­mo pos­sí­vel a au­to­cra­cia bur­gue­sa, não ha­via uni­da­de acer­ca do pro­gra­ma eco­nô­mi­co a ser ado­ta­do. Is­to cau­sou um cur­to-cir­cui­to na re­pre­sen­ta­ti­vi­da­de po­lí­ti­ca dos par­ti­dos do­mi­nan­tes (PMDB e PFL) di­an­te das clas­ses bur­gue­sas, frag­men­tan­do su­as al­ter­na­ti­vas elei­to­ra­is e abrin­do ca­mi­nho pa­ra fi­gu­ras de pou­ca ex­pres­si­vi­da­de co­mo Col­lor. O avan­ço dos mo­vi­men­tos so­ci­ais e das or­ga­ni­za­ções dos tra­ba­lha­do­res fa­vo­re­ceu a as­cen­são das can­di­da­tu­ras de es­quer­da de Bri­zo­la (PDT) e Lu­la (PT), tor­nan­do re­al su­as chan­ces de vi­tó­ria nas elei­ções de 1989. Col­lor tor­nou-se o can­di­da­to das clas­ses bur­gue­sas e das for­ças con­ser­va­do­ras por­que con­se­guiu pas­sar a ima­gem de um "sal­va­dor da pá­tria" não en­vol­vi­do com um sis­te­ma po­lí­ti­co cor­rom­pi­do e com um go­ver­no des­gas­ta­do, ga­nhan­do a ade­são po­pu­lar e cons­ti­tu­in­do-se no an­ti-Bri­zo­la, no pri­mei­ro tur­no, e no an­ti-Lu­la, no se­gun­do. No en­tan­to, uma vez no go­ver­no evi­den­ci­ou to­dos os seus li­mi­tes en­quan­to ar­ti­cu­la­dor po­lí­ti­co e li­de­ran­ça po­lí­ti­ca, ten­tan­do im­plan­tar na mar­ra um pro­je­to ne­o­li­be­ral ex­tre­ma­do que agra­vou a cri­se eco­nô­mi­ca, so­ci­al e po­lí­ti­ca, res­sal­tou ain­da mais seu com­por­ta­men­to au­to­ri­tá­rio, per­so­na­lis­ta e pa­tri­mo­ni­a­lis­ta e uni­fi­cou as mais va­ri­a­das e di­ver­gen­tes for­ças po­lí­ti­cas e so­ci­ais con­tra si. Seu re­tor­no à po­lí­ti­ca res­ta­be­le­ceu sua ver­da­dei­ra di­men­são na his­tó­ria po­lí­ti­ca bra­si­lei­ra, qual se­ja, a de uma li­de­ran­ça re­gi­o­nal, de per­fil con­ser­va­dor e prá­ti­cas po­lí­ti­cas fi­si­o­ló­gi­cas, co­mo in­di­cam as atu­ais in­ves­ti­ga­ções con­tra ele. Na cri­se atu­al é re­al o ris­co de que nas pró­xi­mas elei­ções emer­ja um no­vo "sal­va­dor da pá­tria", com as mes­mas di­fi­cul­da­des de ar­ti­cu­la­ção po­lí­ti­ca que Col­lor, agra­van­do a cri­se e cri­an­do a pos­si­bi­li­da­de de re­tro­ces­sos au­to­ri­tá­rios.

DM - Aé­cio Ne­ves [PSDB-MG] se­ria o her­dei­ro de Tan­cre­do Ne­ves?

Da­vid Ma­ci­el - Em ter­mos po­lí­ti­cos não, pois o que ca­rac­te­ri­za a tra­je­tó­ria de Tan­cre­do Ne­ves é a enor­me ca­pa­ci­da­de de agre­gar for­ças po­lí­ti­cas di­ver­gen­tes, con­ci­li­ar os in­te­res­ses do­mi­nan­tes e ain­da as­sim ob­ter apoio po­pu­lar pa­ra a es­ta­bi­li­da­de po­lí­ti­ca e a de­fe­sa da or­dem so­ci­al. Aé­cio não tem na­da des­ta ca­pa­ci­da­de, o que se evi­den­cia em seu com­por­ta­men­to in­tran­si­gen­te e ao mes­mo tem­po er­rá­ti­co no atu­al pro­ces­so de im­pe­achment e que o fez ser en­go­li­do pe­la di­nâ­mi­ca po­lí­ti­ca, per­den­do o pro­ta­go­nis­mo que ha­via con­quis­ta­do com as elei­ções de 2014. Em sen­ti­dos dis­tin­tos e de ma­nei­ras di­fe­ren­tes, na his­tó­ria do Bra­sil re­cen­te os ver­da­dei­ros her­dei­ros po­lí­ti­cos de Tan­cre­do são Fer­nan­do Hen­ri­que e, prin­ci­pal­men­te, Lu­la.

DM - O im­pe­achment, sem cri­me de res­pon­sa­bi­li­da­de, de Dil­ma Rous­seff, não é gol­pe?

Da­vid Ma­ci­el - Sim, por­que sem cri­me de res­pon­sa­bi­li­da­de o im­pe­achment não se jus­ti­fi­ca ju­ri­di­ca­men­te. Por­tan­to, o pro­ble­ma é po­lí­ti­co, ou se­ja, o im­pe­achment foi o ca­mi­nho es­co­lhi­do pe­la opo­si­ção de di­rei­ta, pe­la gran­de mai­o­ria do PMDB, pe­la gran­de mí­dia e pe­lo con­jun­to das clas­ses bur­gue­sas pa­ra in­ter­rom­per um go­ver­no elei­to, po­rém in­ca­paz de re­fun­dar a po­lí­ti­ca de con­ci­li­a­ção de clas­ses que fez as gló­rias do lu­lis­mo. De­pois das Jor­na­das de Ju­nho de 2013 e do fra­cas­so das po­lí­ti­cas an­ti­cí­cli­cas to­ma­das nos anos an­te­rio­res pa­ra evi­tar a con­ta­mi­na­ção ain­da mai­or da eco­no­mia bra­si­lei­ra pe­la cri­se mun­di­al, a pers­pec­ti­va de con­ti­nua­ção e apro­fun­da­men­to do pro­gra­ma ne­o­li­be­ral e ao mes­mo tem­po de ma­nu­ten­ção dos mo­vi­men­tos so­ci­ais e das or­ga­ni­za­ções po­lí­ti­cas dos tra­ba­lha­do­res sob con­tro­le re­dun­dou em des­gas­te, iso­la­men­to po­lí­ti­co e per­da de le­gi­ti­mi­da­de. O que pa­ra o gran­de ca­pi­tal tor­nou o go­ver­no pe­tis­ta dis­pen­sá­vel, de­pois de 13 anos de ser­vi­ços pres­ta­dos em fa­vor da he­ge­mo­nia bur­gue­sa no pa­ís.

DM - O que há de iden­ti­da­de en­tre Hon­du­ras, 2009, Pa­ra­gu­ai, 2012, e Bra­sil, 2016?

Da­vid Ma­ci­el - Guar­da­das as enor­mes di­fe­ren­ças de gran­de­za eco­nô­mi­ca e im­por­tân­cia po­lí­ti­ca, os três ca­sos se as­se­me­lham na me­di­da em que os go­ver­nos elei­tos de Ma­nu­el Ze­laya, Fer­nan­do Lu­go e Dil­ma Rous­sef con­tra­ri­a­ram, mes­mo que par­ci­al­men­te e em graus va­ri­a­dos, os in­te­res­ses do ca­pi­tal in­ter­na­ci­o­nal, par­ti­cu­lar­men­te do ca­pi­tal fi­nan­cei­ro, e se com­pro­me­te­ram com po­lí­ti­cas so­ci­ais com­pen­sa­tó­ri­as vol­ta­das pa­ra os po­bres. Es­ta si­tu­a­ção le­vou o ca­pi­tal in­ter­na­ci­o­nal e as clas­ses do­mi­nan­tes na­ti­vas, com apoio de se­to­res das clas­ses mé­di­as, a pa­tro­ci­na­rem gol­pes ju­rí­di­co-par­la­men­ta­res en­ca­mi­nha­dos por den­tro da pró­pria ins­ti­tu­ci­o­na­li­da­de, dis­pen­san­do as­sim o fe­nô­me­no do gol­pe mi­li­tar tí­pi­co da his­tó­ria la­ti­no-ame­ri­ca­na. É im­por­tan­te res­sal­var que em Hon­du­ras os mi­li­ta­res ti­ve­ram um pa­pel im­por­tan­te na de­po­si­ção do pre­si­den­te, ape­sar de não as­su­mi­rem o po­der. No ca­so de Ma­nu­el Ze­laya tra­tou-se de uma li­de­ran­ça oli­gár­qui­ca que bus­cou ali­ar-se à AL­BA e ao cha­ma­do blo­co bo­li­va­ri­a­no (Ve­ne­zu­e­la, Bo­lí­via, Equa­dor e Cu­ba), as­sim des­con­ten­tan­do os in­te­res­ses im­pe­ri­a­lis­tas. No Pa­ra­gu­ai tra­tou-se de der­ru­bar um go­ver­no for­te­men­te vin­cu­la­do aos mo­vi­men­tos so­ci­ais e com uma pers­pec­ti­va pós-ne­o­li­be­ral. No Bra­sil, o gol­pe ju­rí­di­co-par­la­men­tar es­tá em cur­so, ape­sar de ain­da não po­der­mos afir­mar que es­tá con­su­ma­do ple­na­men­te, ha­ja vis­ta os bai­xís­si­mos ín­di­ces de po­pu­la­ri­da­de do go­ver­no Te­mer por con­ta da pau­ta ne­o­li­be­ral ex­tre­ma­da que de­fen­de, e sua pró­pria in­ca­pa­ci­da­de em go­ver­nar, sur­pre­en­den­do os que acha­vam que bas­ta­va a que­da de Dil­ma pa­ra que a es­ta­bi­li­da­de po­lí­ti­ca fos­se re­con­quis­ta­da.

DM - A Ve­ne­zu­e­la é a bo­la da vez?

Da­vid Ma­ci­el - Tu­do in­di­ca que sim, ape­sar do go­ver­no Ni­co­lás Ma­du­ro ain­da con­tar com o apoio ex­pres­si­vo dos mo­vi­men­tos so­ci­ais, dos po­bres e de se­to­res im­por­tan­tes da bu­ro­cra­cia ci­vil e mi­li­tar, o que lhe con­fe­re uma ca­pa­ci­da­de de re­sis­tên­cia à ten­ta­ti­va de apeá-lo do po­der. O agra­va­men­to da cri­se eco­nô­mi­ca jo­ga­rá um pa­pel de­ci­si­vo no de­sen­la­ce da cri­se ve­ne­zu­e­la­na. De to­do mo­do, é vi­sí­vel o avan­ço das for­ças con­ser­va­do­ras na Amé­ri­ca La­ti­na, co­mo exem­pli­fi­cam os três ca­sos aqui tra­ta­dos, além de ou­tros co­mo Ar­gen­ti­na, ago­ra o Pe­ru e mes­mo a Bo­lí­via, on­de a pre­ten­são de Evo Mo­ra­les de con­cor­rer a um no­vo man­da­to foi der­ro­ta­da.