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POLÍTICA

Assim morreu “Osvaldão”

  •  Guerrilheiro lutou boxe no Vasco da Gama (RJ)
  •  Ícone do conflito treinou na China comunista
  •  Negro, tinha 2 metros de altura e calçava nº 44
  •  Conflito deixou saldo trágico de 70 desaparecidos


Renato Dias Da editoria de Política&Justica

Nascido em Passa Quatro (MG) no dia 27 de abril de 1938, ele era negro, estudou na antiga Tchecoslováquia, país da cortina de ferro, lutou boxe no Vasco da Gama (RJ), possuía dois metros de altura, calçava um número de sapato maior do que 44 e entrou para a História do Brasil, como ícone da Guerrilha do Araguaia. Acertou quem pensou em Osvaldo Orlando da Costa, conhecido como “Osvaldão”, que fez treinamento militar na China, em 1964, e se deslocou para a área estratégica à luta armada já em 1966.

A sua vida é um thriller político que começa antes da Segunda Guerra Mundial, desenvolve sob a Guerra Fria entre os blocos socialista e capitalista, atinge novo patamar com o Golpe de Estado civil e militar de 1964 e termina com a sua morte em um crime sem castigo. Ele que, com nove anos, tinha medo do escuro como qualquer criança, estudou no Ginásio São Miguel. Mais: ingressou na Escola Técnica Nacional, no Rio de Janeiro, passou pela Tchecoslováquia, onde produziu um documentário, hoje restaurado. No ringue é que ele se sentia à vontade.

— Ele lutava com a esquerda à frente. Se pegasse o queixo do adversário, era chão... (De Jonas Rage).

A morte de um estudante levou-o a organizar protestos. Até ônibus foram queimados. Deu na mídia. Os ônibus eram da linha 109 da Haddock Lobo. Com o racha no partidão, ocorrido no ano de 1962, organizado por João Amazonas, Diógenes Arruda, Pedro Pomar e Ângelo Arroyo, Osvaldão entra para o PCdoB. Quem conta a história é Wladimir Pomar. Contaminados pelas revoluções chinesa (1949) e cubana (1959), os comunistas queriam deflagrar a luta armada no País. Antes do golpe que derrubou o nacional-estatista de linhagem trabalhista João Belchior Goulart.

— Osvaldão ajudou a escolher a região estratégica, o Araguaia. (O relato é de Wladimir Pomar).

Ele virou um garimpeiro, marisqueiro e camponês, registra o sobrevivente Zezinho do Araguaia, que mora, hoje, em Goiânia. Os comunistas ficaram rotulados de "paulistas". Osvaldo Orlando da Costa, como “Mineirão”. Com a descoberta da área, em 1972, as Forças Armadas deslocam para a região milhares de homens do Exército, Marinha e Aeronáutica. Hugo Abreu, Sebastião Curió, Lício Maciel, Nilton Cerqueira montam centro de inteligência, adotam a estratégia do terror de Estado e cooptam mateiros.

– Para entrar na mata.

A ordem de Ernesto Geisel era incisiva:

– Liquidar!

Tropas de paraquedistas chefiadas por Nilton Cerqueira, comandante da base de São Raimundo, que ficava na divisa da reserva dos índios Suruí, matam Maurício Grabois, comandante da guerrilha e pai de André Grabois. Registros da história do Brasil: no turbulento ano de 1971, sob o milagre econômico e pós-Copa do Mundo de 1970, Cerqueira havia executado o capitão da guerrilha urbana, Carlos Lamarca, fundador da VAR-Palmares, membro da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), à época no MR-8

Cerqueira foi convocado pelos irmãos Ernesto e Orlando Geisel para a terceira campanha contra a Guerrilha do Araguaia. Depois, virou general, secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro e até deputado federal. Coronel do CIE, Carlos Sérgio Torres, que chefiava as equipes de execuções, recebeu todos os pertences dos guerrilheiros abatidos. Menos o “Diário do Velho Mário’. Detalhe: o documento que relata o cotidiano da guerrilha reapareceu no Rio de Janeiro, onde mora Cerqueira.

Diário

O “Diário do Velho Mário”, codinome do comandante-chefe da Guerrilha do Araguaia, Maurício Grabois, é o documento mais profundo sobre o conflito, diz o jornalista Lucas Figueiredo. Segundo ele, 605 dias da guerra são relatados no texto. Autor de Olho por Olho - Os Livros Secretos da Ditadura, (Editora Record), Figueiredo revelou que, assim como os mateiros, os índios aikewara da aldeia suruí-sororó foram obrigados, na base da tortura e da ameaça, a caçar e matar os guerrilheiros.

O líder comunista Osvaldão, faminto, maltrapilho, sem armas, isolado, perdido na mata, não se entregou. Ele morreu em combate. O seu corpo foi exibido à população como um troféu da ditadura civil e militar. Os guerrilheiros, liquidados. Eles integram a lista dos desaparecidos políticos. O último capítulo da guerrilha do Araguaia ocorreu em dezembro de 1976, em São Paulo, na chacina da Lapa. Onde morreram Ângelo Arroyo, Pedro Pomar, João Batista Drummond. Já Giovani, filho de Osvaldão, como na Argentina, foi sequestrado e nunca mais encontrado.

História

A Guerrilha do Araguaia começou a ser preparada em 1966. Ela ocorreu no Norte de Goiás, hoje Estado do Tocantins, e no Sul do Pará, além de Maranhão e Mato Grosso entre 1972 a 1975. Inspirada nas táticas e estratégias de Mao, que liderou a revolução socialista na China, em 1949, foi dirigida pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), queria cercar as cidades pelo campo, derrubar a ditadura civil e militar, implantada no Brasil em 31 de março de 1964, e construir o socialismo no País.

O PCdoB deslocou para a região do Araguaia 69 guerrilheiros e 18 camponeses teriam sido incorporados ao movimento revolucionário. O Exército calcula que o número de colaboradores populares da guerrilha foi maior, em torno de 30. O número de mortos, segundo o jornalista e historiador Hugo Studart (DF), chegou a 95. Dos três lados do conflito: PCdoB, camponeses e Forças Armadas. Entre presos e desertores, 14 sobreviveram, relata o especialista no conflito. Entre eles José Genoíno Neto.

As Forças Armadas desencadearam, para acabar com a Guerrilha do Araguaia, três campanhas distintas – Papagaio, Sucuri e Marajoara. Na terceira, a ordem era não fazer prisioneiros. Duas equipes de execuções de guerrilheiros foram montadas: a Zebra e Jiboia. A repressão teria ainda terceirizado a guerra com a contratação de jagunços e de índios que viviam na região. Detalhe: chegou a ser criada uma tabela de preço por cabeça. Trinta guerrilheiros acabaram executados. Friamente.

História

Leia trechos do “Diário”

"30/10 - Novo acesso de malária e más notícias do DA (para mim, particularmente, terríveis) deixaram-me em estado de não poder escrever coisa alguma. Hoje, livre do ataque de impaludismo e, em parte, refeito do choque emocional, disponho-me a relatar o sucedido com um grupo de combatentes daquele D. No dia 26, chegaram Joca e Ari, depois de caminharem 12 dias, gastos na ida e na volta, até o ponto com os mensageiros do DA. Jo. relatou que vieram ao local do encontro Piauí e Antonio. O VC daquela unidade guerrilheira contou o seguinte: no dia 13, um grupo chefiado por ZC, composto por Nunes, João, Zebão e Alfredo, dirigiu-se a um depósito para apanhar farinha.
No dia anterior, Alfredo e outros combatentes insistiram junto ao C para se matar 3 porcos do D, que estavam numa capoeira abandonada. ZC repeliu com energia a proposta, dizendo que ela afetava a segurança e que “não se devia morrer pela boca”. Por isso, só iriam buscar farinha. No entanto, no meio do caminho, sob pressão de alguns combatentes, deixou-se convencer de apanhar os porcos. E o grupo enveredou capoeira adentro. Então, foram cometidas uma série de facilidades: os porcos foram mortos a tiros, acendeu-se o fogo, não se deu importância ao helicóptero que sobrevoava o local e permaneceu-se demasiado tempo na capoeira.
Ainda estavam os guerrilheiros dedicados à tarefa de tratar os porcos quando foram surpreendidos pelo inimigo. João procurou fugir ao ouvir descargas de metralhadora. Mas obteve êxito. Foi ele que relatou o ocorrido. Em sua opinião, os outros 4 combatentes, que não apareceram no acampamento, foram mortos. Assim, o DA foi duramente golpeado. Perdeu seu comandante, homem capaz e um dos mais puros revolucionários. Estava ligado ao P desde os 16 anos e ainda podia dar muito à revolução. Era excelente comandante. O primeiro erro que, no entanto, cometeu, lhe foi fatal. Tinha 27 anos e seu verdadeiro nome era André Grabois. Nunes era a terceira pessoa do D. tinha raras qualidades de combatente e destacava-se por seu espírito combativo. Seu nome era Divino Ferreira de Souza. Tinha 31 anos. Zebão, jovem espirituoso, incorporou-se à guerrilha aos 19 anos e agora tinha 23. Era um guerrilheiro exemplar. Alfredo, que não conheci, era elemento recrutado entre a população local. Eficiente, calmo e corajoso, constituía a melhor aquisição das FF GG entre os camponeses.

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