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“Estou sendo punido pelo teor das minhas decisões judiciais”

Danyla Martins Da editoria de Política&Justiça 

Após 24 anos de serviços prestados, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) solicitou a aposentadoria compulsória do juiz Ari Ferreira de Queiroz da 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual de Goiânia. Dos 15 membros do CNJ, que analisaram o Processo Administrativo Disciplinar, apenas um foi contrário e o magistrado foi penalizado por ter proferido sentenças que teriam beneficiado o cartorário Maurício Sampaio, em 2009 e 2011.

Mantendo esse posicionamento, Ari de Queiroz pode ser afastado do cargo e receberá vencimentos proporcionais ao tempo de serviço. O juiz também é acusado ainda de lesar a competência do Supremo Tribunal Federal (STF), ao contrariar a decisão do próprio CNJ, devolvendo a titularidade do cargo a Maurício Sampaio.

Em entrevista ao Diário da Manhã, o magistrado diz que está de férias e afirma que não acredita que o CNJ dará continuidade com a decisão, pois não cometeu nenhum crime e também não se beneficiou por quaisquer interesses de cunho pessoal. Ari de Queiroz ainda acrescenta que tem a consciência limpa de suas decisões enquanto juiz e que as mesmas seriam tomadas independentes de interesses de outras pessoas. O juiz salienta que as decisões tomadas em quaisquer julgamentos foram corretas.

Entrevista  

DM — Como o sr. recebeu essa informação da aposentadoria compulsória?

Ari de Queiroz — Primeiramente, eu gostaria de explicar aos leitores, que quando se fala em uma aposentadoria compulsória dos magistrados as pessoas ficam indignadas, o sujeito faz o que faz e ainda vai se aposentar recebendo tantos porcento. Preciso deixar claro que a aposentadoria não é um presente, não é um prêmio ou um bônus que o poder público dá ao agente público. É algo que se vem comprando a prestações longas durante toda sua vida. Eu pago previdência, por exemplo, há 44 anos. Na pior das hipóteses, se fosse aposentado compulsoriamente sem direito a receber os proventos nó mínimo, o Estado teria que me devolver os 44 anos de previdência que recolhi. Acho mais grave pagar um auxílio-reclusão para quem nunca contribuiu com nada do que pagar um prêmio de aposentadoria voluntária ou não voluntária.

DM — Como o sr. vê essa decisão do CNJ?

Quanto a mim, me surpreendeu pelo ineditismo. É a primeira vez que nós estamos vendo na prática, um magistrado ser punido pelo teor de suas decisões judiciais. Justamente, por isso, que eu não acredito que o STF vai aceitar. Não é um fato consumado. Por enquanto, se encerrou uma etapa do processo, uma etapa que chamo de administrativa. O CNJ é um órgão importantíssimo e merece todo nosso respeito, mas é um órgão administrativo sem função jurisdicional, de modo que as decisões administrativas de qualquer órgão, inclusive da presidência da República, do Congresso Nacional, sem exceção estão sujeitos a controle judicial e não ao contrário. E comigo aconteceu justamente o contrário. Eu proferi diversas decisões e não são de hoje, são decisões de 2009, 2010, 2011. Essas decisões foram confirmadas pelo Tribunal de Justiça, houve recurso, quem não concordou recorreu. Houve o que se chama de trânsito em julgado que significa o esgotamento de todos os recursos cabíveis. E depois de tudo isso, o CNJ que é um órgão administrativo acabou entrando no mérito e passando por cima dessas decisões. E o que é pior na minha concepção, questionou a validade das minhas decisões e desprezou o fato de estar confirmado pelo Tribunal de Justiça. De modo que se eu estou errado, o Tribunal também estaria. Mas, vou mais além. Pra mim, decisão judicial nenhuma, nem do juiz, nem do TJ, nem do desembargador poderia ser questionada por esse objeto de valoração administrativa. Como ficou expresso na decisão do CNJ, primeiro, nem sequer havia acusação contra mim de desvio de conduta. Existe o questionamento de decisões e a própria relatora disse com todas as letras que não há sequer indício, tampouco, cogitação de que eu tenha recebido benefícios em decisões. Sobrou o que, portanto? Sobraram as minhas convicções. É como se perguntasse o seguinte: dr. Ari, por que decidiu nesse sentido? Eu responderia: é porque eu não decidi nesse outro sentido. Ou seja, é porque minhas convicções apontaram méritos só naquela direção. E quem não concorda, que recorresse para o órgão competente. Enfim, essa decisão do CNJ foi equivocada e tem outros erros que será objeto de questionamento judicial perante o STF. Justamente por isso que entendo que ela não prevalecerá. No presente momento, estou em férias. Entendo que sequer poderia ser atingido por essa decisão e tudo isso foi passado por cima. Lamento por tudo isso porque o Direito que eu aprendi e venho ensinando há 30 anos não funciona pra mim, ainda. Mas vai funcionar. No momento certo, ele vai funcionar. Neste momento, estou usando as bases que o Direito tem que são lícitas e transparentes.

DM — O sr. acredita que pode haver algum caráter pessoal na decisão?

Ari de Queiroz — Não creio que seja. Creio que foi um atropelo, um desatino. Não teria sentido falar que houve algo pessoal até porque nem conheço as pessoas que instauraram o processo. Se eu não conheço, eles também não me conhecem. Entendo que houve um abuso. No STF aponto isso, que o CNJ extrapolou os limites de sua atribuição. Não questiono a importância do CNJ como órgão de planejamento, de controle, ou até de controle disciplinar. Não questiono nada disso. Apenas entendo que esse controle jamais poderia passar por cima de uma decisão judicial. Guardada as proporções, o dia em que acharmos correto punir o juiz pelo teor de suas decisões é a mesma coisa que punir um deputado pelo teor de suas palavras no parlamento. É quebrar a imunidade parlamentar. Até já me perguntaram, você acha que juiz tem imunidade? Não acho, tenho certeza. A única diferença em termos de imunidade judicial da imunidade parlamentar é que esta última está prevista na Constituição e a nossa está prevista no Estatuto do Magistrado. De modo que, por estas razões, são muito convictas que o CNJ não poderia ter avançado. Poderia até discordar, mas contentar com essa discordância. No dia que tirarmos as decisões do juiz é melhor fechar o judiciário.

DM — Por que o sr. acha que as suas decisões incomodaram o CNJ?

Ari de Queiroz — Eu não decidi pensando em incomodar aqui ou ali. Sou juiz há 24 anos e proferi alguns milhares de sentenças, mas, modéstia à parte, sou um juiz rápido e não costumo enrolar e nunca decidi para agradar esse ou aquele interesse. Sempre fui dono das minhas próprias convicções. Costumo dizer que conheço a jurisprudência e posso concordar ou discordar desse entendimento e vou seguindo meu próprio caminho, desde que esses caminhos eu fundamente e apresente a motivação, estou cumprindo mais que um direito, é uma obrigação minha. Sempre disse que os juízes tem o direito e obrigação de decidir de acordo com suas convicções. O juiz não pode ser apenas um compilador ou copiador de modelos pré-estabelecidos. Meu cargo não é de juiz da lei é de juiz de direito. E o Direito é bem maior que a lei. A Justiça não é ciência exata.

DM — Durante esses 24 anos, o sr. já passou ou algum outro tipo de retaliação?

Ari de Queiroz — Que eu me recorde, não. Fiz uma carreira que considero estável. Sempre entendi que era até um ponto de apoio para a imprensa quando queria discutir algum assunto de interesse jurídico. Claro, decidi várias vezes contra interesses, mas nunca sofri retaliações. Agora chegou a minha vez de sofrer retaliação e espero revertê-las. A minha dignidade e a minha consciência estão tranquilas. Se eu tivesse sido acusado, mesmo inocente, de propinagem, de venda de sentenças talvez ficaria incomodado, mas nem acusado eu fui. Estou apanhando pelo teor das minhas decisões judiciais. Talvez não saibam, mas fui processado por ter conseguido duas entrevistas em emissoras de televisão. Por que no terceiro milênio, no século 21, na era da transparência, estive na condição de professor, estou sendo processado por isso? Fui processado por ter um site na internet com meu nome com mais de 20 anos que trazia meus livros, artigos acadêmicos sob a justificativa de que eu estava me promovendo. É bem verdade que dessa acusação fui absolvido, mas respondi processo por isso. Mesmo com a acusação do CNJ e sabendo que eu não estava errado tirei o site do ar.

DM — Como o sr. avalia as pesquisas, a exemplo da Data Folha, em que mostram certo descrédito no judiciário?

Ari de Queiroz — Vejo que o País inteiro está em descrédito e as instituições também estão desacreditadas e o Judiciário não fica imune a isso. E vejo que decisão desse naipe em que você ganha na justiça, mas não consegue levar para casa, eu pergunto qual a credibilidade que o judiciário te. Nenhuma. E nas minhas decisões, algo semelhante a isso aconteceu. A população, como um todo, desacredita nos políticos, no judiciário. E essa população não está errada. Por outro lado, é preciso atentar que muitas vezes a chamada população vai pelo o que a imprensa está dizendo. Existe um setor da imprensa às vezes distorcido que alinha uma direção e quer que aquilo seja verdade e aproveita do poder de influência e formador de opinião e, ao invés de falar de opinião pública tem aquela máxima de opinião publicada. Então, vemos que alguns maus comportamentos em certos setores da sociedade também atinge o judiciário. Isso é ruim. O Judiciário era e tem que continuar sendo pelo menos o último ponto de esperança. Se desacreditarmos até no Judiciário, não teremos para onde correr.

DM — E a OAB, qual seu posicionamento?

Ari de Queiroz — É uma situação preocupante. A OAB trabalha junto com o Poder Judiciário. Presentemente, é uma situação pontual. Há notícias que tenho conhecimento apenas pela imprensa, mas confio muito na atual gestão da OAB, tnato quanto confiava na gestão anterior. O presidente da OAB é um homem decente, sério, filho de um magistrado e é um nome que tem tudo para consertar eventuais desajustes que haja na OAB. A entidade tem que ser mais que uma associação, uma verdadeira ordem de interesse público e não apenas dos empregadores. Essa dificuldade que vejo de separar a instituição OAB que representa interesses da sociedade, da mesma instituição que representa os interesses dos advogados e muitas vezes esse interesse entra em conflito. Se os dirigentes não conseguem fazer essa separação de interesses classistas dos da sociedade, isso não é bom.

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