Home / Política

POLÍTICA

Indústria de armas financiou 21 parlamentares no Congresso

Congresso em Foco 

Mais de 70% dos candidatos que receberam legalmente doações de campanha da indústria de armas e munições se elegeram em 2014. Dos 30 nomes beneficiados pelo setor, 21 saíram vitoriosos das urnas: são 14 deputados federais e sete deputados estaduais. Ao todo, fabricantes de armas e munições destinaram R$ 1,73 milhão para políticos de 12 partidos em 15 estados. Metade desses recursos ficou com candidatos do PMDB e do DEM, do Rio Grande do Sul e de São Paulo.

Os dados, aos quais o Congresso em Foco teve acesso, são de levantamento exclusivo do Instituto Sou da Paz, organização não governamental (ONG) de combate à violência, com base em dados registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Apesar de identificar uma redução no volume de doações legais (R$ 1 milhão a menos do que nas eleições de 2010) e no número de congressistas financiados pelo setor (foram 13 federais a menos neste ano), o instituto vê a indústria de armas fortalecida no Congresso. E com um alvo certo e imediato: a revogação do chamado Estatuto do Desarmamento, que restringe o porte e o uso de armas de fogo em todo o país.

Dos 24 titulares da comissão especial incumbida de discutir o projeto que libera o porte e o uso de armas de fogo no país, dez receberam doações do setor para suas campanhas eleitorais neste ano. Ou seja, cerca de 40% dos integrantes. Outros seis suplentes do colegiado também foram financiados por fabricantes de armas e munições.

"A bancada da bala aproveitou o período eleitoral para avançar o projeto na surdina. Nesse sentido, desistiu de realizar seis audiências públicas país afora e optou por realizar apenas uma audiência, em 26 de novembro. Mais do que isso, o objetivo da comissão é votar o projeto de forma açodada, sem realizar uma discussão aprofundada com a sociedade civil", afirma a ONG.

O projeto de lei (PL 3722/12), que será debatido em audiência pública na Câmara Federal, enfrenta resistência do governo, que prefere manter as diretrizes da atual legislação. Entre os pontos polêmicos da proposta está o número de armas que cada cidadão poderá adquirir e legalizar: até nove. O texto também aumenta o número de munição para portadores de armamento: de 50 balas por ano para 50 balas por mês.

"Por que um cidadão comum precisa ter nove armas e 50 munições por mês? O projeto é desastroso", disse  o cientista  político e professor de Relações Internacionais Marcelo Fragano Baird, coordenador de projeto do Instituto Sou da Paz para a área de Sistemas de Justiça e Segurança Pública.

Para Marcelo, o financiamento de candidaturas tem objetivos explícitos. Entre eles, a aprovação de proposições como a que visa assegurar o porte de arma para o maior número possível de categorias (advogados, oficiais de Justiça, políticos etc), com óbvios propósitos comerciais. "Diversos projetos são apresentados por ano para modificar pontualmente o Estatuto do Desarmamento. De vez em quando eles conseguem algumas vitórias", acrescentou.

O Instituto Sou da Paz lembra que alguns projetos aprovados no Congresso estenderam o porte de armas a outras categorias profissionais, como o referente aos guardas municipais - a lei proveniente desse projeto foi sancionada pela presidenta Dilma em agosto.

Munição majoritária

O estudo da ONG demonstra que a comissão especial voltada para a revogação do Estatuto do Desarmamento é majoritariamente composta por membros da chamada bancada da bala. Segundo o instituto, há parlamentares alinhados aos interesses do setor mesmo sem ter recebido doação.

"O [deputado Jair] Bolsonaro, por exemplo, nem precisa receber doação de campanha, porque ele faz [a defesa de interesses da indústria das armas] por ideologia", observou Marcelo Fragano, mencionando um dos componentes do colegiado. Para o especialista, o PL 3722 é "o mais ousado" entre os projetos defendidos pela bancada da bala, porque revoga a lei vigente e inverte papéis.

"É quase que um atestado de falência do Estado como instituição que deve zelar pela segurança pública. É como se dissesse: 'Como não conseguimos resolver a situação, vamos armar o cidadão para cada um se defender. Assume a guerra de todos contra todos'", acrescentou Marcello, para quem, em suma, o projeto instaura a cultura do porte de arma no Brasil.

O projeto de lei criticado pela ONG institui o Estatuto do Controle de Armas de Fogo, que, na prática, revoga o Estatuto do Desarmamento. Caso o projeto seja aprovado, passa a ser responsabilidade da Polícia Civil, em conjunto com o Sistema Nacional de Armas, a emissão do registro e porte de armas de fogo. O PL também sugere a extinção da obrigatoriedade de renovação do registro de arma de fogo a cada três anos, tornando-o definitivo. A justificativa alegada é o excesso de burocracia, como o pagamento de taxas tidas como elevadas, a comprovação da necessidade de porte de arma e a observância a outros pré-requisitos formais.

Saiba Mais


grafico

Parentes de políticos e policiais são os campeões de votos nos Estados

Ter sobrenome famoso ou defender propostas da chamada "linha dura", como a redução da maioridade e tolerância zero com a criminalidade, rende votos. Aliás, muitíssimos votos. É o que aponta a relação dos parlamentares mais votados nos 26 estados e no Distrito Federal. Dos 27 campeões estaduais de votos para a Câmara, 17 têm parentes na política e cinco vêm da polícia ou da vida militar, como Jair Bolsonaro (PP-RJ), também pai de políticos. Além de Bolsonaro, outros seis dos mais votados são deputados reeleitos; outros três são ex-parlamentares que retornam à Casa.

De todos os campeões de voto, apenas Christiane Yared (PTN-PR) - a mais votada no Paraná, com 200.144 votos - aterrissará na Casa sem nenhuma experiência política anterior, seja em cargos públicos, seja pelo convívio familiar. Pastora evangélica, Christiane comanda uma ONG que propaga campanhas de paz no trânsito desde 2009, quando seu filho e um amigo foram mortos em acidente automobilístico provocado pelo então deputado estadual Carli Filho.

O deputado mais votado do país, proporcionalmente, será um estreante na Câmara que conhece desde criança os caminhos do poder na capital federal. Hoje deputado estadual, Arthur Bisneto (PSDB-AM), de 35 anos, é filho do ex-senador e atual prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto (PSDB-AM), e neto do ex-senador Arthur Virgílio. Natural de Brasília, onde o pai passou boa parte da vida, o tucano recebeu 15,13% dos votos dados pelo eleitor amazonense a todos os candidatos a deputado federal do estado.

Além dele, candidatos com parentes na política também foram os mais votados em outros 16 estados: Alagoas, Amapá, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins.

Entre os campeões de votos, estão, por exemplo, três ex-primeiras-damas - Rejane Dias (PT-PI), Dulce Miranda (PMDB-TO) e Shéridan Anchieta (PSDB-RR) - e quatro filhos de políticos - além de Arthur Bisneto, João Henrique Caldas (SD-AL), Walter Alves (PMDB-RN) e Pedro Cunha Lima (PSDB-PB).

Evangélica como Christiane Yared, Rejane Dias é deputada estadual e esposa do senador Wellington Dias (PT-PI), que disputou e venceu  as eleições para governador do Piauí. Com 134.157, Rejane foi a mais votada do estado.

Ex-secretária estadual, Shéridan desembarca na Câmara com 35.555 votos - a segunda maior votação proporcional do país, com 14,95% dos votos válidos. Aos 30 anos, a mulher do ex-governador José de Anchieta Júnior (PSDB) assumiu o seu primeiro mandato eletivo. A alegria em família só não foi completa porque Anchieta perdeu a disputa para o Senado. Mais feliz ficou Dulce Miranda, mulher do ex-governador Marcelo Miranda (PMDB-TO), que voltou ao cargo em janeiro de 2015. Ela foi a mais votada no Tocantins.

Em família

Campeão de votos no Rio Grande do Norte, Walter Alves será o responsável por manter o sobrenome da família na Câmara, já que seu primo em segundo grau, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), ex-  presidente da Casa, deixou de ser deputado pela primeira vez desde 1971. Henrique disputou e perdeu o governo estadual. Walter é filho do senador  Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), ex-ministro da Previdência, e neto do senador  do Garibaldi Alves (PMDB). Também é primo do prefeito de Natal, Carlos Eduardo (PDT).

O mais votado na Paraíba é o filho do ex-governador e atual senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), que concorreu e perdeu as eleições para o governo estadual. Advogado de 26 anos, Pedro Cunha Lima recebeu 179.886 votos (9,29%). Votação expressiva também recebeu o filho do deputado alagoano João Caldas (SD), João Henrique Caldas, o campeão de votos em Alagoas.

Linha dura

Quem também começa a formar uma bancada familiar é Jair Bolsonaro. Reeleito com 464 mil votos, o deputado fluminense tem a companhia de um de seus filhos na Câmara, Eduardo Bolsonaro, de 33 anos, eleito pelo PSC de São Paulo Jair também comemorou a reeleição de outro filho, o deputado estadual Flávio Bolsonaro (PP-RJ).

Conhecido pelas posições polêmicas que manifesta, como a defesa daditadura militar e da pena de morte, Bolsonaro também ganhou companheiros da chamada "linha dura". Esse é o perfil dos mais votados em Goiás, no Distrito Federal, no Pará e no Ceará.

O ex-deputado Alberto Fraga (DEM-DF), um dos líderes da chamadabancada da bala, contrária ao Estatuto do Desarmamento, está de volta à Câmara, embalado pelos 155 mil votos.

Calibre e algema

algemas

Suplente que chegou a exercer o mandato na legislatura passada, Delegado Waldir Soares (PSDB-GO) dividiu de maneira curiosa o seu número de candidato  eleição de 2014: 45 do calibre e 00 da algema. O Delegado Eder Mauro (PSD-PA) também surpreendeu ao liderar a votação entre todos os candidatos a deputado federal de seu estado. "Sou a voz da direita do povo de Belém em Brasília para apresentar projetos que possam dar um basta nesses vagabundos", escreveu em rede social,  após  receber 265.983 votos.

Outro policial que também saiu consagrado das urnas, ano passado, foi o ex-delegado da Polícia Federal Moroni Torgan (DEM-CE), que retorna à Câmara após quatro anos. Campeão de votos no Ceará, Torgan é seguidor da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, também conhecida como Igreja Mórmon.

Leia também:

edição
do dia

Capa do dia

últimas
notícias

+ notícias