Home / Política

POLÍTICA

285 dias em Prisão Provisória [GO], sem decisão judicial e à espera da ‘liberdade’

  • Luiz Batista Borges é analfabeto, réu primário, tem bons antecedentes, endereço fixo e é apenas um membro da base do MST
  • Advogado, Allan Hahnemann Porto teme inclusão dos movimentos sociais na Lei Antiterrorismo, como no Peru e em Honduras
  • Donos do imóvel devem à União R$ 1 bilhão, 220 milhões, 528 mil, 90 reais e 28 centavos, além de crimes ambientais e débitos trabalhistas


14 de abril de 2016. Luiz Batista Borges, analfabeto, homem de hábitos simples e de origem pobre, é preso. Há exatos 285 dias na Cadeia de Prisão Provisória de Rio Verde [GO], ele aguarda, desde 23 de novembro de 2016, uma sentença. Ligado ao horizontal MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem terra, criado em 1984], o seu sonho é adquirir um pedaço de terra para dar-lhe uma função social. Símbolo dos tempos sombrios pós-golpe de 2016, constitui-se, hoje, no último preso na frágil democracia brasileira. O crime: defender a reforma agrária. Medida social prevista na Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988.

– O inquérito que apura o suposto delito refere-se à ocupação da propriedade rural da Usina de Cana de Açúcar de Santa Helena, do Grupo Naoum.

É o que revela o advogado Allan Hahnemann Porto. Os donos do imóvel devem valores estratosféricos para a União. Documento assinado pelo atual ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, informa à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, dívida de R$ 1 bilhão, 220 milhões, 528 mil, 90 reais e 28 centavos. Eles respondem também por supostos crimes ambientais , além de débitos trabalhistas. O Incra, com o suporte do Ministério de Desenvolvimento Agrário, Advocacia-Geral da União e Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, teria realizado levantamento dos maiores devedores da União. Com dívidas acima de R$ 15 milhões.

11

– Pessoas Físicas e Jurídicas! Para efeito de desapropriação de terras e compensação financeira.

A primeira ocupação da área, em Santa Helena, ocorreu, em 2013. Depois, em 2015. O imóvel chegou a ter quatro mil famílias que sonham, acordadas, com um pedaço de chão para produzir alimentos. O acampamento chamava-se Padre Josimo Tavares, morto em conflito de terras no ano de 1986. O acampamento denomina-se, hoje, Leonir Orback, militante do MST morto no Paraná, em 7 de abril de 2016, em uma emboscada, no municípios de Quedas do Iguaçu. A Usina de Cana-de-Açúcar do Grupo Naoum está em processo de recuperação judicial. Sob Dilma Rousseff, um GT Interministerial teria sido criado para analisar as desapropriações.

O Incra começou a cruzar dados da Receita Federal, AGU, Procuradoria Geral da Fazenda Na-cional [PGFN] para examinar Pessoas Físicas e Jurídicas e identificou 729 pessoas físicas e jurídicas que possuíam imóveis rurais e que deviam mais de R$ 15 milhões em impostos federais. Eles controlavam 4.057 imóveis rurais. A soma dos débitos totalizava mais de R$ 200 bilhões. O que correspondia a seis milhões e 500 hectares de terras. O que permitiria assentar 215 mil famílias de sem terras em todo o Brasil. A demanda de 2015. Apenas a Usina do Grupo Naoum devia à União R$ 788 milhões, 245 mil, 895 reais e 25 centavos. A propriedade rural foi arrendada.

– Dos ocupantes do imóvel, em Santa Helena, boa parte é de ex-funcionários do Grupo Naoum que têm acertos trabalhistas para receber da empresa, em processo de recuperação judicial.

Luiz Batista Borges era um acampado. Como a estrutura do MST é horizontal, não há a figura do líder messiânico. O movimento atua com decisões e ações coletivas, não individuais, explica Allan Hahnemann. Trata-se de um militante de base, adianta. O seu trabalho era de apaziguador de conflitos. Preso em 14 de abril de 2016, é acusado de ser membro de uma organização criminosa, com base na Lei Federal 12.850 de 2013. A acusação está prevista no artigo 2º da lei. Além de estar incluso no Artigo 161, Código Penal, Inciso 2, que é a ocupação de terras. Assim como no Artigo 157, parágrafo 2º, Inciso I e V do Código Penal: roubo qualificado.

O MST ocupou, em agosto de 2015, a área. A justiça, em primeira instância, determinou a reintegração de posse. O Tribunal de Justiça, em segunda instância, derrubou a liminar de primeira instância. Em fevereiro de 2016, a justiça de primeira instância julgou o mérito e cassou a decisão do TJ [Goiás]. O Comitê de Gerenciamento da Crise, presidido pelo titular da Secretaria de Estado da Segurança Pública, no dia 5 de fevereiro de 2016, em acordo celebrado com arrendatário, usina e MST, além do Incra, estabeleceu que o imóvel rural seria desocupada entre os dias 16 de março e 23 de março de 2016. Iniciou-se, então, a desocupação.

Eram quatro mil pessoas. Com plantações de grãos, hortaliças, criações de animais, móveis, utensílios domésticos, barracas, lonas, roupas, calçados, ferramentas de trabalho. Funcionários do arrendatário teriam enviado um pulverizador de veneno, com o Glicosat, para destruir a plantação do MST. O veículo foi apreendido pelos trabalhadores rurais e incendiado. Esse é o crime atribuído a Diessyka Lorena e Natalino de Jesus, exilados. Depois, em serviço terceirizado, o arrendatário mandou uma camionete para levar embora o que havia ficado para trás e que pertenciam aos ocupantes. Eles foram cercados. A camionete ficou retida no acampamento por duas horas e depois recuperada pelo proprietário. Era apenas uma forma de protesto. Não custa lembrar: os trabalhadores estavam dentro do prazo acertado para a desocupação.

– Esse é o crime atribuído a Luiz Batista Borges, um pedreiro de profissão, analfabeto, de roubo qualificado. A sua história de prisão é de crueldade e de ingenuidade. Não houve agressão física. A retenção da camionete não é roubo. Não houve dolo específico para o uso em proveito próprio do veículo. Era uma forma de protesto contra a medida do arrendatário que determinara a destruição do acampamento do MST, que ainda possuía prazo legal para desocupar a área. A sua prisão é injusta. Além de ilegal pelo tempo em que Luiz Batista Borges está preso. O dono da camionete reconhece em depoimento que a retenção do veículo era um protesto.

Em tom de indignação, o operador do Direito Allan Hahnemann afirma que a acusação de crime organizado para tipificar a ação do MST é a criminalização dos movimentos sociais. O Estado de Goiás seria o laboratório, observa. É o primeiro caso no Brasil, adianta. Com a construção de uma jurisprudência negativa de criminalização dos movimentos sociais, pontua. O MST não é um agrupamento criminoso, como PCC e CV, para a prática de crimes e obter vantagens indevidas, sublinha. Não existe a possibilidade de um acampamento ser criado de forma ilegal, dispara. “O nosso temor, hoje, é que ocorra, no Brasil, com a Lei Antiterrorismo, o que já existe em Honduras, Guatemala e Peru, já que a Lei Antiterror, 13.260/2016, dialoga com a Lei de Organização Criminosa, 12.850/2013, e mistura movimento sociais com terrorismo”.

– A Lei federal nº 12.850, de 2013, permite escutas telefônicas, infiltração de agentes, tempo de instrução criminal dilatado, que o acusado possa ficar até 240 dias preso – Luiz Batista Borges está há 285 dias. Aguardamos a sentença de Luiz Batista Borges desde 23 de novembro de 2016. O que excede qualquer prazo razoável de prisão cautelar e que contraria Tratados de Direitos Humanos celebrados em cortes internacionais pelo Brasil. Ele é réu primário, com bons antecedentes, endereço fixo. Na pior das hipóteses, ele deveria recorrer de suposta sentença em liberdade. Luiz Batista Borges, repito, está na CPP de Rio Verde há 285 dias!

SAIBA MAIS

Números

14 De abril de 2016: data da prisão

285 O número de dias de sua prisão

23 De novembro: à espera de sentença

729 Pessoas devem R$ 200 bilhões

Acusados do MST estão exilados

Mil pessoas estavam acampadas

Leia também:

  

edição
do dia

Capa do dia

últimas
notícias

+ notícias