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Fala de desembargador com advogada no TRT provoca repúdio na classe profissional

Na última quinta-feira (17/8), o desembargador Eugênio Cesário, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), repreendeu uma advogada pelas roupas que ela usava e ameaçou deixar a audiência, pois, segundo o magistrado, ela não estaria cumprindo o decoro forense. O momento foi registrado em vídeo pelo advogado Lucas Jabur, as cenas repercutiram na internet causando repúdio na classe profissional.

Na gravação, o desembargador diz que os presentes poderiam discordar, mas que o tribunal tem um decoro a ser cumprido.  “A atividade do advogado requer esse decoro, a senhora tem que estar à altura, na forma e na aparência, do exercício dessa atividade. O fórum é todo feito de simbologias, olha as nossas togas aqui e a senhora vem de camiseta fazer uma sustentação oral”, alegou. Em seguida, o jurista ameaça deixar a audiência.

Logo depois, a desembargadora Yara Teixeira corrige o magistrado e afirma que a advogada, identificada como Pamela Helena Amaral, não estava de camiseta, mas sim de vestido e sugeriu adiar a audiência. O advogado Lucas Jabur conta que a referida advogada estava com roupa de costume das demais colegas de profissão, apenas sem o terninho e que por isso o desembargador disse que ela não poderia fazer o pronunciamento dela.  “Não faz sentido algum, pois uma prerrogativa que o advogado tem é fazer a sustentação oral de seu cliente”, argumenta.

O advogado relata que outra colega presente na audiência emprestou seu terninho para que Pamela pudesse fazer a sustentação oral. “Na hora, o desembargador Dr. Eugênio silenciou na hora e foi quando a advogada pode fazer a defesa dela. E ao final, a advogada pediu perdão pela vestimenta, disse que isso foi no entendimento do desembargador e que, no entendimento dela, ela estava muito bem vestida”, narra.

Jabur afirma que a referida advogada pediu para que fossem publicadas quais as vestimentas exigidas e o desembargador respondeu citando o regimento interno do TRT, do TST e no próprio estatuto da OAB. Entretanto, Jabur ressalta que somente a OAB pode determinar sobre as vestimentas dos advogados no exercício da profissão e não o juiz. “O Estatuto da OAB determina que só compete ao conselho seccional fiscalizar as  vestimentas, mas é um ato completamente subjetivo, pois ela estava bem vestida, a única diferença á que ela não estava com o terninho”, esclarece.

O presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas (CDP) da OAB Goiás, David Soares, reforça que cabe ao Estatuto determinar quais são as vestimentas do advogado. “Não existe nada determinado ou combinado com o TRT ou outros tribunais, quem determina como os profissionais do direito deve se portar ou vestir é o nosso Estatuto, no artigo 58, que compete privativamente ao conselho seccional da OAB determinar os critérios para o traje dos advogados para o exercício profissional”, argumenta.

David Soares afirma que a Comissão que preside está analisando os acontecimentos, mas destaca que a OAB não compactua de forma nenhuma com qualquer intransigência como a que ocorreu no TRT. “Entendo que houve violação sim de prerrogativa a partir do momento que a advogada foi proibida de exercer sua função. Ainda estamos estudando quais providências vamos tomar, uma delas é analisar o caso para com isso resolvê-lo”, esclarece.

O presidente da CDP cita a importância de analisar o caso uma vez que o vídeo teve repercussão nacional. “Nós não vamos aceitar de forma nenhuma que alguém viole as prerrogativas do advogado e esse é o nosso direito. Prerrogativa é lei, nós queremos que essas leis sejam obedecidas”, assegura.

A advogada Thaís Moraes conta que já presenciou situações semelhantes, ela conta uma delas na qual o desembargador causou também constrangimento, mas com uma abordagem diferente. “Não foi uma critica propriamente dita, mas foi quando uma colega, ao sentar na tribuna para proferir sustentação oral, ouviu o desembargador que a beleza dela alegrava aquela câmara, que estava totalmente composta por homens”, relata.

Thais lamenta que casos assim se ocorram com frequência. “Infelizmente, a advocacia está sofrendo com esses abusos de forma recorrente. Eu sou mais enérgica diante dessas situações, principalmente se eu perceber que tem algum tipo de apontamento machista. Caso ocorresse comigo, pediria para constar em ata as palavras do desembargador e informaria que quem rege a vestimenta da advocacia é o estatuto geral da OAB, lei federal”, conta.

Ainda na quinta-feira, a OAB publicou duas notas de repúdio, uma da CDP e outra da conjunta das comissões da Mulher Advogada (CMA), Especial de Valorização da Mulher (CEVM) e Especial da Voluntária Advogada (CEVA), que afirmou repudiar o preconceito na fala do desembargador. “Salientamos que o repúdio se estende ao tom autoritário proferido pelo magistrado, sobretudo diante de uma jovem advogada mulher, visto que os tribunais de Justiça também não são ambientes para comportamentos antidemocráticos como os do referido desembargador”, afirma a nota.

Até o fechamento dessa matéria, não foi possível entrar em contato com a referida advogada. Entretanto, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT), da 18ª Região, se pronunciou lamentando o ocorrido e o considerou um caso isolado. O gabinete do desembargador Eugênio Cesário emitiu uma nota pública, refirmando sua defesa do decoro forense.

“É dever do juiz manter o decoro na audiência, tratando com urbanidade as partes, advogados e representantes legais. Sendo matéria regimental, esse Regional, na esteira de tantos outros iguais, estabeleceu que, durante a audiência, o Juiz deverá exigir das partes, quando possível, e especialmente dos advogados, a utilização de trajes compatíveis com o decoro forense, comunicando eventuais irregularidades à Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, quando necessário”, argumenta o desembargador.

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